Eu tinha os olhos fechados. Cabeça baixa. E ainda tinha aquele cheiro. Era um lugar ao qual, de certa forma eu já estava familiarizada. Com o ambiente, aquelas cores pálidas, com a maioria das pessoas que trabalhavam ali. Conhecia cada quadro pendurado nas paredes. Sabia como era organizado os horários, até quem mandava e desmandava. Me permiti voltar em alguns anos, a primeira vez que entrei naquele lugar.

Esperava no carro com meu pai minha mãe terminar o turno, já estava atrasada vinte minutos. Então, eu com toda aquela impaciência e curiosidade infantil, sai do automóvel correndo e adentrei o prédio. Lembro-me de que não tive uma boa impressão daquelas paredes brancas, daquele piso gelado, e principalmente daquele cheiro, mas não dei importância. Corri até um balcão, que mais para frente eu viria a entender que era a recepção, e perguntei para um homem que estava atrás dele por minha mãe. Eu não havia dado nomes, eu realmente tinha perguntado por “minha mãe”. O moço nem teve tempo de me responder porque no instante seguinte eu estava sendo agarrada por trás e recebendo cosquinhas de minha mãe.

- O que você está fazendo aqui dentro, hein mocinha? – Eu dei um sorriso travesso e banguela antes de responder.

- Tava demolando. Vim te busca, mamãe. – Levei minhas mãozinhas até seu rosto.

- Sabe que aqui não é lugar para crianças. – Me pegou no colo. Escondi meu rosto em seu peito e falei com a voz fraca.

- Mas eu tava com saudade, mamãe.

- Oh meu anjo. – Beijou meu rosto. – Nós já vamos para casa.

Ela me abraçou forte em seus braços, me passando segurança. Despediu-se de seus colegas e antes que saíssemos do prédio, encontramos meu pai que observava a cena de longe. Ele riu para mim, deu um selinho em mamãe e passou o braço pelos seus ombros, nos guiando assim até o carro.

Agora, olhando para todos os anos em que vivi em contato com o lugar, eu sabia que podia me habituar com tudo. Menos com uma coisa.

Aquele maldito cheiro de hospital.

E naquele momento, isso era uma das coisas que mais me incomodava enquanto eu aguardava sentada naquelas cadeiras desconfortáveis da sala de espera. Nem quando eu sofri o acidente de carro, aquilo havia me importunado tanto quanto agora.

Depois que vi Camila desmaiando, eu subi correndo as escadas. Segurei-a em meus braços e chamei por seu nome, mas ela não acordava. Então usando de uma calma que eu não tinha, mas sabia que era necessário para que eu pudesse fazer algo, eu me lembrei do que deveria fazer nessas situações. Fui até o quarto de meus pais e peguei a maleta de primeiros socorros de mamãe, e algumas almofadas. Voltei até Camila, coloquei duas almofadas em seus pés para que ficassem em um nível acima do coração. Abri a maleta e coloquei álcool em um pedaço de pano. Segurei seu rosto em meu colo e em uma distância razoável passei o pano perto de seu nariz. Aos poucos Camila fora recobrando os sentidos.

Levantei meu rosto e recostei minha cabeça na parede fria ao meu lado. Sempre achei aquele lugar mais frio do que qualquer outro. Assim que focalizei minha visão, eu vi dona Malika e Diana andando em minha direção. Ergui-me da cadeira e passei as mãos por minha blusa tentando tirar o amassado.

- O que aconteceu, Laura? – Malika perguntou preocupada.

Assim que chegamos ao hospital e Camila foi internada para que pudesse fazer exames, eu liguei para Diana e contei o que estava acontecendo.

- Eu não sei ao certo ainda, nós estávamos brincando lá em casa e Camila simplesmente desmaiou. Eu fiz o procedimento para acordá-la e mesmo após ela reclamava de dores. Achei melhor trazê-la ao hospital.

- Fez bem, querida. – Malika passou as mãos em meus ombros.

- Como ela está agora? – Diana perguntou.

- Na verdade eu não sei, ela está fazendo exames desde quando chegamos, até agora ninguém veio dar notícias.

- Que tipo de dores ela estava sentindo?

- Desconforto no peito e falta de ar basicamente.

- Eu vou ver se consigo mais alguma informação – Malika falou pedindo licença e indo até a recepção.

Sentei-me novamente na cadeira sendo acompanhada por Diana ao meu lado.

- Hey. – Ela começou. – Como você está?

Dei um suspiro antes de responder.

- Um pouco assustada. Tudo aconteceu muito rápido.

- Fique tranquila, não vai ser nada sério, você vai ver.

- Espero.

- Kate e Troy chegaram hoje de viagem. – Tentou me distrair.

- Devem estar cheios de novidades.

- Com certeza

- Meus pais chegam amanhã de noite.

Encostei minha cabeça na parede ao lado e soltei um suspiro cansado.

- Pode ser nada, certo? – Perguntei a Dih. – Quer dizer, nós estávamos correndo, brincando, pode ter sido apenas cansaço, não é?

- Fica tranquila, Laur. Vai ser nada demais. – Ela passou a mão por meus ombros, me dando um abraço de lado.

Dona Malika retornou alguns minutos depois.

- Ela já foi transferida para o quarto. Já podemos ir vê-la.

Me levantei de imediato, sendo acompanhada por Diana.

- Vai você e a Laur, mãe. Eu espero para entrar depois.

Eu estava tão ansiosa para ver Camila que nem pensei em discordar. Comecei a seguir Malika.

- Ela está no quarto 202. Acabou de sair dos exames. Logo o médico virá conversar sobre os resultados.

Apenas assenti com a cabeça, procurando pelos olhos o número 202 assim que entramos no corredor destinado aos quartos.

Malika abriu a porta e eu entrei em seguida. Camila tinha os olhos fechados, mas assim que ouviu o barulho abriu os olhos.

- Oh minha filha. – Malika se aproximou da cama. – Como você está se sentindo?

- Eu estou bem, tia. – Deu um meio sorriso, seu rosto aparentava o cansaço que estava sentindo. Assim que me viu, abriu um sorriso.

Aproximei da cama timidamente, peguei sua mão e beijei seu rosto. Ver Camila acalmou um pouco meu coração, mas eu ainda estava apreensiva.

- Você me deixou preocupada. – Falei suavemente.

- Não precisa ficar. – Ela levou sua mão até meu rosto e acariciou. – Eu estou bem, meu amor.

- De verdade? – Perguntei olhando em seus olhos. Ela sorriu para mim.

- De verdade.

- Laura me ligou e contou o que aconteceu, Mila. – Maika começou. – Isso já aconteceu antes?

- Foi a primeira vez. Não foi nada demais, acho que até foi exagero a Laura ter me trazido aqui.

- Sabe que não foi. – Falei um pouco incomodada por Camila não estar dando a devida atenção ao fato. – Você não estava se sentindo bem depois que te acordei do desmaio.

- Mas amor, eu bati com a cabeça no chão na hora, foi mais pelo tombo do que outra coisa.

- Não foi só isso, você ainda estava sentindo o desconforto no peito.

- Laura está certa, Camila. Fez bem em ter lhe trazido.

A porta foi aberta revelando a figura de uma mulher alta e negra de jaleco, com o cabelo em um rabo de cavalo, em seu pescoço um estetoscópio e na mão uma prancheta. Ela passava uma sensação de tranquilidade, o que me fez gostar dela logo de cara.

- Boa tarde. – Sorriu simpática.

Ela cumprimentou enquanto pegava uma caneta no bolso do jaleco. Nós respondemos o cumprimento.

- Meu nome é Violet e sou a médica que está com seu caso. – Ela fez uma pequena pausa. - Então, Camila, como está se sentindo? – Aproximou-se da cama.

- Estou bem, sem nenhuma dor a não ser na lateral da cabeça. Mas fora isso, não sinto nada.

- Muito bem, pode me dizer como aconteceu seu desmaio?

- Eu estava correndo, subi as escadas dessa forma e quando cheguei ao topo, me deu falta de ar e uma dor no peito, e bem... então desmaiei.

- Já aconteceu outras vezes? – Ela fez algumas anotações.

- Não, nunca.

- E essa dor, já sentiu antes?

- Também não.

- Mas ela vem tendo falta de ar faz algum tempo. – Falei. As três mulheres olharam para mim. – Se ela faz algum esforço, ou até mesmo algo simples, as vezes ela fica com falta de ar, e ultimamente sente um cansaço incomum, além de ficar sem ânimo em outras.

- Não é bem assim. – Camila me cortou.

- É assim sim, você tem se cansado muito rápido com coisa pouca. Já estamos aqui, não custa verificar.

- Você se cansa de forma fora do comum quando faz um grande esforço ou com coisas do dia a dia? – A médica perguntou. Camila suspirou antes de responder.

- Ultimamente tenho me sentido mais cansada do que antes, fazendo coisas simples que antes não me cansavam. – Olhei para Camz e ela sustentou um pouco o olhar antes de continuar. – E falta de fôlego, em alguns casos.

- Ok. Sente-se Camila, vou pedir para que respire fundo.

Camila se sentou e Violet tirou o estetoscópio do pescoço e levou até suas costas. Camila respirou fundo alguma vezes enquanto a médica ouvia calmamente. Com uma lanterninha pediu para Camz acompanhar com os olhos, fez algumas anotações em sua prancheta e Camila deitou-se novamente.

- Camila, os exames que fizemos já saíram os resultados. Pelo que pude observar não tem nada fora do normal. Aparentemente está tudo certo. Entretanto como você me relatou esses sintomas e o desmaio foi repentino e a primeira vista sem motivos, precisamos verificar toda e qualquer possibilidade do que o ocasionou.

Balancei a cabeça concordando com o que ela havia dito. Violet fez mais alguns esclarecimentos e perguntas. O tempo todo eu segurava a mão de Camila. Malika também tirou suas dúvidas e por fim, a médica informou que Camz permaneceria em observação até o dia seguinte e retirou-se do quarto.

Eu sentei na poltrona perto da cama e entrelacei nossos dedos, apoiando o rosto na borda enquanto Camz conversava com a tia. Sentia um grande alívio por saber que agora estava tudo bem, a médica havia garantido que nada estava fora do normal, certo?. Havia um aparelho na ponta do indicador que monitorava seus batimentos, em seu braço havia um fio para o soro. Camila estava com a aparência um pouco abatida, o que me fazia ter vontade de pegá-la no colo e levar para casa. Longe de qualquer problema, para que ficasse sobre minha proteção.

- Hey, não vou ganhar nenhum beijinho? – Camila perguntou com uma carinha de dar dó.

Levantei o olhar e percebi que estávamos apenas nós duas no quarto, estava perdida em pensamentos que não notei a movimentação. Malika provavelmente retornou para que Diana pudesse entrar.

- Claro, meu amor. – Sorri para ela.

Juntei nossos lábios em um beijo carinhoso. Nunca me cansava de beijá-la, era como se eu, na verdade, precisasse de seus beijos para que minha vida fizesse sentido. Eu era completamente dependente do amor de Camila. E tinha plena consciência disso. Ela entrelaçou sua mão em meus cabelos e fez um carinho. Finalizei com selinhos.

- Você pode ficar com um acompanhante no quarto, vou ficar com você, tudo bem?

- Claro que sim. Não quero que saia do meu lado. – Sorri para ela.

- Eu sempre vou estar ao seu lado, tenha certeza disso.

Escutei um barulho e me virei em direção a porta do quarto, esperando a figura de Diana aparecer. No entanto, não foi minha melhor amiga que adentrou ao ambiente. Sua figura estava sempre rodeada de um ar de imponência, apesar disso ela se aproximou timidamente, mantendo certa distância de mim e Camila. Eu estava mais do que surpresa e sabia que minha namorada também, de todas as pessoas que eu esperava, ela seria a última. Senti Camila apertar minha mão com mais força, retribui o gesto para lhe passar segurança. Seja o que fosse que iria acontecer, eu estaria ali.

- Olá, Camila! – A senhora Foster cumprimentou. Apesar de toda a pose de confiança, pude notar que seus olhos deixavam transparecer certo receio. Ela olhou em minha direção parecendo reparar em mim pela primeira vez. – Laura.

Fim do capítulo