Enlaces por Lua Calasans
Seu olhar por cima dos muros
Laura folheava distraidamente uma revista na banca, se questionando acerca da permanência de banca de revistas: em quanto tempo seriam extintas? Sabia que em cidades como a sua que flutuava entre épocas, bancas de revistas eram uma espécie de loja de conveniência em que se encontrava desde livrinhos “Bianca”, “Júlia”, “Sabrina”, com suas trajetórias açucaradas conhecidas por ela em sua adolescência, até tabaco para enrolar, seu atual melhor amigo, que já ajudara a diminuir de uma carteira de cigarros, para apenas cinco cigarros ao dia, pequenas vitórias. O dia está agradável, resolve então caminhar até a sua casa.
Viviane entediada caçava novas bandas locais nos canais de Youtube, soundcloud, deezer, olhava as indicações na timeline do Facebook, distribuindo corações, enquanto interagia em grupos do Whatsapp. Com mil abas abertas no navegador, salvava mais links do que teria capacidade de ler em sua breve estadia nesse planeta, ouvia seu notebook “rosnar” com o cooller super aquecendo. Resolve então dar um descanso para o pobre soldado, levanta e caminha até a varanda, observa os corpos se movendo, mora no terceiro andar bem em frente à rua, pode observar e ser observada e repentinamente um rosto se destaca na multidão.
Laura passa por aquela rua conhecida, mas só hoje seus olhos passearam pelos andares do prédio baixo, amarelo, n°43. Em uma das varandas uma jovem fumava distraidamente um cigarro, rodeada de plantas, o que causava um apelo à cena, parecia um retrato emoldurado de tão bela. A jovem negra, era uma das mulheres mais bonitas que os olhos de Laura conheceram, com um black curto, grandes olhos castanhos e uma expressão divertida no rosto. Sua expressão lembrava uma criança que havia sido pega espiando, ela espiava, em uma cidade em que o olhar é voltado apenas às telas, uma linda mulher espiava o movimento da rua.
Logo, Laura sentiu que dividia um segredo com aquela linda desconhecida que a assistia, então trocaram sorrisos e o encontro que durou apenas segundos e foi realizado há metros de distância, já não podia ser mensurado através dessas medidas meramente humanas, pois o tempo para Laura e Viviane passou a funcionar de forma diferente a partir daquela tarde, com as duas revivendo o momento durante toda o dia, sempre que a mente saia para vagar, escolhiam o sorriso uma da outra como morada.
Viviane achou o rosto de Laura conhecido, já diziam “essa cidade é um ovo”, todos se conheciam, estavam ligados de alguma forma, a única coisa que Viviane precisava era descobrir quais de seus 800 e poucos amigos do Facebook era amigo daquela estranha de cabelo curto. O corte joãozinho já servia de auxílio para encontrá-la, repentinamente ela parou de rolar o scroll, será que aquele momento havia mesmo acontecido?
Aquela desconhecida de corte joãozinho, cabelo escuro e pele clara, trajada com um short jeans e uma camiseta azul, passando distraidamente em sua rua, seus olhos curiosos vagando entre as árvores e varandas até que seus olhos se encontraram, se enamoraram, e aquele sorriso? Seu sorriso transparente e espontâneo. Quem sorri assim para uma desconhecida? “Ela deve ser pisciana”, pensou Viviane.
Parou por um momento e riu consigo mesma, estava procurando o Facebook de uma desconhecida após trocar um sorriso. Carência? Não, não. Era mais do que isso, foi o ângulo, Viviane diariamente fumava entre as plantas da varanda e nunca foi observada, em frente a uma rua movimentada, as pessoas seguiam com linhas como as formigas, mas não aquela mulher, ela observava o céu, as janelas, a intimidade alheia, intimidade essa que Viviane adorava observar e retratar em suas obras. Mas qual seu nome? Era só o que ela pensava.
A vida seguiu, Laura passou a pegar sempre o mesmo caminho até a Universidade na esperança de que encontraria novamente a jovem da janela, passava sempre observando a varanda adornada de plantas, e mesmo sem encontra-la, seu coração sempre acelerava nesse trecho, mas se realmente a encontrasse o que faria? Teria coragem de se apresentar? Solteira há dois anos, certamente flertar não era uma de suas maiores qualidades, só de lembrar o rosto dela ficava constrangida. Resolveu então contar o ocorrido para uma amiga e pedir um conselho:
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- Bate lá na casa dela! Toca em todos os apartamentos do terceiro andar.
Janaína, sua amiga há quase uma década, certamente era mais decidida que ela, ostentava sua fama de conquistadora, mas Laura não era assim, tímida, era raro se interessar por alguém.
- De maneira alguma, ela vai achar que eu sou uma stalker louca. Bato lá e digo o que? Que sou da pizzaria? Da empresa de energia? Não dá, amiga. Você conhece alguém desse prédio?
- Conheço o Lucas, ele divide com o namorado, Pedro e uma amiga, a Carol. Saca quem é a Carol? Aquela que encontramos no show do Jads Macalé.
- Não. Mil pessoas naquele show.
Abordar a Carol que ela encontrara uma vez e perguntar sobre sua vizinha certamente seria muito estranho, além disso, nada garantia que elas se conheciam.
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As gotas pesadas de chuva caiam marcando cada vez mais o cimento da calçada, olhando para o chão com o passo acelerado, Laura carregava várias sacolas pesadas, poderia ter esperando mais 15 minutos no mercado, mas chuva surpreendera a todos que embaraçadamente corriam e procuravam um abrigo, finalmente chegara ao ponto, esbaforida. Encolheu-se toda para caber no curto espaço do ponto de ônibus lotado, mas toda encharcada percebeu que seria inútil. Ao olhar para o outro lado da rua a viu, caminhando calmamente como se a chuva não existisse, andou até a direção de Laura e sorrindo logo emendou:
- Dia difícil? Quer ajuda com as sacolas?
Laura atônita com a tranquilidade da outra, sorriu de volta, o dia acabara de melhorar.
- Você lembrou.
- Sim – emendou Viviane - você é a mulher misteriosa que gosta de andar com a cara para cima.
O sorriso de Laura se desfez, percebendo o estranhamento a outra logo corrigiu:
- É uma piada, desculpe – E riu alto de nervoso.
O riso nervoso de Viviane quebrou o gelo e tranquilizou a expressão de Laura.
- Qual seu nome?
- Viviane e o seu?
- Laura.
- Talvez eu devesse ter começado dessa forma – Viviane emendou rindo.
O ônibus chegou e ambas embarcaram. Laura sentou e Viviane permaneceu em pé tentando construir uma conversa, mas a timidez de Laura, o ambiente ruidoso e os olhares observadores pareciam prejudicar sua estratégia. O ponto de Viviane se aproximava e a conversa continuava quase monossilábica passeando por temas banais, causando ansiedade nas duas. Foi Laura que finalmente atentou:
- Me dá seu celular, me deixa anotar meu número.
Fim do capítulo
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