Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 20

 

 

Vinícius abanava Matias com uma revista. O rapaz estava jogado em uma cadeira branco como papel.

-- Ela é louca? -- perguntou para Vinícius.

-- Ela é a tia da Daniela.

Matias desmaiou.

-- Ele está fingindo -- Roberta apontou quase encostando o dedo na cara dele.

-- Matias é assim mesmo -- Lavínia abraçou Roberta -- Por favor, acredite em mim. Matias é um cara legal.

-- Impossível -- Roberta estava irredutível -- Naquela família só tem assassinos, inclusive a mãe.

-- Eu não sou assassino -- Matias sussurrou e voltou a desmaiar.

 

 

No hospital, Yasmin tentava falar com Daniela.

-- Atende Dani! Atende, por favor -- e mais uma vez caiu na caixa de mensagem.

-- Tenta outra pessoa Yasmin, antes que seu cunhado volte -- a enfermeira esfregava as mãos de forma nervosa.

-- Vou enviar uma mensagem para o meu outro cunhado.

-- Ele é confiável?

-- Sim. O Matito é um amor de pessoa e está sempre do meu lado -- digitou a mensagem:

"Matito. Estou no hospital. Onde você está?" -- enviou a mensagem com algumas carinhas desesperadas e aguardou resposta -- Por favor, responda Matito -- ficou olhando ansiosa para o visor do celular.

Ouviram a batida na porta, e em seguida a cabeça de Luiz surgiu na porta.

-- Posso entrar?

Yasmin escondeu o celular embaixo do travesseiro, fechou os olhos deslizando o corpo até ficar deitada.

-- Não tenho nada para falar com você -- falou sem abrir os olhos.

-- Mas eu tenho -- Luiz entrou e logo o médico também entrou -- Aliás, o doutor Petrônio é quem tem -- falou com um sorriso estranho nos lábios.

-- Sei que talvez esse não seja o melhor momento Yasmin, mas enfim -- o suspense irritou Yasmin.

-- Fala logo doutor, não estou com muito saco para conversinhas -- explodiu.

-- Parabéns Yasmin, você está grávida -- falou sem demonstrar qualquer tipo de emoção -- E pela quantidade de hormônio, digo que você está com dois meses de gestação, mas o seu ginecologista é quem vai confirmar isso.

Yasmin sentiu as lágrimas rolarem e quis gritar. Por tanto tempo desejou ter um filho, mas diante de tudo o que estava acontecendo havia desistido dos planos maternais. Nesse momento não queria um filho, muito menos um filho de Pedro.

 

 

Pedro ria sozinho enquanto olhava para o seu celular. Era um sorriso vitorioso de quem via tudo correr a seu favor.

-- Que família feliz que seremos. Não é mesmo Yasmin? -- deu uma gargalhada -- Você dará a luz ao meu filho e ficaremos juntos. Nem que eu tenha que te amarrar e te forçar a ficar comigo.

Ouviu a campainha tocar e franziu a testa. Caminhou até a cozinha e pegou o interfone.

-- Sou eu doutor. Liguei para avisar que a garota está subindo -- o porteiro falou em tom baixo.

-- Ótimo -- Pedro desligou o interfone tirou a arma de sua cintura e apontou em direção a porta -- Agora pode vir Daniela.

 

 

Matias abriu um olho e espiou.

-- A Mônica dentuça e brigona já foi?

-- Ela foi levar a Lavínia até a empresa -- disse Vinícius.

-- Então vamos dar no pé daqui antes que ela volte -- levantou-se.

-- Você não vai fazer isso Matito -- Vinícius segurou o namorado pelo braço -- Você não vai fugir novamente -- o rapaz sentou-se em uma cadeira e cruzou as pernas -- Chega amor! Desculpe-me, mas eu não vou deixar você voltar para casa sem saber onde essa Daniela está.

Matias também se sentou. Sabia que Vinícius estava com a razão. Fugir agora seria condenar-se a viver pelo resto da vida com esse peso nos ombros.

-- Você está certo. Fugir não me levaria a lugar algum. Eu tenho que virar essa página da minha vida. Vamos esperar a Roberta Ronda Rousey e acabar logo com isso -- levou a mão ao bolso e pegou o celular -- Não sei como ela não quebrou... -- Matias empalideceu ao ler a mensagem de Yasmin -- Vinícius do céu! Precisamos voltar urgentemente para São Paulo.

 

 

Com a ajuda do porteiro Daniela invadiu o apartamento pela porta de entrada da empregada. Foi andando lentamente pelo corredor, e sem fazer barulho, chegou à sala. A garota engoliu a saliva com dificuldade quando se deu conta de que o homem que a aguardava estava com a arma em punho pronto para atirar.

Tirou a garrucha da cintura e encostou o cano gelado na nuca do homem. Sentia-se o próprio pirata Jack Sparrow com aquela arma antiga na mão.

-- Ora, ora, ora... Esperando por mim meu caro Hector Barbossa Barba Negra?

Pedro levou um susto tão grande que chegou a dar um salto para trás. Levantou as mãos para o alto permanecendo de costas.

-- Como entrou sua sem vergonha? -- esbravejou.

-- Olha o respeito -- Daniela apertou ainda mais o cano contra a pele clara de Pedro, deixando uma marca circular vermelha -- Entrei pela porta de serviço.

-- Abaixa essa arma. Vamos conversar -- Pedro tentou se virar, mas Daniela o impediu.

-- Fica quietinho aí. Agora larga a arma no chão! -- ordenou.

Pedro colocou a arma no chão e voltou a levantar as mãos.

-- Como você descobriu que a mensagem não era da Yasmin?

-- Você tem muito que aprender sobre as mulheres, senhor Hector Barbossa Barba Negra. As mulheres são neuróticas, detalhistas e muito, muito desconfiadas. As mensagens de Yasmin sempre vêm acompanhadas, de no mínimo uns cincos emojis carinha de coração, mais uns dois coraçãozinhos e para finalizar, um emoji mandando um beijo com coração. Yasmin nunca enviaria uma mensagem tão curta e grossa.

Pedro suspirou pesadamente, depois de forçar a mente tentando lembrar-se de como eram as mensagens que Yasmin lhe enviava.

-- O resto da história você conhece muito bem. É só ter uma graninha pra molhar a mão do cara certo, que tudo fica bem mais fácil.

-- Vamos conversar Daniela -- disse em um tom de voz mais moderado agora -- Não sei se você sabe, mas Yasmin é a minha esposa. Ponha-se no meu lugar. Eu a amo demais! Tudo o que me importa é ela.

Daniela fitou incerta as costas dele. Ele soou tão verdadeiro, tão convincente, tão apaixonado que Daniela baixou a garrucha.

-- Pode baixar os braços e se virar -- falou sentindo-se a destruidora de lares.

Pedro se virou lentamente e quando os olhos verdes de Daniela captaram a imagem do homem loiro de olhar frio e impaciente, incríveis olhos verdes, tão verdes quanto os dela, teve a impressão de estar diante do próprio demônio. Foi como se um raio a tivesse atingido. Levantou a arma e mirou para a testa dele.

Pedro arregalou os olhos e tentou se afastar.

-- O que diabo está fazendo? Ficou doida? -- ele a olhou assustado.  

-- Estando aqui, agora, frente a frente com você, me fez ver o quanto eu lhe odeio. O quanto odeio sua família.

-- Quem é você? -- os olhos de Pedro estudavam-na minuciosamente -- Pare com isso -- gritou tentando se aproximar.

-- Dê um passo e eu acabo com sua vida -- os olhos de Daniela estavam carregados de cólera.

-- Você não ousaria -- ele disse em voz alta.

-- Duvide -- seus olhos brilhavam com raiva enquanto ela apertava a arma em sua mão.

Pedro ficou em silêncio, olhando pra ela, pensando sem entender.

-- Quem é você? -- perguntou mais uma vez.

-- Hummm... Menino feio, não fez a lição de casa -- Daniela falou com ironia --Deveria ter se preocupado em saber por onde andavam as filhas de Daniel Pauly.

Pedro sentiu suas pernas fraquejarem e se esforçou para manter a calma.

-- Dé... bo...ra? -- gaguejou.

-- Não! Eu sou a Daniela.

-- A fedelhazinha? -- riu alto -- Quem diria que aquela coisinha, um dia viria querer roubar a minha mulher? Ridículo!

-- Investiguei cada um de vocês. Passado e presente. Você e sua família realizaram o sonho de transformar a Vargas S.A em um negócio multibilionário. Mas apesar do sucesso de vocês, as pessoas os odeiam. Vocês são cruéis e frios.

-- Aonde exatamente você quer chegar Daniela Pauly?

-- Cada um de vocês terá aquilo que merece -- Daniela continuava a apontar a velha arma para Pedro.

-- Está planejando vingar-se? -- Pedro perguntou.

-- Isso mesmo. Eu vou dar o troco. É uma questão de justiça -- sua voz soou ameaçadora.

-- Você não vai me matar Daniela -- falou sorrindo de leve.

-- Porque não mataria Pedro?

-- Porque você ama Yasmin, e não mataria o pai do filho dela.

Daniela ficou sem chão. Deixou cair os braços, num gesto de desânimo. Cabisbaixa e como se carregasse todos os problemas do mundo em seu peito, sentou-se no sofá com a cabeça nas mãos.

-- Acabei de receber a noticia. Meu irmão Luiz me ligou -- sorriu -- Yasmin é daquele tipo de mulher que é uma santinha fora do quarto, mas é uma diabinha em baixo dos lençóis -- falou de forma cruel sabendo que aquelas palavras seriam como facadas no abdômen da garota.

Daniela guardou sua arma, se levantou e caminhou em direção à saída. Sem olhar para Pedro falou:

-- A guerra está declarada senhor Vargas. Você e sua família não perdem por esperar.

-- Daniela! -- Pedro a chamou e ela se virou -- Essa arma velha funciona?

-- Não sei -- apontou a garrucha para a cabeça dele -- Mas podemos descobrir.

-- NÃO!!! -- cobriu a cabeça com as mãos e encolheu-se no sofá.

Daniela saiu do apartamento, arrasada. Tudo parecia um pesadelo. A mulher que amava era esposa do homem que odiava e além de tudo ainda estava gravida dele.

-- Que sofrência meu Deus!

 

 

Lavínia respirou fundo antes de entrar no prédio. Não fazia a menor ideia do que a aguardava. Olhou no relógio, conferiu a hora e entrou. Assim que adentrou a recepção encontrou Clara esperando-a.

-- Boa tarde dona Lavínia! Queira me acompanhar, por favor -- a simpática moça pediu.

A farmacêutica deixou-se ser guiada através do longo corredor. Vários pescoços e olhos curiosos se viravam em sua direção enquanto ela passava.

-- Enfim chegamos -- Clara abriu a porta -- Estão todos lhe aguardando para a reunião.

-- Obrigada Clara.

A sala era ampla e espaçosa. Um homem elegantemente vestido estava sentado na ponta da longa mesa de mogno, com o tampo de vidro. Assim que a viu se levantou sorridente.

-- Boa tarde Lavínia -- estendeu a mão -- Haviam me falado que você é linda, mas eu não imaginava o quanto -- falou beijando as costas da mão dela, galanteador -- Me chamo Lauro. Estou a sua disposição, qualquer coisa que precisar é só pedir para mim.

-- Obrigada Lauro. Com certeza vou precisar.

Lavínia analisou o homem de queixo anguloso e quadrado, como sendo um caipira bruto, completamente desconfortável dentro daquela roupa, lutando para parecer um cavalheiro.  Com certeza era um funcionário antigo dos Vargas ao qual retribuíam com aquele cargo toda a fidelidade do passado.

 

 

-- Aiiiiii... -- Matias chocou-se diante do espelho do banheiro. A marca de cor levemente roxeada no pescoço quase o fez desmaiar novamente -- Deveria denunciar aquela grossa.

-- Deixa isso pra lá. Não esqueça que Yasmin está precisando de nós -- falou Vinicius.

-- Enviei umas dez mensagens para aquele número de celular e até agora nada -- caminhava nervosamente pelo quarto com o celular na mão -- O pior é que teremos que ir até Joinville de carro, para de lá pegarmos um voo para São Paulo.

-- Vamos esperar a Lavínia, talvez ela nos dê uma ideia melhor.

-- Você tem razão Vini. O problema é que ela provavelmente vai vir com a Tartaruga Ninja.

 

 

Daniela sentou na moto lentamente com os capacetes na mão. Brenda se aproximou dela com o olhar preocupado.

-- Então? Era o que pensávamos? -- perguntou a senhora.

-- Era. O marido dela estava me esperando com uma arma na mão.

-- Jesus amado! -- fez o sinal da cruz -- Se meter com mulher casada só pode dar nisso.

-- Eu não sabia... E mesmo que soubesse...

-- Teria se metido do mesmo jeito -- Brenda completou -- O que vamos fazer?

-- A senhora falou: vamos? -- Daniela perguntou com um sorrisinho nos lábios.

-- Claro! "Eu não nasci de susto. Portanto não sou assustado. Não entro numa briga. Querendo me divertir. Dou um boi pra não entrar. E uma tropa pra não sair" -- cantou animada.

-- Tá certo -- uma onda de tristeza a invadiu quando pensou em Yasmin -- Ela está grávida, Brenda.

-- Minha nossa! Fudeu!

-- Eu sinto tanto a falta dela. Eu estou brava com ela. Yasmin não deveria ter mentido para mim. Estou tão brava que quase a odeio, mas eu a amo demais. Mais do que qualquer outra coisa.

-- Precisamos de um plano -- Brenda colocou o capacete e subiu na garupa -- Talvez ela também lhe ame e não saiba como abandonar o idiota.

-- Eu até posso a perdoar, se ela disser que me ama, mas ela é casada com um Vargas e carrega consigo o herdeiro da família -- colocou o capacete e ligou a moto -- Eles são poderosos. Não sei se posso contra eles.

-- Seu celular está tocando Dani -- Brenda falou agarrando-se a cintura da garota.

-- Acho que vou namorar uma dessas garotas do serviço de cobranças. Porque eita gente que nunca me esquece. É de dia, de noite, não tem hora.

-- Vamos embora. A essas alturas o Zé já percebeu que nós tiramos uma arma da coleção dele da parede.

 

 

Lauro continuava jogando todo o charme que imaginava ter, para cima de Lavínia.

-- Trabalho para os Vargas desde garoto.

-- Foi o que imaginei -- resmungou Lavínia.

-- Então, sou de confiança. Conheço cada canto dessa empresa como a palma de minha mão -- fazia gestos exagerados -- O seu Luiz...

Lavínia não suportava mais. O homem falava sem parar.

-- Você vai me levar até o laboratório?

-- Claro. Sabia que esse é o maior laboratório da América Latina e um dos maiores do mundo?

-- Sabia.

-- Quanto orgulho de trabalharmos para uma empresa como essa. Não é mesmo?

-- Verdade. Sou muito... -- Lavínia parou diante de uma porta enorme. O barulho que vinha lá de dentro chamou a atenção da farmacêutica -- Latidos? Estou ouvindo bem? São cachorros?

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo