Capítulo 7
Dias se passaram e Anne estava com a irmã, não nos víamos durante o dia e ela dormia todas as noites no primeiro andar da cafeteria. Segundo a ruiva, a irmã se sentia insegura para ficar sozinha e ainda havia toda essa confusão do casamento que necessitavam resolver. Às vezes achava que o que Kelly precisava mesmo era se comportar como adulta e deixar de depender sempre de alguém para direcionar sua vida, porém logo me sentia egoísta pensando assim. A menina viveu um inferno no casamento, mas três semanas de um relacionamento á distancia morando na mesma cidade, afetava um pouco minha capacidade de racionalizar.
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Acordei no sábado com dor de cabeça e o telefone tocando.
-- Bom dia amor, antes que você me bronqueie por acordar tão cedo, quero te convidar pra passar o dia comigo e Kelly. Vocês precisam se conhecer.
-- Você esqueceu que já fomos apresentadas, eu fiz o ensaio fotográfico da tua irmã dois anos atrás.
-- Aquilo não foi um encontro, foi uma trombada. Vocês precisam tirar a má impressão daquele dia, se conhecerem de verdade. Se ela vai fazer parte de minha vida e nós estamos juntas, consequentemente fará parte da tua também. Você vem?
-- Vou, mas não agora, garota ansiosa. Podia ter esperado mais um pouco antes de me acordar.
-- Tô esperando, meu limãozinho dorminhoco.
-- Te odeio.
-- Não odeia, você me ama, não é todo mundo que tem a oportunidade de ter uma ruiva gostosa dessa na cama todos os dias –já fazem três semanas que eu não sei o que é isso, fazer o que né?- beijos amor.
-- Boa noite Anne!
Minha namorada estava feliz com a irmã e eu torcendo para que Kelly estivesse realmente disposta a levar essa convivência adiante, não usando Anne enquanto recuperava sua vida de antes.
Duas horas depois e eu indo a caminho do apartamento de Anne. Não nutria muitas expectativas em relação à minha cunhada, afinal como diz o ditado “ a primeira impressão é a que fica”, mas estava disposta a tentar.
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--Ash, porque não entrou com a tua chave? – Anne me recebeu com um beijo e logo se afastando para que eu pudesse adentrar.
-- Não queria invadir a privacidade da tua irmã.
-- Não precisa dessas formalidades, a Kelly sabe do nosso relacionamento, do quanto você é importante pra mim e que não temos segredos ou ressalvas uma com a outra. Ela vai ter que aprender a viver no meu mundo e respeita-lo em todos os seus aspectos. E acredite, ela tem se esforçado – foi ate a cozinha chamar a irmã.
-- Meninas, sei que vocês já se viram antes, mas agora eu quero apresentá-los de forma correta. Então Kelly essa é Ashley minha namorada e Ash essa é Kelly, minha irmãzinha – era perceptível a ansiedade da ruiva em relação ao nosso reencontro e a possibilidade de nos tornarmos amigas de cara, como havia acontecido com ela e Hanna, mas eu não via necessidade de forçar uma barra com a menina, qualquer coisa que acontecesse entre nós viria com o tempo e seria verdadeiro. Nos cumprimentamos com beijinhos e juro que vi um brilho de qualquer coisa nos olhos da garota, mas deixei pra lá.
Terminamos a manhã com um almoço preparado por Kelly, o que me surpreendeu, pois sempre a imaginei sendo servida em todos os aspectos. A mesma me explicou que desde cedo aprendeu sobre trabalhos domésticos, ainda que tivessem empregados para cuidar de tudo. Tinha liberdade para fazer o que lhe apetecesse, desde que evitasse escândalos, pois seus pais gostavam de exibi-la com a imagem da dona de casa perfeita para os homens de vida pública, sempre foi treinada para posar ao lado do marido, que o pai escolheria quando lhe fosse conveniente.
Foi educada numa “escola de princesas” e incentivada a aprender piano, inglês, francês e italiano, além de estudar administração para exibir um certificado de curso superior na parede da biblioteca, pois assim que concluiu a faculdade casou e desde então se limitou a interpretar seu papel de esposa e futura mãe.
As meninas falaram também sobre as novidades na questão do casamento. Depois de tantos anos a ruiva novamente ficou cara a cara com os pais, pensar nessa possibilidade me deixava preocupada, pois aquele homem não tinha nenhum caráter, meu medo era ele fazer alguma coisa contra Anne. Claro que o “poderoso chefão” tentou criar uma situação buscando culpar a filha mais velha pelo “desvio” da caçula e humilhá-la pela sua sexualidade. Marcilio não contava com a primogênita batendo de frente com ele de igual pra igual, há muito havia perdido o medo e o respeito com o qual ele estava acostumado a ser tratado, além disso durante muito tempo treinou krav maga, pois jurou aos 15 anos que aquela seria a primeira e ultima vez a apanhar de quem quer que fosse. E ali, se precisasse defender a si e à irmã daquele homem, mesmo o sendo seu pai, não hesitaria.
-- Anne você não tinha que bater de frente com aquele homem. As duas deveriam ter procurado um advogado.- não consegui disfarçar minha preocupação - Desculpa, mas Marcilio é um monstro e não tem limites. Pelo que ele foi capaz de tramar contra Kelly que o obedecia cegamente, imagine contra você.
-- O advogado vai cuidar dos detalhes, mas justamente por conhecer nosso pai tive que ir até ele e deixar algumas coisas claras- disse Kelly – mesmo o melhor advogado não conseguiria muita coisa contra alguém que atualmente tem uma equipe tão boa na sua retaguarda, são talentosos e inescrupulosos na mesma medida. Pessoas assim, só recuam provando do próprio veneno.
A ruiva mais nova tinha um às na manga quando foi procurar o pai. Certa vez havia espionado Marcílio e Orlando, seu sogro. Na época, ficou chocada com o que descobriu, mas não tinha a coragem para confrontá-los. Sua postura resignada havia rendido passe livre nos escritórios das duas casas. Um ingênuo presente resultou em gravações de conversas e situações constrangedoras para os dois patriarcas, sobrou até para Orlandinho que teve alguns de seus encontros amorosos registados.
-- Não sei o que me deu, apenas segui meus instintos que diziam pra fazer isso. O que me incomoda é não poder contar a todo mundo quem eles são, é isso ou minha vida de volta, acabo não tendo escolha por enquanto, mas as informações vão ficar muito bem guardadas, um dia toda essa sujeira virá a tona e eles terão que prestar contas à justiça. - No fim, a pequena Kelly não é tão bobinha como todos pensavam.
Depois da revelação das gravações, Kelly conseguiu que o sogro e o pai aceitassem a dissolução do casamento, mas teve que ceder a uma exigência deles. A separação teria que ser fundamentada em uma história que não prejudicasse a imagem de Orlandinho. Portanto, muito em breve chegaria ao conhecimento de todos os amigos, familiares e aliados, tanto reais quanto potencias, que a pequena Kelly estaria sacrificando sua felicidade em favor do marido que sonha ser pai, sendo ela estéril e não podendo lhe dar um rebento preferiu o divórcio. A Orlandinho coube aceitar a decisão da mulher depois de tentar fazê-la mudar de ideia.
-- Acabei aceitando essa proposta por não ter alternativa. O quanto antes me libertar dessas pessoas melhor. Contato com eles agora só através do advogado.
A ruiva caçula não queria problemas além dos que já tinha, portanto, num acordo rápido, abdicou dos bens que lhe cabiam, pois sabia que grande parte do fortuna dos Almeida vinha de negócios escusos.
--E agora o que você pretende fazer daqui pra frente?
-- Tenho algumas economias e pretendo investir num ramo que sempre gostei. Vou abrir uma boate.
-- Bom, é um negócio interessante.
-- Sim. Andei pesquisando e ainda busquei assessoria contábil e jurídica. Anne também vai me ajudar, já que ela tem mais experiência que eu em gestão de negócios.
-- É um investimento grande. Vocês já planejaram a parte financeira.
-- Como eu disse, tenho economias e não são poucas. Durante o Ensino Médio, meus amigos e eu curtíamos baladas em outras cidades, chegávamos a gastar cerca de 20 mil por noite. Nesse tempo conheci muita gente interessante e nunca me senti tão em casa, por isso o desejo de ter meu próprio negocio na área, acho que pode dar muito certo. Tínhamos entre 15 e 17 anos, no começo eram saídas para shoppings festas em casa, mas depois a galera decidiu que não bastava, queríamos sentir a adrenalina das baladas, as bebidas, as batidas o calor humano. Nós não tínhamos limites, nem nosso cartão de crédito.
-- Um dia, um dos meninos teve um envenenamento por bebida, acho que ele associou álcool com outra droga. Entramos em desespero, se o pessoal da casa não tivesse uma equipe médica pra fazer os primeiros procedimentos, antes de levá-lo ao hospital ele teria morrido. Lá a equipe médica gerenciou os problemas respiratórios, administrou líquidos para combater a desidratação e baixa de açúcar no sangue, e lavou o estômago para ajudar a limpar o corpo das toxinas. Ele teve sorte, pois segundo o médico, geralmente quem sobrevive a uma overdose de álcool tem danos cerebrais de longa duração e mesmo irreversíveis.
-- Me espanta essa história não ter ido parar nas primeira página de jornais e sites dê notícias.
-- A mim não Ash, Marcílio não permitiria algo assim.
-- Sim. Quanto aos médicos eles não se preocuparam, pois havia a questão do sigilo profissional. A casa de shows também não teria problemas, caso todos mantivesse a boca fechada, do jeito que nossos pais estavam furiosos seria suicídio empresarial.
-- E foi esse episódio que acabou resultando nas minhas economias hoje. Por absurdo que possa parecer, todos sabíamos o que nos aguardava no futuro, estávamos aproveitando o máximo do presente, atitude aceitável enquanto permanecesse entre quatro paredes. Naquela noite percebi, através de uma surra, o valor da discrição no meio em que vivíamos. Passei dias em casa sem ir à escola ou outra atividade, ate poder disfarçar os hematomas. Quatro meses depois meu pai havia adquirido a franquia de uma casa de shows e me colocado como sócia para compensar o que nas palavras dele era uma “lição” para o futuro que ele me reservou. O tempo de vida do empreendimento expirou em cinco anos, todavia tivemos um bom lucro e a minha parte da para iniciar o negocio com folga. Apenas necessito Anne à frente de tudo até as coisas esfriarem, com relação a rosa essa história do divórcio.
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E assim os dias transcorreram. Anne se dividia entre o café e a boate, resolvendo questões sobre estrutura, licenças e pessoal. Apesar da ruiva estar praticamente morando em minha casa, o nosso tempo realmente juntas se resumia aos finais de semana, do contrario nos víamos pouco durante o dia e às vezes à noite, quando Anne chegava eu já estava dormindo.
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-- E então como anda o lance da boate? –estávamos Liz e eu esperando por Hanna no estacionamento, havíamos encerrado o expediente com uma sessão de fotos para o catálogo de uma marca famosa de biquínis. Há quase um ano decidimos ampliar nossa área de atuação e entramos no mercado da moda, mas permanecemos com os ensaios. Era um escritório comandando praticamente dois estúdios diferentes, o dos editoriais sob minha responsabilidade e os ensaios a cargo de Liz.
-- Pronta pra ser inaugurada em 15 dias, as meninas estão trabalhando nos últimos detalhes.
-- Finalmente vocês duas vão poder ter uma vida social novamente, porque ficar enfiada em casa domingo a domingo ninguém merece. E essa garota que não sabe dar um passo sem a supervisão da irmã.
-- Oi amores, vamos comer fora hoje. Tenho muita fome e pouca vontade de cozinhar. Vou chamar João pra ir com a gente, aproveita e chama Anne também, Ash.
-- A babá ruiva ainda não acabou o expediente.
-- Deixa de disso Liz, a ruiva tá ajudando a irmã, além do mais Ash que é namorada decidiu apoiar a moça, não vem você começar a fazer cobrança.
-- Hanna tem razão, apesar de eu me sentir negligenciada às vezes. Mas eu tenho vocês do lado, Kelly não tem ninguém além dá irmã.
-- Ok. Não falo mais. Só porque nós somos assim tão lindas e maravilhosas, hoje o jantar é por tua conta, Hanna, João e eu vamos de convidados, naquele japonês perto de casa.
No carro Hanna recebeu uma mensagem e decidiu mudar o caminho.
-- O que aconteceu doida? Agente não ia no japonês? – assim como eu, Lis não havia entendido nada.
-- Depois, agora vamos em outro lugar.
Fizemos um trajeto conhecido por mim e logo estávamos em frente a boate de Kelly, Vibe's.
-- Vai entrando enquanto encontramos onde estacionar.
Não estranhei o silêncio, já que o espaço ainda não havia sido inaugurado, imaginei que as meninas haviam nos convidado para ver o resultado final. Fiquei muito surpresa com o que encontrei lá dentro: luz baixa, mesa de dois lugares decorada com toalha, flores, velas e Anne de pé aguardando que me aproximasse.
-- Boa noite, meu amor. Janta comigo?
-- Acho que não tenho opção, minha carona fugiu e me abandonou aqui, solitária e faminta. – confirmei com um sorriso que evidenciava a brincadeira e a minha namorada de um jeito muito fofo me conduziu até a cadeira para que eu sentasse.
- Deixa eu dar sinal para pessoal começar a servir.
-- De entrada eu quero um beijo. – falei indo sentar no seu colo, precisava matar a saudade de ficar assim curtindo os lábios uma da outra. – Vamos ficar um pouco assim, apenas nós, trocando carinhos. Saudade de ficar assim contigo.
-- Também tava com muitas saudades, de ficar assim, dormir de conchinha, trocar carinhos a noite enquanto você assiste aquelas séries estranhas. – falava abraçada a mim beijando meu pescoço de um jeito que ela sabe me provocar cócegas- Tô me sentindo tão culpada de te deixar sozinha tanto tempo.
-- Eu também senti muito a tua falta esses dias todos.
-- Sei também que você fica mal com isso, mas te conheço suficiente pra saber o quanto você torce por mim e minha irmã e jamais cobraria algo. Obrigada por ser tão maravilhosa comigo – apertou o abraço.
-- Te amo. Você está bem, eu também estou.
-- Ai, que namorada perfeita eu fui conquistar. Eu poderia ficar aqui a noite toda te enchendo de beijos, mas nós temos plateia e tua barriga tá roncando demais Ash. – gargalhou.
O jantar seguiu entre carinhos, estranhei a ruiva bebendo mais que o habitual e descobri o motivo logo depois.
-- Amor, você vai mesmo me deixar na curiosidade? – Anne havia me vendado ao término do jantar e estava me levando a algum lugar.
-- Não tira a venda tá? Me dá tua mão. – segui guiada pela ruiva pelo caminho até uma escada, depois ao interior de algum lugar. Quando a mesma tirou a venda dos meus olhos, estávamos em uma cabana suspensa. A cama estava inteira decorada com pétalas de flores e um buquê ao centro, champanhe, trufas variadas e morangos numa mesa decorada com velas aromáticas.
-- Ash, há algum tempo venho pensando em dar um passo maior na nossa relação. Sei que nos últimos meses nosso tempo juntas tem sido escasso, mas em nenhum momento eu deixei de querer estar ao teu lado, porque você é perfeita pra mim, tudo que eu poderia esperar na mulher que eu quero para ser minha esposa. Você é inteligente, talentosa, compreensiva, acredita no meu potencial, incentiva a correr atrás do que eu quero, consegue me trazer á realidade quando eu extrapolo. Eu amo suas qualidades e defeitos, seu humor ácido ao acordar, sua mania por organização. Quero dormir e acordar todos os dias ao teu lado, fazer os nossos caminhos se entrelaçarem, quero que você seja a mãe dos meus filhos. Prometo dedicar meus dias a te fazer a pessoa mais feliz do mundo, se você aceitar casar comigo.
Fim do capítulo
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