Capítulo 33

Brasil - dias atuais. 

 

Victoria bebia café e lia atentamente algo em seu celular. Escutou abrirem a porta e não demorou para Érika aparecer na cozinha. A jovem sorriu para a loira. 

 

-- Bom dia, Érika - disse simpática. 

 

-- Bom dia, Vick - Érika falou pegando uma xícara e colocando café - Luiza, cadê? 

 

-- Plantão - disse fazendo careta.

 

-- Hmmm... É gostoso. 

 

-- Plantão? - perguntou surpresa. 

 

-- Sim. 

 

-- Você e a Lu são iguais, nunca vi. 

 

-- Vai pro hospital agora? 

 

-- Sim, daqui a pouco... Só acabando de tomar meu café. 

 

Vick observou a prima. Érika estava com uma cara de ressaca terrível. Havia virado a noite na farra. 

 

-- O que foi? - a loira percebeu que estava sendo observada.

 

-- Nada - Desviou o olhar. 

 

Érika bebeu todo o café. Vick ainda estava lendo. 

 

-- Deixa eu ir tomar banho e deitar um pouco - falou se levantando - Amanhã é meu dia no hospital. 

 

-- Nem me lembre... O pior é que eu gosto. 

 

-- Nós temos que gostar Victoria - disse se afastando e caminhando em direção ao quarto. 

 

Vick não demorou e logo teve que ir para o hospital. Ainda era apenas uma residente. 

 

Victoria estava especializando-se em cirurgia pediatra. Havia acabado de se formar e tudo ainda era um tanto novo para a jovem menina. Assim como suas primas, Vick entrou na faculdade com seus recém completos 16 anos. Era uma moça inteligente e muito dedicada. Estava aprendendo tudo e com uma certa facilidade. Ela tinha fascínio pela medicina. Ainda mais a pediatra. Victoria foi morar com as primas, um ano depois delas já estarem na faculdade. Tudo era bem tranquilo entre as três. Durante todos esses anos, a jovem teve poucos relacionamentos, para não dizer, inexistentes. Era completamente reservada, as primas não faziam muitas perguntas e nem os pais e isso a deixava bem mais relaxada. Odiava ter que responder certas coisas. 

 

Érika também era médica. Uma neurocirurgiã, assim como a prima. Era muito dedicada ao seu trabalho. Todos a achavam uma médica exemplar, apesar de sua pouca idade. Se Victoria era reservada em relação a vida pessoal, o que dizer então de Érika? Em seus dias de folgas a jovem loirinha sumia e ninguém sabia para onde ela se metia. Érika era reservada demais. Apesar de tudo que tinha vivido em sua infância e adolescência, a loira não guardava mágoas de ninguém do seu passado, guardar esse tipo de sentimentos apenas a deixava pior. Sua única família era Felipe, seu irmão, o único que se salvava dentro da casa onde havia sido criada. Claro que tinha suas primas e tios e eles sempre fariam parte de sua família. Érika nutria um amor por Luiza, que era incondicional e inexplicável e que apesar de tantos anos nunca deixou de existir, mas a loira não tentou ter qualquer outro tipo de relação com a prima durante esses anos. Érika aprendeu a ser livre, saía com muitas mulheres lindas e interessantes, namorou algumas, mas nenhuma foi capaz de prendê-la completamente. A loira era conhecida em alguns lugares como a dama de gelo, pois todos conheciam o modo "doce" da jovem. Algumas mulheres tiveram seu coração partido pela jovem, que algumas poucos vezes até se sentiu um pouco mal por fazê-las sofrer, não era algo propositadamente, elas só esperavam muito de uma mulher que sempre dava pouco. Érika amava uma farra, aliás, havia acabado de chegar de uma, onde divertiu-se horrores e agora estava em seu quarto dormindo profundamente, no outro dia teria que trabalhar e fazia tudo aquilo com gosto. 

 

**************

 

Luiza tomava café tranquilamente sentada em uma mesa. Sentiu que alguém se aproximava, mas não se moveu. 

 

-- Oi doutora Luiza - Poliana cumprimentou a jovem. 

 

Luiza a encarou e sorriu simpática. 

 

-- Olá Poliana. 

 

-- Posso lhe fazer companhia? 

 

-- Claro. 

 

Poliana puxou uma cadeira e sentou-se em frente à Luiza. Pegou o sanduíche que trazia e comeu um pedaço, observava a médica atentamente. 

 

-- Até quando vai ficar aqui?

 

Luiza a encarou novamente. 

 

-- Umas duas horas estou indo, e você? 

 

-- Vou sair daqui a pouco, estou apenas esperando uma amiga - disse sorrindo - Cansada? 

 

-- Não muito, hoje até está tranquilo. 

 

-- Eu tô morta. Ser enfermeira não é nada fácil. 

 

-- Eu entendo perfeitamente. 

 

-- Cadê suas primas? - puxava assunto. 

 

-- Érika está de folga e Victoria daqui a pouco tá chegando. 

 

-- O Alan tem um grande interesse em sua prima, mas ela nunca da bola para ele.

 

-- A Vick ainda é nova e decidiu dedicar-se a medicina. Acho que ela não tem vontade de se envolver com ninguém no momento. 

 

-- Ela está certíssima. Tem que ter muita dedicação nessa profissão. 

 

-- Sim - Luiza sorriu. 

 

Poliana observou aquele sorriso perfeito. Aquelas covinhas lindas. Ficou encantada. 

 

-- Vim aqui te fazer um convite... Não aceito "não" como resposta. 

 

Luiza apertou os olhos desconfiada. 

 

-- Diga... 

 

-- Sábado é meu aniversário - falou animada - Gostaria muito que você fosse... Você e suas primas. Não é todos os dias que faço trinta anos né. 

 

-- Verdade - concordou sorrindo. 

 

-- Você vai? - perguntou ansiosa. 

 

-- Se eu não tiver plantão no dia... Sim, eu vou. 

 

Poliana abriu o mais lindo sorriso que tinha. Levantou-se, abraçou e beijou o rosto de Luiza. 

 

-- Vou te esperar! Agora preciso ir - disse se afastando. 

 

Luiza ficou observando a jovem se afastar. Sorriu e voltou a ler. 

 

Poliana não escondia o enorme interesse que tinha pela jovem residente. Desde que havia visto Luiza pela primeira vez, a enfermeira encantou-se por ela. Fazia de tudo para chamar a atenção da jovem. Luiza sempre era simpática e sorridente, sorriso que era a perdição de Poliana. A enfermeira ainda tinha dúvidas sobre a orientação de Luiza, mas a cada dia tinha mais certeza. A médica era uma pessoa muito reservada e não falava muito de sua vida pessoal e isso dificultava um pouco as coisas, mas Poliana não conseguia desistir da jovem. Sabia que Érika curtia mulheres, a encontrou uma vez em uma boate, agarrada em uma mulher, a loira a viu, mas não se importou, procurou Luiza pela festa, mas era óbvio que a jovem não estava por lá, esses lugares não combinavam com a jovem de olhar doce. 

 

Poliana tinha os olhos e cabelos castanhos, uma pele bronzeada e um sorriso encantador. Estava disposta a conquistar Ana Luiza. A achava tão perfeita com aquele jeitinho todo doce e sereno. Ficou feliz que a médica havia aceitado seu convite, finalmente iria conversar com ela, fora de seu ambiente de trabalho. 

 

Victoria tinha visto Luiza com Poliana, esperou a enfermeira se afastar para aproximar-se da prima.

 

-- Oi Lu - disse sorrindo. 

 

Luiza também sorriu encarando a prima. 

 

-- Oi Vick. 

 

-- O que a enfermeira bonitona queria com você? - perguntou se sentando na cadeira onde Poliana estava sentada antes. 

 

-- Veio me convidar para a festa de aniversário dela, aliás, convidou a todas nós. 

 

-- Hmmm... Sei... Puro interesse de ficar grudada em você - disse maliciosa. 

 

-- Vick...

 

-- Qual é, Luiza... Tá na cara que  Poliana arrasta um bonde por você. 

 

Luiza calou-se. Sabia que a prima estava certa. Já tinha percebido o interesse da enfermeira, mas nunca quis qualquer outra coisa com ela. 

 

-- Ela me parece uma moça tão legal... Você devia dar uma chance para ela - comentou Victoria. 

 

-- Não quero falar sobre isso - Luiza falou séria. 

 

Victoria respirou fundo e engoliu tudo que queria falar naquele momento. Levantou-se e encarou a prima. 

 

-- Até quando vai querer viver como uma viúva... Segue em frente, Luiza. 

 

Vick se foi, deixando Luiza pensativa. 

 

Ana Luiza nunca teve dificuldades em aprender coisas novas. Sua facilidade sempre deixou muitos surpresos, tinha uma inteligência fora do comum. Tudo que a ensinavam ela aprendia com uma rapidez impressionante, sem contar o que aprendia sozinha. Aluna brilhante em tudo que fazia. Luiza poderia ser uma cientista das mais capacitadas. Mas seu pensamento altruísta a levaram a querer ser médica, queria ajudar outras pessoas. Gostava de toda aquela adrenalina e da pressão que tudo aquilo significava, gostava acima de qualquer coisa de poder ajudar ao próximo. Toda sua inteligência foi usada para tentar sempre ser melhor, sempre dar o seu melhor, sempre com o pensamento de ser ainda melhor para os seus pacientes, sempre disposta a ajudá-los, com tudo que sabia e com tudo que a cada dia mais aprendia. Era neurocirurgiã e amava o que fazia. A complexidade do cérebro sempre a deixou intrigada, queria aprender tudo sobre ele, tudo que estivesse ao seu alcance. Ainda era muito nova para sua profissão, mas muitos já a consideravam uma médica brilhante.

 

Medicina, aliás, fazia parte daquela família. Letícia era cirurgiã geral, Victoria pediatra e Érika seguiu os passos de Luiza e também era neurocirurgiã. 

 

Luiza ao contrário de Rebecca, não ficou rebelde e revoltada. Apesar de tudo que Clark fez para separá-la da ruiva, ela nunca o odiou. Sempre foi uma menina tranquila. Depois que a ruiva foi embora, Luiza dedicou-se ao estudo. Quando passou no vestibular foi uma felicidade enorme. Ela e Érika foram morar juntas, Vick um ano depois, juntou-se as primas. 

 

Só que Luiza havia se tornado uma menina fechada. Nunca mais deixou qualquer outra garota se aproximar. Depois de três anos,  conseguiu ir à Nova York, queria falar com Rebecca, sentia-se profundamente mal por tudo que tinha feito. Sempre achou que talvez Rebecca a compreende-se, mas sabia o quanto isso era complicado. Não sabia nada da vida da ruiva depois de todo esse tempo. Esperou em frente à empresa da ruivinha e viu quando ela saiu acompanhada de uma mulher muito bonita. Luiza percebeu que as duas tinham alguma coisa, sentiu-se mal mas, não iria voltar atrás. A mulher entrou em uma carro e se foi. Rebecca continuou conversando com outra mulher, que anotava tudo que ela falava, parecia ser sua secretária. Luiza aproximou-se com passos incertos, mas desistiu quando viu que Clark se aproximava. No outro dia tentou falar novamente com a ruiva. Foi até o prédio onde ficava a empresa e pediu para falar com Rebecca. A ruiva dava ordens para não a importunarem com coisas sem importância. Luiza ficou esperando por muitas horas, estava nervosa. Quando a secretária falou que Luiza queria vê-la, Rebecca quase teve um treco, mas soube disfarçar dando ordens expressas para nunca mais deixá-la entrar ali. Luiza ficou triste, mas não tentou insistir. Dois dias depois voltou para o Brasil. 

 

Durante todos esses anos, sua única companhia foram os livros. Não conseguiu envolver-se com ninguém e não foi por falta de pretendentes. Luiza no fundo se sentia culpada. Vestiu um luto e tornou-se uma viúva, incapaz de se envolver com outro alguém. Ainda se sentia completamente presa a Rebecca e como prova de seu amor, não deixou que ninguém mais a tocasse depois da ruiva. Ganhou o apelido de viúva de suas primas que não se conformavam com a situação da jovem. Luiza ainda nutria alguma esperança de ter Rebecca novamente, não havia um único dia que não pensasse na garota e mesmo depois de saber que a ruiva seguiu sua vida, conhecendo novas pessoas, Luiza não conseguiu fazer o mesmo. Tantas foram as noites em que chorou sozinha, molhando seu travesseiro e pensando que nunca mais poderia tocar em Rebecca, que não mais poderia ter seu amor. O tempo amenizou a dor profunda que sentia em seu coração e Luiza pode finalmente voltar a sorrir. A jovem só queria ter a oportunidade de falar com Rebecca novamente e assim, poder seguir em frente e encontrar uma pessoa que a fizesse feliz, pois Luiza permanecia incompleta, apesar de toda sua vida profissional ser perfeita.

 

Percebeu o interesse de Poliana desde o início, mas não alimentou nenhuma esperança na moça. Luiza a achava divertida e simpática, muito bonita, mas nada além disso. Mas Poliana era uma mulher insistente e apesar dos muitos "não"  que levou de Ana Luiza, não havia desistido. A médica não se incomodava com a insistência da jovem, até porque não era uma coisa tão descarada assim. 

 

Luiza voltou para casa depois que seu plantão acabou. Quando chegou avistou Érika sentada no sofá, assistindo algo na TV. A loira sorriu para prima e Luiza aproximou-se sentando ao seu lado. 

 

-- Tudo bem? - perguntou preocupada. 

 

A loira a encarou e sorriu. 

 

-- Sim, só um pouquinho cansada. E você? 

 

-- Digo mesmo, Estou cansada, mas amo isso - Luiza disse serena. 

 

-- E aí, alguma novidade naquele hospital? - perguntou com os olhos fixos na televisão. 

 

--  Não... Esse plantão foi bem tranquilo... Só a Poliana que nos convidou para a festa de aniversário dela. 

 

Érika a encarou rapidamente. 

 

-- O que você disse? - voltou a olhar a TV. 

 

-- Que se a gente não estivesse ocupada, poderíamos ir sim - disse tranquilamente. 

 

-- Hmmm... Quando é? 

 

-- Sábado! 

 

-- A Poliana é guerreira hein... Não desiste nunca - disse debochada. 

 

-- Ah para... Ela só quis ser simpática. 

 

-- Simpática... - irônica - Você sabe que ela morre de amores por você, Ana Luiza... Nem vem se fazer de sonsa. 

 

-- Não estou me fazendo de sonsa, Érika. 

 

-- Você deveria dar uma chance a ela.

 

-- Aff,  até você! 

 

-- Estou falando sério. A Poliana gosta de você, é uma boa pessoa... Você deveria ser permitir pelo menos uma vez. 

 

-- Não consigo - disse nervosa. 

 

-- Claro que consegue! Você apenas não quer! - Érika irritou-se. 

 

-- Você não sabe de nada, Érika! 

 

-- Sei de muita coisas sim, Luiza... Você ainda é jovem, não merece passar o resto de sua vida nesse luto constante. Olha pra você! Tão bonita... A Rebecca seguiu em frente Luiza! Até casada a garota é! Esqueça ela! Procure dá um rumo na sua vida. 

 

-- Não sei o que fazer -- confessou angustiada. 

 

-- Permita-se... Viva... Encontre alguém especial, Lu - a loira falou carinhosa segurando a mão da prima - Tenta pelo menos uma vez... 

 

-- Vou pensar sobre isso - disse se levantando  e seguindo para o quarto. 

 

Érika balançou a cabeça em negativa, sabia que Luiza não iria pensar em nada daquilo. Era surpreendente o quanto ela ainda sentia-se ligada à Rebecca. 

 

Luiza se trancou no quarto. Abriu seu guarda roupa, pegando uma caixinha a abriu retirando de lá um retrato da ruiva. Rebecca sorria e iluminava tudo em sua volta. Luiza apertou o retrato sobre o peito. 

 

-- Eu não consigo te esquecer... Se eu tentar é como se eu estivesse te traindo. Gostaria de te falar tantas coisas, meu amor... Queria tanto poder te tocar novamente... Queria você de volta... Não apenas em meus sonhos, mas aqui comigo... Eu te faria a mulher mais feliz do mundo... Eu te amo Rebecca... E como eu faço todos os dias durante todos esses anos... Volta pra mim, vem amor... Estarei te esperando... Com todo meu amor.... 

 

Luiza adormeceu segurando o retrato de Rebecca sobre o peito. 

 

 

 

Fim do capítulo