Por conta do episódio na sala de descanso Rafaela se popularizou rapidamente entre o quadro de funcionários e parte do corpo clínico também caiu nas graças da jovem e destemida médica de olhar intenso, e ela passou a recusar convites para sair. Rumores sobre sua preferência sexual também eram assunto em pauta nos corredores, uma vez que recusara convites dos solteiros mais cobiçados por ali, e Rafaela começou a ser alvo também de algumas mulheres.

Ela acompanhava a visita de alguns pacientes com Dr. Borges, quando o sobrinho do diretor entrou no quarto.

-Ahh você está aí...- o médico sorriu pra ele. – Eu queria lhe apresentar a Dra. Ferraz.

Rafaela sorriu vendo que o jovem quase engasgou quando respondeu.

- A gente já se conheceu tio.

Dr. Borges, apertou os olhos unindo as sobrancelhas e depois corrigiu o rapaz:

- Já disse pra não me chamar de tio aqui garoto.

O médico sentiu o rosto queimar na hora, e só conseguiu murmurar um ok quase inaudível, ao perceber que Rafaela se divertia com a situação constrangedora em que ele estava.  Eles encerraram a visita matinal, e se encaminharam para a sala do diretor.  Discutiam alguns casos clínicos quando a campainha do telefone tocou. Dr. Borges trocou algumas palavras no aparelho e encerrou a ligação rapidamente.

- Dra. Ferraz, eu vou ter que adiar nosso almoço, tenho alguns assuntos particulares para resolver, mas tenho certeza que Amim, vai adorar acompanhá-la. A noiva dele tem um Bistrô aqui perto e serve uma refeição maravilhosa.

Os jovens trocaram olhares surpresos. Rafaela tentou articular algo, mas não teve tempo de argumentar, pois Amim se prontificou rapidamente em acompanhá-la.

- Você não precisa fazer isso - ela disse quando se viram sozinhos.

Ele sorriu abusado e disse piscando:

- Vai ser um prazer Dra. Ferraz - e Rafaela revirou os olhos.

Ela estacionou a Suv, em frente do estabelecimento indicado pelo jovem médico, ainda contrariada. Realmente o destino era engraçado.  Nos últimos dois dias recusara convites para sair até com pessoas interessantes e francamente mesmo que estivesse desesperada por companhia ele não seria sua opção. 

Ainda de dentro do automóvel ela inclinou a cabeça para ler a placa “Dolce Vita” escrita nas cores caramelo, como se fossem mel escorrendo pelas letras, aquilo realmente dava um aspecto doce e delicado na fachada. O barulho da moto as costas de seu automóvel, indicava que sua companhia acabara de chegar. Ela suspirou desejando de todo coração não se arrepender de ter cedido a esse almoço.

O jovem doutor não parava de sorrir enquanto a conduzia para o interior do local. Ele solicitou que ela aguardasse um pouco e a deixou só no primeiro ambiente. Um sofá com almofadas em tons neutros e escuros estavam acomodadas pelo cômodo. Num canto solitário havia um vaso de barro retorcido, decorado com pedras e folhas secas. Várias esculturas de pessoas enfeitavam uma mesa de centro, Rafaela admirou as formas lindas e divertidas de algumas delas, mas o que mais lhe chamou a atenção foi a pintura da parede em técnica de carvão. A imagem de uma mulher nua, sentada em um banco, pernas cruzadas, olhando por uma janela com uma xícara de café na mão. Ela se posicionou ao lado da imagem e olhando na mesma direção da mulher, podia se ver a parede do outro ambiente onde pintado com a mesma técnica em tamanho natural, um homem de chapéu e roupas rústicas peneirava grãos de café, aquilo era de uma sensibilidade que poucos podiam captar, e Rafaela se viu sorrindo ao imaginar que a mesma mulher que tinha tão bom gosto para decorar aquele estabelecimento podia ser mesmo namorada daquele rapaz.

Estava de costas quando Amim voltou acompanhado de Beatriz. No momento em que elas trocaram o primeiro olhar, se reconheceram. O tempo pareceu parar, para que pudessem apreciar uma a outra e as palavras de apresentação se tornaram desnecessárias.

- Rafa!

- Bia!

Disseram quase simultaneamente. As pernas criaram vontade própria e a aproximação dos corpos se tornou natural, assim como o abraço que trocaram. Apertado. Saudoso. Perfeito. Mais que um encontro de corpos, onde uma podia perfeitamente sentir o coração da outra batendo num ritmo acelerado, suas almas se reconheceram e como numa magia louca de cores e sons de pássaros cantando, elas se sentiram transportadas para outra dimensão, e ficaram assim por um tempo, absortas da realidade.

Amim teve que bater nas costas de Bia, para que o momento mágico fosse interrompido. Afastaram-se, mas se mantiveram de mãos dadas.

- Hum... Humm – o médico limpou a garganta – Você já se conheciam?

- Sim – Beatriz murmurou entre lágrimas. Elas começaram a brotar de seus olhos de forma voluntária e ela se desculpou tentando enxugá-las. Nesse momento Amim aproveitou para aconchegá-la, aninhando-a em seu peito e a conexão entre as duas se quebrou. 

Rafaela permaneceu distraída o restante do almoço, falou pouco, quase não prestou atenção no que Amim dizia, com exceção de quando a história envolvia Beatriz. Bia por sua vez não pode acompanhá-los na refeição por ser horário de movimento intenso, mas sempre que podia parava alguns minutos na mesa para interagir com os dois.

Pâmela se desdobrava atendendo várias mesas na tentativa de dar mais tempo para as amigas, e caiu nas graças de Rafaela logo de cara, que observou sua dedicação.

A despedida se deu com a mesma emoção do reencontro. Foi difícil, para Rafaela deixar o abraço, era como se sua alma lhe dissesse que ali era o lugar perfeito para estar e um frio polar envolveu seu coração ao ligar o motor do carro e se afastar do local, deixando Bia para trás. 

Passou a fazer todas as refeições no Bistrô, embora pudesse realizá-las no hospital.  Uma dorzinha incômoda se instalou em seu peito, querendo cada vez mais de Bia. Um abraço a mais. Um beijo na bochecha a mais. Uma troca de olhar que fosse ou um sorriso cúmplice. Amim por sua vez, fazia marcação cerrada com a amiga e elas mal conseguiam trocar algumas frases na presença do libanês. Beatriz não era mais uma criança que cedia aos seus caprichos infantis, ela tinha vontades próprias e um noivo chato, e por mais que Rafaela não entendesse, a loira parecia plena e realizada com o médico a sua volta e a antipatia inicial entre eles começou a aumentar.

A presença de Beatriz passou a ser um martírio para ela. Do momento em que levantava até repousar a cabeça novamente no travesseiro, seus pensamentos eram invadidos pela imagem da amiga. Dormir já estava sendo um privilégio, pois só conseguia fechar os olhos quando o cansaço físico dominava totalmente seu corpo. Se iludira ao supor que seu encontro com o passado lhe traria a paz. Doce engano. Havia criado seu próprio tormento. Se antes a imagem de Bia era apenas uma boa lembrança, hoje ela era um sonho impossível, porque seus sorrisos, seu corpo e seus lábios já pertenciam à outra pessoa.

Fim do capítulo