CapÃtulo 4
Cheguei ao estúdio e fui direto pra minha sala sem cumprimentar ninguém. Tudo o que eu não quero nesse momento é conversa, já basta a confusão que está minha cabeça, depois do que aconteceu com Anne a noite. Tava tudo indo tão bem, porque ela tinha que me beijar daquele jeito? O que mais me irritava era lembrar que num momento de fraqueza eu permiti que ela aprofundasse o beijo. Como se não fosse suficiente, tenho a consciência apontando dedo pra mim desde que acordei. Sei que não foi legal deixar Anne daquele jeito na sala de casa, mas ela não tem o direito de bagunçar um plano que eu já havia traçado pra minha vida.
Fiquei no quarto por uns minutos imaginando como encarar a ruiva, mas quando voltei Anne já não estava mais lá. Bela companhia eu me saí, em vez de ajudar, acabei machucando Anne e agora não tenho coragem para ligar pedindo desculpas.
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-- Olá meninas, pausa de meia hora para descanso e lanche - Falou Hanna dispensando as modelos do cenário – agora me conta o que tá acontecendo. Faz duas semanas que você está pela misericórdia. Trabalhando mal humorada, faltando a compromissos. E essas olheiras, você não tá dormindo Ash!
-- Não tá acontecendo nada. Aliás, sim, justo agora está acontecendo uma perda enorme de tempo e sabemos que tempo é dinheiro.
---Você é minha irmãzinha, conheço bem quando algo te perturba a ponto de interferir até no lado profissional. Eu não queria ser invasiva, mas as coisas estão tomando uma proporção muito grande. Eu apenas queria que você se abrisse e falasse comigo.
-- Não quero falar sobre isso agora, precisamos terminar esse catálogo. A gente conversa mais tarde, pode ser?
--OK, mas pega leve com as garotas, elas não tem culpa dos teus infortúnios. - saiu me deixando com a certeza de que ela sabia exatamente o que se passava comigo.
Depois de encerrado o ensaio, fui ao encontro de Hanna que me convidou para almoçar num restaurante próximo ao trabalho, precisávamos tratar também de assuntos relacionados à ampliação da equipe.
-- Você sabe que Liz terminou o curso de fotografia e está de viagem marcada para a França. Ela tem uma amiga que pode substituí-la nos planos que tínhamos para uma segunda fotógrafa na equipe, então pensei em colocá-la nos books personalizados e cerimônias de casamento e cobrir as fotos de estúdio enquanto você tira uns dias de folga. Ao menos duas semanas. Liz conhece a nossa dinâmica de trabalho, ela mesma pode treinar a moça no período de adaptação. O que me diz? – Não consegui evitar o ato de rolar os olhos.
-- OK. Senti no ar uma pequena insinuação de que não estou dando conta do trabalho. Vai me falar alguma coisa ou espera que eu advinhe?
-- Já há alguns dias eu observo sua dinâmica com as modelos, o pessoal do prédio, Liz. Até a um cliente você respondeu atravessado no outro dia. Logo você que é sempre tão profissional, que nunca mistura vida pessoal e trabalho. Sabe que eu não gosto de ser invasiva, prefiro esperar o teu tempo, mas tá difícil.
-- Exagero. Eu apenas exijo dos profissionais o que eles podem me dar, além do mais nunca gostei daquele cliente, apenas perdi a paciência. Não é como se fosse impossível conviver comigo nos últimos dias.
-- Não Ash, está ruim pra você lidar com pessoas nos últimos dias. Você não está no seu normal, tudo bem que às vezes você é um limãozinho, impaciente, irritadinha, mas nunca grosseira. – detesto esse olhar de sabe tudo – Esta acontecendo alguma coisa e algo grande pra afetar até o teu humor comigo, com todos.
-- Nem eu mesma entendo o que tá acontecendo comigo, é uma confusão e por mais que eu pense não consigo compreender. Anne me beijou naquela noite que eu a levei pra minha casa.
-- E?
-- Eu não sei, ela me pegou de surpresa. No início eu correspondi, mas depois bateu um medo e acabei a deixando plantada na minha sala. Quando voltei, ela já havia ido embora. Eu tentei todos esses dias, focar no trabalho e esquecer esse beijo, mas tudo me faz lembrar ela e eu não queria isso pra mim. Droga!
-- Bom. Eu não gosto de te dar conselhos sentimentais, até porque você nunca os leva em conta, mas acredito que você deveria procurar essa garota, ficar longe dela não está te fazendo bem, pelo contrário. Percebi que você gosta dela já há algum tempo e não adianta negar, nunca te vi tão encantada com alguém antes. Quantas das tuas ficantes você já levou pra sequer tomar uma água na tua casa? Quando soube que ela ia passar a noite lá meu queixo deu um triplo mortal carpado, tô procurando ele até hoje.
--Deixa de ficar remoendo essa história de nossos pais, é a vida deles, isso não significa que com uma de nós duas a mesma situação deve se repetir. E se por acaso acontecer, paciência! Nossa mãe é a maior prova de que ninguém morre por amor não correspondido. Mesmo que a gente tenha sofrido junto com ela durante a separação dos dois, foi ela que sentiu na pele e isso não a impediu de tentar novamente e ser feliz, ela nem guarda mais mágoa dele. Decepções fazem parte da vida, esquece essa história, não permita que ela te impeça de buscar a felicidade. Se algo acontecer eu vou estar sempre aqui, pronta pra te apoiar.
Saí do restaurante com a cabeça mais cheia do que entrei, sempre soube que Anne era diferente de todas as garotas que conheci, ainda assim me esforçava para manter o nosso envolvimento no campo da amizade porque dessa forma ficaríamos a salvo, nada poderia nos distanciar. Mas então ela me beijou e meu mundo virou de cabeça pra baixo. Na verdade ela se tornou meu mundo. Meu sofá, café, vinho, massas, os lugares onde nós nos encontrávamos para almoçar, dançar, passeios. Não podia nem cogitar uma modelo ruiva no estúdio ou meu trabalho não fluía, porque eu só conseguia enxergar aquela ruiva que estava me enlouquecendo. Mesmo com tudo isso fervilhando na minha cabeça, não a procurei, não tive coragem.
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-- É inacreditável essa sua apatia dos últimos dias, Ash. Cadê aquele furacão que dominava as noites de sexta-feira? Hoje é a despedida de solteiro do teu melhor amigo e você aí largadona no sofá, fazendo cara de nada? Não mesmo, levanta daí por livre e espontânea vontade ou eu te levo amarrada! – amo a forma como as “mulheres da minha vida” adoram invadir meu espaço pessoal – Se eu pego essa pão com molho que abduziu a minha amiga e colocou uma samambaia no lugar, vou encher de porr*da. Te dou dez minutos pra botar uma roupa que preste e dar um jeito nesse cabelo.
Liz, a sutileza em pessoa, é uma das quatro mulheres da minha vida, junto com mamãe, Hanna e Henrique, as pessoas mais importantes da minha existência e meus fieis escudeiros. Liz aparentemente é cheia de marra, mas é a pessoa mais superprotetora e carinhosa do mundo. Nos conhecemos na academia que Hanna e eu passamos a frequentar assim que abrimos o estúdio. Henrique nosso personal, ficou sabendo que necessitávamos de uma assistente/recepcionista e nos indicou Liz que havia recém saído de casa e precisava de emprego. Simpatizamos logo de cara e o entrosamento no trabalho foi quase instantâneo. Rique e Liz são amigos desde a adolescência, se conheceram na escola, dois membros de famílias renomadas na cidade do interior onde moravam, saíram de casa cedo para viver sua liberdade. Ele viveu no armário a vida quase toda. Assumindo um relacionamento apenas quando se apaixonou pelo gerente da academia onde trabalha. Ela, apenas a filha rebelde de um aspirante a prefeito de moral ilibada, que entre quatro paredes é um homem violento com a esposa e opressor com as filhas. Da família de Rique sabemos um pouco, pois até antes de assumir namoro com Kadú, mantinha contato com a família. Já Liz não gosta de tocar no assunto.
Saímos da casa às 22 horas, Liz e eu fomos de taxi, pois encontraríamos Hanna e João na portaria, Rique já estava lá com amigos dele e também de Kadu, alguns eram conhecidos nossos da academia. Depois de cumprimentar os pombinhos e seguindo a atual filosofia de vida de Liz, “vamo beber porque amar tá difícil!”, fomos ao bar pegar algumas bebidas e em seguida para pista de dança, não havia quem ficasse desanimado do lado daquela maluquinha. Sempre brinco dizendo que ela consegue animar até congresso de lesma. Depois de algumas doses de tequila, já estava mais solta e menos desinibida na pista de dança.
-- E todas aquelas passadas de mão ali na pista? Se você não fosse hétero ia desconfiar das tuas intenções com minha irmãzinha dona Liz – Hanna sempre pegando no pé da nossa amiga por minha causa.
-- Ih, essa daí nem com macumba, bebeu café da cueca lá daquele professor cafajeste – falou Rique abraçando Liz – mas admito que vocês estavam muito gostosas naquela coreografia, só não tomaram a atenção da pista toda pra si porque tem outras duas gatas arrasando e essas com um bônus a mais, porque o clima esquentou faz tempo.
-- Qual é bicha traidora? Que negócio é esse de olhar pra outras mulheres, se é pra trocar de lado tem que ser com a gente que tá há muito tempo esperando esse milagre acontecer. Vamos voltar pra pista amor, que nós não entramos em disputa pra perder. – falei rindo e segurando Liz pela mão – Me mostra onde estão essas lambisgóias que nós vamos mostrar pra elas quem mand... – paralisei, Anne estava vindo em nossa direção junto a uma loira estonteante.
Pela minha expressão, creio que Hanna, Liz e Rique perceberam imediatamente de quem se tratava. De repente o ambiente me pareceu claustrofóbico e eu precisava sair dali. Já havia pensado na possibilidade de encontrar a ruiva, em como reagiria, mas não imaginei vê-la com outra garota. Para piorar de vez quando volto descubro que a periguete oxigenada, também conhecida como loira exuberante, que estava devorando a minha ruiva com os olhos, se chamava Marina e era convidada dos meninos.
Quando me uni ao grupo, que já havia sido apresentado às duas mulheres, saudei Marina com dois beijinhos e Anne me cumprimentou em um tom frio, provocando um desconforto percebido pelas meninas. Entendo que ela tenha ficado chateada naquele dia em minha casa, mas fiquei mal com a sua reação. Num determinado momento ela pediu licença e foi ao banheiro, demorei segundos para decidir segui-la até lá e tentar desfazer essa situação. Quando cheguei ela estava em frente à pia encarando o espelho.
-- Que sorte cair justamente no teu grupo de amigos.- reconheci ironia nos seus olhos.
-- Tem tanta coisa que a gente precisa conversar...
-- Desnecessário, entendi tudo depois daquele vácuo. Pode ficar tranquila que eu não vou mais forçar a barra pra ter tua amizade ou qualquer outra coisa e despreocupada porque não vou deixar ninguém saber que um dia chegamos a ser amigas, acredito que você não pretenda que eles saibam, afinal nunca se dignou a me apresentar a algum deles.
-- Anne...
A ruiva se retirou sem me dar chance de diálogo, nunca a vi brava desse jeito.
Fiquei no banheiro um tempo e quando saí Anne e sua acompanhante já não estavam. A festa pra mim perdeu a graça com a possibilidade da minha ruiva terminando a noite nos braços daquela mulher.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
lia-andrade
Em: 08/01/2017
Uau! Que estória maravilhosa. Estou adorando.. Ansiosa para o próximo.
Bjos, parabéns!!
Resposta do autor:
Obrigada Lia, espero continuar lhe agradando. Valeu pelo comentário.
patty-321
Em: 08/01/2017
Sem dúvidas a Ash agiu muito mal em sumir sem explicação dá vida dá Anne, ainda mais q a ruiva tem um histórico de abandono por parte do familia.foda. eu teria agido dá mesma maneira. Não tem coisa pior q a indiferença. Bjs
Resposta do autor: Exato Patty, a covardia de Ashley calou fundo em Anne. Agora que provou a indiferença dá ruiva, quem sabe ela tome alguma atitude. Obrigada pelo comentário.
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