Se Ana Júlia estava estressada às 9 horas da manhã de uma simples segunda feira ela podia colocar toda a culpa disso em sua melhor amiga; com toda certeza do mundo que podia. Tudo porque Jasmine resolveu não deixar Fernanda ir à redação naquela manhã, mas afinal, o que responder pra sua chefe quando ela te liga, às 8:30, avisando para cancelar suas reuniões porque não apareceria o dia todo? A resposta é nada, ou apenas um ‘ok dona Fernanda, pode deixar que faço isso’. O problema é que Fernanda tinha 3 reuniões marcadas, e isso apenas na parte da manhã!!!

Em resumo Ana Júlia estava ficando louca com o volume de trabalho já que, além de cancelar os compromissos de sua chefe (que não eram nada tão importantes, mas envolviam agentes e empresários de modelos chatos e irritantes) ela ainda tinha que fazer todo o seu serviço comum junto de tudo o que Fernanda deveria ser a responsável por fazer. Isso porque a revista não poderia parar, elas tinham uma edição digital para lançar em breve e algumas matérias do volume físico precisavam de revisão imediata antes de irem pra gráfica. Entre textos e imagens Ana Júlia perdeu toda a sua manhã e metade de seu horário de almoço. Só esperava que Jas estivesse tendo um ótimo dia porque ela iria infernizar a amiga por semanas depois disso.

Acabou não saindo para almoçar, pediu que alguém lhe trouxesse algo e comeu em sua sala mesmo enquanto revisava duas matérias pequenas que seriam incluídas na edição digital. Mal havia terminado seu ‘almoço’ quando Karla entrou em sua sala depois de dar duas batidas na porta. Ana Júlia desviou o olhar do computador e encarou a amiga e colega enquanto ela apenas parava com apenas o rosto e parte do ombro dentro de sua sala.

- Tem uma mulher aqui querendo falar com a Dona Fernanda – avisou ela.

- Como assim uma mulher? – perguntou Ana Júlia já ficando confusa e fazendo um som de irritação quando pensou que teria mais um problema, dessa vez inesperado, para resolver – Fernanda não tinha nada marcado pra essa hora. Porque simplesmente não disse que ela não está?

- Porque a mulher não parece ser qualquer pessoa – respondeu Karla dando de ombros e afastando uma mecha ruiva que lhe caiu sobre os olhos – Vai que eu dispenso a moça e era algo importante. Achei melhor chamar você antes.

- Tá bom – suspirou Ana Júlia já se sentindo cansada com as perspectivas ruins sobre mais serviço caindo sobre si – Manda ela entrar, eu descubro quem é e se posso fazer algo.

Nem um minuto depois Karla tornou a bater na porta e, depois de Ana Júlia dizer que poderiam entrar uma mulher adentrou a sala dela carregando uma pasta de couro preta nas mãos. Ela era morena com cabelos pretos e levemente ondulados chegando até a um palmo abaixo dos ombros. Sua pele branca, tão branca que o pensamento de que se ela ficasse apenas um pouco de tempo sob sol forte ficaria vermelha percorreu a mente Ana Júlia. Tinha um rosto anguloso com traços marcantes e olhos verdes cristalinos, mesmo que os saltos a deixassem ainda mais alta era possível notar que a morena era bem mais alta do que ela. Ana Júlia chegou a pensar que ela não deveria ter mais do que 25 anos. Ela tinha na, verdade, 177cm de altura (chegando a mais ou menos 185 com os saltos) e 29 anos de idade.

- Boa tarde – disse ela com uma voz grave enquanto se aproximava da mesa, sua pronuncia carregada de um sotaque que não foi completamente identificado.

Estava vestida com um terno cinza, a calça social marcando levemente as coxas e o blazer aberto mostrando uma camisa social preta que destacava ainda mais a pele branca. Ana Júlia se levantou e estendeu a mão para apertar a mão que a mulher lhe estendia num cumprimento formal. A garota sentiu sua respiração ficar presa quando a encarou de perto por conta da intensidade do olhar que a mulher lhe lançava. Os olhos verdes intensos e extremamente chamativos sendo destacados por uma maquiagem leve.

- Boa tarde – respondeu a assistente voltando a respirar quando a morena desviou o olhar de si para deixar a pasta em uma das cadeiras a frente de sua mesa – Eu sou Ana Júlia, assistente da Dona Fernanda. Sente-se por favor.

- Thank you – disse a morena com um pequeno sorriso nos lábios cobertos por um batom claro.

“Americana claro”, pensou Ana Júlia reconhecendo o sotaque por já ter tratado com algumas modelos norte-americanas e inglesas durante os anos de serviço na Actuallites.

- Karla me informou que veio a procura da Dona Fernanda, correto? – perguntou Ana Júlia e a mulher apenas concordou com um aceno da cabeça – Infelizmente ela não virá para a redação hoje. Entretanto, eu devo perguntar de que se trata, já que sua visita não estava agendada.

- Sinto por isso – falou a mulher se ajeitando na cadeira e cruzando as pernas – Pietro deveria ter avisado que eu viria hoje.

- A senhora é amiga do senhor Sampaio ou da Dona Fernanda? Eu nunca a vi aqui – perguntou Ana Júlia curiosa.

- Oh, I’m sorry – disse a morena arregalando os olhos e depois voltando a falar em português com um sotaque ainda mais carregado – Que indelicada eu sou. Não me apresentei ainda. Chamo-me Alexya Amaral Woods, a nova sócia do escritório do Pietro. Fernanda já estava ciente de que eu estaria assumindo um dos casos dele e eu optei por me responsabilizar pelo processo contra certo fotógrafo. Achei que seria melhor começar trabalhando com alguém que já conheço. Mas respondendo suas perguntas – ela soltou outro meio sorriso, como se estivesse se divertindo com alguma coisa – Sou uma velha amiga dos dois sim, nos conhecemos há muitos anos, apesar de Fernanda e eu nunca termos sido realmente próximas.

- Se me permite – começou Ana Júlia se sentindo intrometida, mas sem conseguir segurar sua curiosidade – A senhora não é do Brasil, certo?

- O que me entregou? – perguntou ela com um sorriso maior e divertido que fez Ana Júlia baixar o olhar, mas sorrir também – Minha mãe era brasileira; melhor amiga da mãe de Pietro. Entretanto eu realmente nasci nos Estados Unidos. Sempre passei férias no Brasil, e aprendi o português desde cedo, mas costumo misturar os dois idiomas quando fico distraída. Eu vim morar aqui para cuidar das propriedades que recebi como herança, além de que não queria mais ficar no meu país, eu já não tinha família nenhuma por lá.

- Compreendo – respondeu Ana Júlia desconfortável com a quantidade de informação e com sua indelicadeza em se intrometer nisso – Mas então a senhora veio hoje por conta do senhor Sampaio?

- Não sou velha o bastante para ser chamada de senhora – falou ela com um discreto sorriso – Não há necessidade dessa formalidade.  Mas sim, Pietro me falou para vir conversar com Fernanda, eu trouxe algumas atualizações do caso – falou ela pegando a pasta e a abrindo puxando de lá alguns papéis – I knew it – murmurou ela depois de ler algumas coisas – A senhorita é uma das testemunhas correto, Senhorita Guimarães?

- Presumo mesmo que seja – Ana Júlia sorriu com a expressão de concentração da morena para pronunciar corretamente seu sobrenome – Sou uma das poucas pessoas que presenciou a cena que gerou o processo.

- Bom, eu precisava informar melhor Fernanda hoje sobre o fato do fotógrafo estar alegando quebra de contrato e cobrando a multa contratual prevista – falou a advogada calmamente ainda analisando seus papéis e depois voltando a guarda-los – Será que Fernanda chega ainda hoje? Eu realmente não tenho outros compromissos além desse, se ela for vir ainda eu posso esperar.

- Acho difícil – Ana Júlia respondeu bufando com certa irritação ao se lembrar da quantidade de trabalho que ainda teria pela ausência de sua chefe – Ela avisou que não viria pela manhã, não chegou a dizer nada sobre aparecer a tarde, mas eu apostaria meu emprego que Dona Fernanda não aparece por aqui hoje. Mas posso agendar sua visita pra amanhã se a senhora – Ana Júlia se interrompeu e quase riu ao ver uma sobrancelha da mulher a sua frente se erguer por tê-la chamado novamente de senhora – Se você estiver disponível – corrigiu-se ela com um sorriso que foi correspondido por outro.

- Infelizmente amanhã eu estarei ocupada, cheguei a poucos dias e ainda não consegui organizar todas as minhas coisas, mas seria perfeito se pudesse me arrumar algumas horas com Fernanda na quarta ou quinta feira – falou a morena sorrindo e apoiando as mãos no joelho da perna que estava por cima.

Ana Júlia sorriu de volta e pegou a agenda de Fernanda que estava sobre sua mesa já indo diretamente para a data sugerida pela advogada e rabiscando algo. Na verdade ela apenas retirou uma das reuniões com agentes que ela tinha remarcado para o final da manhã de Fernanda e agendou a visita da advogada no mesmo horário deixando uma indicação para se lembrar de remarcar novamente a outra reunião.

- Pronto – disse ela fechando a agenda e voltando a encarar os olhos verdes – Na quarta pela manhã, após as 9:30, Dona Fernanda está livre para recebe-la. Se quiser deixar algum documento com ela eu providencio para que seja a primeira coisa que ela veja quando chegar amanhã.

- Isso será muito prático – sorriu a morena voltando a mexer na pasta e retirando de lá um grupo de papéis dentro de um envelope que estendeu à Ana Júlia – Se ela puder ler as páginas que estão marcadas em verde vai ter noção do que estamos enfrentando e do que Pietro e eu fizemos e pretendemos daqui em diante.

- Vou deixar sobre a mesa dela – informou Ana Júlia pegando o envelope e colocando-o à sua frente.

- Bom, então acho que nos veremos na quarta de novo, certo? – perguntou Alexya sorrindo e se levantando trazendo a pasta na mão esquerda.

- Muito provavelmente – respondeu Ana Júlia sorrindo de volta e se levantando também, ela deu a volta na mesa enquanto a morena andava até estar atrás da cadeira em que esteve sentada – Foi um prazer – disse ela estendendo a mão para a advogada.

Quando a assistente saiu de trás de sua mesa Alexya se permitiu analisa-la discretamente. Notou a saia na altura do joelho que não marcava em nada o corpo da mulher, mas que lhe dava um ar juvenil; a forma como a camisa de seda estampada com cores claras lhe caia bem sobre os ombros e se perdia dentro da saia; como nem com os saltos baixos que usava ela conseguiria ser mais alta do que ela sem os seus; que a mulher andava de forma segura e calma com a postura quem sabia o que estava fazendo e o fazia da melhor forma possível. A advogada não precisou de mais do que segundos para vagar seu olhar por ela para notar tudo isso, tanto que esses olhares passaram despercebidos para a outra.

- O prazer foi todo meu – ela respondeu com um sorriso dando um passo mais para perto de Ana Júlia e segurando a mão da mesma entre a sua – Obrigada pela agradável conversa – ela concluiu aumentando um pouco o sorriso e encarando os olhos de Ana Júlia de forma direta.

Ana Júlia não entendeu porque aqueles olhos verdes quase a paralisaram, mas soube que aquele era o olhar mais intenso que já havia caído sobre si em toda sua vida. Nada se comparava com a intensidade daqueles olhos verdes que pareciam ter um brilho diferente. Só notou que tinha segurado uma respiração quando Alexya soltou sua mão e o ar escapou por seu nariz novamente. A morena se virou e começou a andar até a porta.

- Eu lhe acompanho até o elevador – disse Ana Júlia se adiantando para abrir a porta e deixando a advogada passar primeiro.

- Seria muita gentileza da sua parte – observou a morena com um sorriso antes de sair da sala.

Ana Júlia quase não se moveu a tempo depois de sentir o perfume que a mulher deixou após passar em sua frente, era suave, uma fragrância floral que não chegava a ser doce, mas não deixava de ser intensa. A assistente não conseguiu identificar que cheiro era aquele, apenas teve consciência de que era o melhor perfume que já havia sentido em toda sua vida. Elas andaram juntas até o elevador e, depois de estar dentro do mesmo, Alexya acenou com a cabeça para Ana Júlia logo antes das portas se fecharem.

- Senhor Jesus – surgiu Karla ao lado de Ana Júlia fazendo a assistente se virar para encarar a amiga – Quem era a modelo??

- Não era modelo nenhuma Karla – falou Ana Júlia rindo baixo – Ela é a nova sócia do senhor Sampaio, e vai cuidar dos casos da nossa chefinha contra o fotógrafo babaca.

- Aquele mulherão é advogada??? – perguntou Karla surpresa – Podia ser modelo sem problema nenhum.

- Sim, é advogada – concordou Ana Júlia, mas preferiu não pronunciar sua opção de que ela realmente parecia muito mais uma modelo.

- Ai Deus, se eu tivesse dinheiro aprontava alguma coisa só pra contratar ela pra me defender – comentou Karla enquanto seguia Ana Júlia de volta para a sala dela.

- Que isso Karla? – perguntou ela rindo da amiga, mas sentindo um pequeno incômodo com aquele comentário – Anda atirada hein?

- Ai amiga, mas Dona Fernanda tem sorte mesmo – resmungou a ruiva fazendo uma expressão emburrada e colocando uma pasta de papel em cima da mesa de Ana Júlia enquanto a outra ia para sua cadeira – Primeiro Pietro Sampaio, agora a advogada bonitona. Se a chefinha fosse bi, que nem eu, pode apostar que ela já tinha aproveitado e muito as reuniões com esses advogados.

- Você não presta – declarou Ana Júlia rindo alto da amiga – Agora vai trabalhar que eu tenho mais o que fazer além de aturar a sua carência.

Karla foi mesmo, mas Ana Júlia não deixou de pensar que ela tinha razão. Alexya Amaral Woods era uma daquelas mulheres perfeitas; porque, além de incrivelmente linda, ainda era inteligente. E ela apostaria que era muito inteligente porque conhecia Pietro Sampaio o suficiente para saber que o homem só aceitaria uma sociedade se a outra parte fosse incrivelmente profissional e boa no serviço. Se deixou pensar pela ultima vez que a advogada era mesmo surpreendentemente mais parecida com uma modelo de tão linda antes de voltar a se concentrar eu seu serviço, que não era pouco. 

Fim do capítulo