Capítulo 30
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 30
-- DANIELA!!!
Uma voz estridente ecoou pelo jardim e a arrancou daquele pensamento. O coração estremeceu como louco dentro do peito. Em meio à nuvem negra de tristeza que envolvia o seu coração, Daniela sentiu que algo valeria a pena.
-- Dani!!!
Daniela virou o rosto em direção da voz. Os olhos se encheram de lágrimas e ela abaixou a cabeça apertando os olhos. Passou a mão para afastar as gotinhas salgadas. Não choraria. Tinha de se manter firme e fria. Ficou nervosa e emocionada ao reconhecê-lo.
Matias deu alguns passos e parou.
-- Ei menina -- Matias a chamou receoso achando que Daniela fosse rude com ele.
-- Quer me matar de susto seu maluco? -- a loira repetiu a mesma frase de quando se conheceram.
-- O que você está fazendo sentada aí? -- perguntou entrando na brincadeira.
-- Não falo com estranhos -- disse, olhando séria para ele.
-- Não sou estranho, sou o Matias -- disse sufocado com as lágrimas que caiam dos olhos enquanto dava mais alguns passos.
-- NÃO!!! -- Daniela berrou e Matias se assustou.
-- O que foi? -- perguntou angustiado.
-- Não encosta na cerca. Ela dá choque.
Matias gargalhou.
-- O que foi? -- Daniela se levantou -- Você não acredita?
-- Quem falou isso pra você?
-- Meu pai que falou.
-- Seu pai é um mentiroso.
-- É não!
-- É sim. Ele mentiu pra você - levantou a mão fingindo tocar em uma cerca imaginária -- Viu como ele é mentiroso?
-- Nooossa... -- Daniela fez o mesmo gesto -- Como você descobriu isso?
-- Se ela desse choque meu pai teria me falado.
-- Quem é o seu pai? -- perguntou e voltou a sentar-se.
-- É o Luiz Vargas -- ele disse sem um pingo de emoção na voz.
-- Seu pai é um assassino.
-- Foi seu pai quem disse isso?
-- Foi -- Daniela deu um sorriso triste -- Eu tenho pão, quer um pedaço?
-- Pão com o que? -- Matias perguntou.
-- Pão com banha -- passou a língua pelos lábios -- Uma delicia!
-- Arghhh! Que nojo! -- passou a mão pela boca e sorriu.
-- Não é nojo, não. Você já comeu?
Matias ficou em silêncio por alguns instantes, examinando o rosto de Daniela.
-- Já comi sim. Faz muitos anos, mas já comi. Eu tenho pão com Nutella, você já comeu?
-- Já comi sim. Faz muitos anos, mas já comi -- virou o rosto em direção ao sol e suspirou fundo -- Sabe Matias, meu pai não mentiu. Aquela cerca realmente dava choque.
-- Hoje eu entendo o que o seu pai queria dizer com isso -- ergueu a mão para passá-la pelo rosto molhado -- Ele queria tão somente proteger a sua família da maldade dos Vargas.
-- E você não teve medo de passar pela cerca.
-- Nada no mundo me impediria de chegar até você. Sabe por quê? Por que você era a minha melhor amiga, mas mais que isso. A pessoa que me conhecia melhor que qualquer outra. Que me fazia melhor. Na verdade você não me fazia melhor, eu me tornava uma pessoa melhor com você. Porque você era a minha inspiração. Quando os nossos olhos se cruzaram, eu senti que já a conhecia, apesar de nunca a ter visto antes. Era como se nos conhecêssemos desde há muito tempo, desde outra vida... Eu te carreguei comigo sempre, Dani -- chorou desconsoladamente até os olhos incharem. Levou a mão à boca para conter um soluço.
-- Um pedaço de mim se perdeu quando você partiu -- confessou Daniela. Havia pensado muito em Matias nesses últimos anos, mas isso ele não precisava saber.
-- Eu achei que você estivesse me odiando.
-- Eu nunca consegui lhe odiar Matias. Não conseguia explicar por que, nem encontrar uma justificação lógica, mas sabia que você fazia parte de mim e que estava intrinsecamente ligada a você. Acho que os Vargas ainda tem jeito, afinal somos três Vargas bons.
-- Três? -- perguntou Matias.
-- Eu, você e o bebê da Yasmin -- disse sorrindo.
Matias balançou a cabeça, os olhos brilhantes de felicidade.
-- Esse mano babão aqui merece ou não merece um abraço? -- abriu os braços largamente para recebe-la -- Vem princesa!
Daniela balançou a cabeça num gesto que fez os sedosos cabelos loiros rolarem pelos ombros.
-- Tá bom seu chato, mas não baba em mim.
Daniela caiu nos braços dele, enterrou a cabeça em seu peito e fechou os olhos. Ele a abraçou apertado, antes de afastar-se e beijar-lhe a testa. Então olhou para ela e disse: -- Caio Fernando Abreu tinha razão quando dizia: "Não se preocupe, não tenha pressa. O que é seu encontrará um caminho para chegar até você. Deus não demora, ele capricha!".
Roberta segurou a mão de Débora com carinho. Sua mente se voltou para Pedro, o homem que provavelmente tivera participação nesse terrível acidente. Sua sobrinha estava entre a vida e a morte no hospital e Luiz morto. Sentia-se também um pouco responsável, chegava até a sentir parte da dor que Débora sentia. Um sentimento de impunidade tomava conta dela. Sabia que se não lutasse duro, mais uma vez os Vargas sairiam sem pagar por seus crimes.
-- Não posso permitir isso -- Roberta não conseguia evitar o tremor de sua voz.
-- Roberta! -- Yasmin a chamou -- Vamos! O médico pediu para que saíssemos.
-- Eu devia ter protegido ela -- falou angustiada.
-- Para com isso Roberta. O acidente não foi culpa sua, portanto, não fale mais nisso. É um milagre que ela esteja viva, portanto vamos agradecer a Deus e pedir que ela se recupere logo.
-- Você tem razão -- deu um sorriso fraco.
As palavras de Yasmin serviram para tranquilizar um pouco o coração perturbado da veterinária, mas o sentimento de culpa ainda estava presente.
-- A Dani e o Matias finalmente se encontraram -- falou empolgada -- É tão bom ver as duas pessoas que mais amo nesse mundo, se tratando com carinho, compreensão e amizade.
-- Pensei que quando eles se encontrassem, a Daniela daria a maior surra nele -- deu uma risadinha -- A Dani realmente mudou.
-- Ela não é boba. Percebeu que o Matias ao contrário dos irmãos é uma pessoa boa.
-- Como pode dois irmãos educados da mesma forma podem ser tão diferentes?
-- A psicologia é muito clara nesse sentido, ela explica que a personalidade de cada um vai ser desenvolvida não só a partir da educação que os pais lhe dão em casa, mas também se desenvolve através dos meios de comunicação, dos grupos em que se insere, sejam o grupo de colegas na escola, os vizinhos, enfim do meio em que ele vive. E como cada irmão pode ter uma diferente predisposição para "aprender", ou diferentes níveis de atenção, mesmo que sejam gémeos, que tenham sido educados em conjunto, essas diferenças poderão existir.
-- Dentro de três horas, a cerimônia será encerrada e então você poderá retornar para a mansão para descansar -- ele estendeu o braço e cobriu a mão da mãe com a sua.
-- Acho bom mesmo. Não estou mais suportando tantas condolências -- Anita falou indiferente, com olhar frio, junto ao caixão -- levantou-se da cadeira e foi sentar-se na poltrona próxima a janela.
-- Isso mesmo mãe, descanse -- Pedro colocou a mão no bolso do seu elegante terno italiano e sorriu satisfeito -- Enquanto eu... Só preciso esperar pelos papéis, pela burocracia, antes de assumir a presidência da Vargas.
-- Não deixar você se despedir do próprio irmão, foi algo desumano -- disse Yasmin com mau humor, e dirigiu-se para a saída do hospital.
-- Não me surpreendo com mais nada, minha linda. Você conheceu de perto a forma como eles me tratavam -- Matias sentou-se no banco duro de concreto, antes que caísse -- Nunca fui aceito naquela família por causa do meu jeito de ser. Sempre me trataram como um Zé ninguém, um anormal. Minhas ideias, minha opinião nunca foram ouvidas por ninguém. Desisti de lutar contra eles, faz tempo.
Daniela viu a expressão dura no rosto bonito do irmão, e percebeu que ele chorava.
Ela queria ajuda-lo, mas, todavia ainda estava em choque por descobrir que era o fruto de uma traição covarde da sua mãe ao seu querido pai.
-- Você não tem que se sentir inferiorizado por ser quem é -- Daniela sentou-se ao lado dele no banco -- Você é um deles sim, melhor que eles, mas é um deles. Eles não podem proibir a sua entrada no velório. Onde está o meu celular?
-- Está aqui amor -- Yasmin estendeu o aparelho para ela.
-- Obrigada, amor -- ela então alcançou o celular -- Vou ligar para a Bianca.
-- Não precisa Dani -- falou Matias segurando o braço da irmã -- Ela e o Vinicius estão lá fora.
-- Melhor ainda -- Daniela com carinho, segurou uma das mãos de Yasmin e levou-a até um canto mais afastado -- Quero que você volte para a fazenda com o seu Zé.
-- Ahhh... Não! -- reclamou Yasmin, amuada, num gesto tão infantil que Daniela riu.
-- Ahhh... Sim! -- sussurrou, com os lábios sobre os dela -- Você nem deveria estar aqui. Havíamos combinado permanecermos escondidas até você ter o bebê. Esqueceu? -- perguntou-lhe enquanto Yasmin afundava seu rosto em seus cabelos loiros.
-- Mas foi por uma boa causa. Eu precisava vê-la.
-- Eu entendo meu amor, mas agora é mais prudente que volte. Algo me diz que o Pedro não vai nos deixar em paz -- Daniela piscou para Yasmin, sorriu e retirou uma mecha de cabelo que teimava em caiar sobre o rosto dela.
-- O que você vai fazer Dani?
-- Vou ao funeral do meu irmão -- disse Daniela, decidida como nunca -- Ele não prestava, mas era o meu irmão e o Matias gostava dele, fazer o que né?
-- Esta é minha garota -- Yasmin colocou o dedo no peito da loira -- Promete que vai se cuidar. O Pedro e a Anita estarão lá.
-- Tô nem aí pra eles -- parou de falar e olhou para ela, sorrindo, mostrando as covinhas -- Esqueceu que eu sou uma Vargas também? Ficará tudo bem -- acariciou sua bochecha -- Vá com o seu Zé e me espere.
-- Está bem! -- Yasmin falou suavemente. Acariciou o rosto e o braço dela depois saiu procurar o senhor Zé.
Durante o trajeto, Matias tentou reprimir o sentimento de pânico que lhe invadia. Olhou para as ruas movimentadas, para as pessoas que andavam de um lado para o outro cuidando de seus afazeres. Luiz estava morto, se fora para sempre.
Matias tinha ciência de que essa era a primeira vez em anos que enfrentaria o irmão de igual para igual. Tinha ao seu lado a irmã e os amigos e isso seria o diferencial.
Roberta parou o carro no sinaleiro e ficou batucando com os dedos no volante.
-- Atravessar a rua com muita gente durante o sinal vermelho dá uma sensação de espirito de equipe: ou todos morrem ou ninguém morre.
-- Quanta besteira, Bianca -- Roberta balançou a cabeça e entrou em uma rua a esquerda -- Chegamos! -- anunciou estacionando o carro no pátio da capela -- O que faremos agora?
-- É! O que faremos? -- perguntou Matias -- Estou vendo que vou levar outra surra.
-- Para de ser urubulino cara. Eu e a Bianca já temos tudo planejado aqui na nossa cachola.
-- É isso aí. Enquanto vocês se borram de medo, eu e a Dani já criamos o plano a, b e o c.
-- Poxa! Eu nunca fui bom em estratégias -- Matias confessou.
-- Dar descarga enquanto peida, só para ninguém ouvir. Essa estratégia fui eu quem inventei -- disse Bianca orgulhosa.
-- Eu e a Bianca vamos à frente, enquanto vocês aguardam o sinal para entrar -- Daniela agarrou o braço de Bianca e a puxou para fora do carro -- Vamos Bianca.
Os passos decididos das duas ecoaram no piso que ladeava o prédio. Atravessaram o jardim e chegaram até a capela.
Daniela ficou na ponta dos pés agarrou-se ao peitoril e espiou para dentro.
Em pé, parada ao lado do caixão, estava ela, a rainha do gelo em pessoa. A mulher que insistira em se manter agarrada à aparência de boa mãe estava de óculos escuros e cabeça baixa. Nada penetrava a parede de ferro que Anita construíra ao redor de seu coração. Tornara-se impenetrável desde a época de Canoinhas.
Pedro estava com ela, abraçando-a e apoiando o queixo sobre sua cabeça. Deu um meio sorriso e olhou para o relógio no pulso.
-- Adoraria arrancar a tapa, aquele sorrisinho idiota da cara do Pedro, mas considerando a ocasião, terei que esperar -- deu um tapinha bem-humorado no ombro de Bianca -- Vamos que temos pouco tempo até que levem o caixão.
Correram até os fundos e com extrema facilidade pularam a janela que dava para uma sala vazia.
-- Trouxe o bastão de fumaça? -- perguntou Daniela abaixada atrás da porta.
-- Lógico! Está aqui na mochila -- Bianca retirou dois bastões da mochila. Entregou um para Daniela e ficou com o outro.
-- Beleza. Agora vamos acender e botar todo mundo pra correr -- deixou a porta aberta, indicou o caminho a Bianca pelo curto corredor. O saguão onde estava ocorrendo a cerimonia era espaçoso e decorado de forma ostentosa.
-- Ser pobre não é desonra, mas ser rico e bem melhor, né Dani? Até o velório é ostentação.
-- Quando eu morrer e me converter num ser de luz, vou voltar e eletrocutar todos que derramarem lágrimas falsas.
-- Bem que eu saiba -- Bianca sussurrou, enquanto os olhos brilhavam de humor.
Daniela acendeu o bastão e abriu a porta.
-- Deus! Como tem gente aí dentro -- Bianca se endireitou quando sua amiga abriu a porta.
Primeiro a luz banhou a sala com um brilho quente, depois uma fumaça branca tomou conta do espaço.
-- Socorro! Incêndio! Corram todos!
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Fim do capítulo
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Lea
Em: 17/04/2021
Essa Anita e o Pedro são seres desprezíveis!!
Dani e Bianca são duas doidas!!
Acho que não tenho "coração",pq não consigo sentir "química" entre a Yasmin e a Dani; não consegui captar sentimentos entre elas principalmente na hora do sexo! Mas ainda tem muitos capítulos pela frente,acho que até o final acho essa essência!!
Vandinha amo a suas histórias, apreciando uma após a outra!!
cidinhamanu
Em: 22/11/2016
Bom dia Vandinha, espero que esteja tudo bem com você!!
Estou aqui mais uma vez para me deliciar com mais uma linda história sua amiga...
É MUITO... MUITO... MUITO... MUITO BOM !!
Uma história que começa bagunçada, como toda vida adulta,mas com tanto amor, tenho que dizer-lhes que tem sofrimento sim como toda história de amor, eu vou sofrer, brigar, vou querer matar certos personagens, mas depois que passar o sofrimento, eu vou me ver quase literalmente em um arco íris...kkkk
A autora é um amorzinho e faz cada sofrimento valer a pena, se vocês não gostam muito de drama assim como eu não se preocupem que aqui tudo se resolve rápido, as coisas se ajeitam e você vai amar mais ainda.
Parabéns, um texto magnífico que fala de esperança, amor, caridade e humildade!
Foi emocionante o reencontro como amigos e mais emocionante ainda sabendo que são irmãos, ai foi tudo de bom, foi lindo!
Dani e Bianca quando estão juntas não tem para ninguém e agora com a chegada do Matias isso vai ser labarada pura.
Se preparem Anita e Pedro, pois o que é de vcs estão guardado...
Espero que esse capanga não consiga pegar a Yasmim e tirar a atenção das meninas que é acabar com esses Vargas do mal.
Torcendo pela recuperação de Debóra, pois a Dani já sofreu demais e não merece também perder a irmã depois de tanto tempo longe uma da outra.
Bjus e até o próximo, tenha uma ótima semana...
Cidinha.
Resposta do autor:
Que fofa! Muito obrigada por suas palavras. Fico imensamente feliz por dedicar seu tempo para comentar.
Continue me deixando feliz. Beijão querida. Até.
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Mille
Em: 21/11/2016
Olá Vandinha, começar a semana com capítulo é show.
Foi bom o reencontro dos dois, pensei que ela iria guardar mágoa do Matias, mais acho que ela viu no olhar do Matias quando ele foi tentar salvar que não existia maldade que oa Viegas tem no sangue. E acho que a pessoa deixa de contaminar se quiser todos sabemos o caminho do bem e mal e cada um deles nos trás consequência. Anita plantou em Pedro e Luiz o ódio e a ganância e pelo poder eliminar quem estiver em seu caminho. O Luiz encontrou em Lara no amor que sentia por ela para mudar, infelizmente Pedro só será parado quando a casa cair e se por ventura a morte vier, mais seria justo ele pagar em vida. E a atitude de uma mãe quando perde um filho é mais doloroso do que esse teatro dessa víbora.
Dani e Bianca vai colocar todos para correr, já estou mim segurando na gargalhada que vou dar. essas duas quando estão juntas não tem para ninguém e agora com o Matias junto aí pronto ficou uma trinca danada de boa.
Bjus e até o próximo, uma ótima semana
Resposta do autor:
Olá Mille.
Obrigada por comentar, minha querida.
Continue comigo. Beijos.
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Teresa
Em: 21/11/2016
Ai que lindo o encontro entre irmãos eu to emocionada. Dani e Matias <3
kkk ri muito como eles vão botar todo mundo pra correr kkk acho bem, eles tem direito de dar a última homenagem ao irmão.
Resposta do autor:
Olá Tereza.
E pode ter certeza que eles vão se despedir do irmão.
Beijão querida. Até.
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