Estou sentada em uma cadeira, em frente a tv. Estava absolutamente silencioso. O medo está desde as pontas dos meus dedos até o último fio de cabelo, uma música de terror surge e quando de repente um cara segurando uma faca aparece na minha frente, eu começo a gritar. Fico desesperada, mas a música de terror é substituída por outra...

 Meu brilho você quer,

 Meu perfume você quer,

Mas você não leva jeito.

Pra ter sucesso amor tem que fazer direito...

Abro os olhos e percebo que era apenas um sonho maluco.

- Eu hein!

      Levanto e desligo aquele alarme extremamente barulhento. Cássia, essa doida sempre trocava a música do meu alarme. Da outra vez foi perereca suicida. Mereço! Vou para o banheiro tentar despertar por completo com um banho gelado, pois essa preguiça que estou sentindo não irá passar com um banho quente.

Mais um dia na faculdade.

      Me visto, uma bermuda jeans desfiada, uma blusa regata cavada branca deixando minha tatuagem amostra, uma blusa xadrez vermelha amarrada no quadril e um all star vermelho, me olho no espelho. Olho ao meu redor. Fotos espalhadas, minhas memorias, meu mundo. Isso virou uma mania. Admirar tudo antes de sair como se fosse a última vez.

- Emi... – passei o dedo sobre aquela foto. 

Que saudade!

      Belém, uma manhã nublada. Meus pais são do Rio, mas vieram morar em Belém uns meses antes de eu nascer. Amo minha cidade, apesar de muitas pessoas acharem que aqui só existi índio. Estupidez, eu sei. Preconceito bobo de brasileiros com brasileiros. Vocês podem achar que estou exagerando, mas outro dia olhando o meu Facebook vi algo que me deixou bastante chateada. Uma foto de um grupo de indigenas sentados de frente para um notebook com uma legenda que dizia assim: “Olá galera do Pará, está começando mais um Jornal Nacional”. Aquilo me deixou deveras chateada. Ser índio ou descendente, morar na Amazônia não é vergonha nenhuma. Vergonha para mim e ter tanta gente que se acha melhor por morar nas demais cidades do Brasil. Pessoas ignorantes que precisam se informar melhor.

Enfim. Tô bem, tô bem!!

Vou para a cozinha tomar aquele café da manhã. Desço as escadas com a cabeça em outro lugar quando escuto um berro. O susto foi inevitável.

"Mas que droga!’’

      Corro para a cozinha, para ver o que esta acontecendo e dou de cara com a cena mais engraçada do mundo: minha irmã Nicole com a cara toda pintada tentando a todo custo passar batom em Paloma, minha outra irmã. Minha barriga chegou a doer de tanto que rir daquelas duas. Meus pais desceram assustados com tanto barulho, enquanto minhas irmãs se sujavam todas de maquiagem.

- O que esta acontecendo aqui? – perguntou meu pai sério, mas ao se deparar com o estado das minhas manas, não resistiu e começou a rir sendo acompanhado por minha mãe.

- Eu acordei assim papai e essa pentelha estava com a arma do crime na mão. – Minha irmã mal conseguia respirar de tão ofegante pelas falhas tentativas de sujar Paloma.

- Não fiz nada papai. – se defendeu Paloma. – Sou sonambula. – completou rindo.

- Vamos meninas, limpem essa bagunça e se arrumem. Vocês precisam estar daqui a pouco na escola e faculdade. – seu Henrique disse ainda sorrindo.

- Sim, pai. – disseram as duas em uníssono.

- Bom dia, pai e mãe. – disse ao sentar no banco perto do balcão.

- Bom dia, minha princesa. – disse meu pai me dando um beijo carinhoso no topo da cabeça.

- Bom dia, meu bebê. – respondeu minha mãe, me dando um abraço gostoso. Adorava aqueles mimos, menos quando meus amigos estavam por perto. Era zoação na certa.

- Cadê a Lili, mamãe? – perguntei por nossa chefe do lar. Era assim que eu chamava dona Liliana, trabalha há anos conosco.

- Dei folga filha. Ela precisa viver mais a vida. Trabalha muito.

- Isso é verdade. – meu pai disse todo carinhoso.

- Se deixar, ela nem volta pra casa. – mamãe completou entregando uma xícara ao meu pai. – Então dei folga pra todo mundo.

- Você é demais mamãe. – disse levantando e lhe dando um beijo no rosto. – Vou pra facul.

- Espera, Flávinha. – meu pai pediu e algo me dizia que ele estava aprontando. – Deixe suas irmãs descerem, sua mãe e eu queremos lhe dar algo.

- O que estão tramando? – perguntei desconfiada.

- Menina curiosa. – ele segurava meu queixo e deu uma piscadela marota – Espere.

- Mãe...

- Calma e aguarde. – ela respondeu toda misteriosa.

Minhas irmãs desceram ainda discutindo e como sempre escandalosas, sentaram no balcão ao meu lado e cada uma beijou um lado de meu rosto.

- Bom dia, maninha. – disseram juntas.

- Bom dia, manas. – sorri com o carinho.

      Estávamos sempre aprontando uma com a outra, zoando uma a outra. Unidas sempre. Era nosso lema, apesar das travessuras. Minha família sempre se esforçava ao máximo para não perder a cumplicidade, o carinho, a estrutura. Meu pai dizia que jamais deixaria sua família acabar como meu avô deixou acontecer com a dele. Meus pais eram incríveis e eu tenho orgulho de ser filha deles.

- Vamos meninas, temos uma surpresa para a irmã de vocês. – disse minha mãe já levantando e puxando junto meu pai.

      Fomos todos para a parte da frente de casa, minha mãe pois uma venda em meus olhos e meu pensamento trabalhava a tempo todo tentando imaginar o que poderia ser aquela bendita surpresa. De repente paramos e pude ouvir alguns sons vindos das minhas irmãs e minha curiosidade só aumentou.

- Vamos mamãe, pare de me torturar. – implorei.

Ela então foi tirando bem devagar a venda.

- Suuurpresa!!! – gritou ela e meu pai.

- Caramba! – foi só o que consegui dizer.

      Bem a minha frente havia o meu sonho de consumo, eu comecei então a gritar e abraçar os dois. Minhas irmãs piraram.

- É meu? De verdade? – perguntava ainda sem acreditar.

- Claro! Filha, este é o modelo e cor que você sempre quis. – disse meu pai todo dengoso.

- Você merece, Flávia. – disse Nicole.

- Seu carro, filha. – completou minha mãe.

      Desde sempre fui apaixonada por motos e carros, carros grandes sempre me fascinaram. Meus pais sabiam que eu queria um 4x4 vermelho e aquele era perfeito. Havia um laço enorme em cima.

- Obrigada! – abracei os dois. – Vocês são incríveis. – me emocionei de verdade.

- De nada. Você e suas irmãs só nos dão orgulho. – disse meu pai. – E isso não e nada comparado ao prazer de ser pai dessas moças lindas que Deus me deu.

- Oh pai, mãe... Eu amo vocês. – bom ouvir aquelas palavras de meu pai. Não sou uma perfeição de filha, mas também nunca dei trabalho a eles, pois vejo o quanto eles sempre dão tudo de si para serem pais presentes e amorosos apesar de trabalharem tanto.

- Quero um também papai. – Paloma disse toda animada.

- Quando você fizer 18 anos, ganhará o seu, minha filha. Falta bem pouco.

- Ebaaa! – ela dava pulinhos e todos riram do seu jeito moleca.

- Agora vamos que já estamos todos atrasados.

- Mana, me leva no seu carrão? Meus amigos vão pirar quando verem o quanto minha irmã e descolada. – não contive o riso.

- Ora, descolada. – resmungou Nick.

- Levo sim, pentelha. – dei mais um abraço e vários beijos em meus pais e então seguimos para nossos compromissos diários.

      Paloma ligou o som e na rádio tocava “Chandelier” e então começamos a cantar, parecíamos duas loucas dentro daquele carro. Chegamos à escola, Paloma se despediu e então segui para a faculdade. Cássia iria pirar quando visse meu carro. Estacionei e de longe vi ela se aproximar.

- Caraca!! Que carro foda. – ela olhava toda bobona.

- Foda mesmo. Meus pais são incríveis. – disse rindo da cara de retardada que Cássia fazia.

- Os tios mandaram bem.

- Vamos? Estamos atrasadas. – falei olhando às horas.

- Vamos sim. Flávia, teremos uma professora nova.

- De novo? – perguntei enquanto revirava minha mochila.

- Sim, a professora Sandra esta de licença maternidade.

- Hum... espero que a substituta não seja uma chata.

- Também espero.

Me distrair procurando o celular que nem me dei conta que iria trombar com alguém.

- Cuidado, Flávinha!

- Ham? – quando levantei meu rosto, dei de cara com alguém. - Me desculpa, eu não... – parei de falar quando vi de quem se tratava.

- Presta atenção, sua imbecil. – Renata.

- Oh, my God. Que azar o meu. – exclamei sem paciência.

- Sua tonta...

- Cala a boca, garota. – interrompi o sequência de xingamentos que viriam a seguir. – Bye.

- Sua... aaaaaah!

Renata e eu nunca nos damos bem, ela jura que fiquei com o namorado dela. Cruzes!!!

- Essa garota é insuportável. – reclamou Cássia. – Isso é tesão na moita.

- Tesão na moita? – não consegui segurar o riso. – Sua louca, da onde você tira essas maluquices?

- Sei lá. Surge de repente ou será que li em algum lugar? – amo essa garota.

- Vamos entrar e conhecer a nova ‘’xerife’’.

      Eu cursava ciências biologias, mas não queria lecionar e sim me especializar em biologia marinha, amo bichos que vivem dentro d’agua. Sempre que ia ao zoológico me perdia com tamanha beleza, meu lugar favorito em todo o bosque era o aquário do leão marinho, ele me encantava. Então desde ai, decidi que cuidaria daqueles animais magníficos. Me chamo Flávia Freire, prazer.

      Entrei na sala rindo das palhaçadas de Cássia, nós juntas nunca dava em boa coisa, não sou uma nerd, mas gosto do que escolhi para o meu futuro e me dedico muito, entretanto, também não sou nem uma garota levada (só um pouquinho ou muito... depende da situação). Sou um pouco das duas coisas.

Enfim... Ah, vocês entenderam. Sentamos e em meio a conversas sem a menor noção entre Cássia e eu, um silencio se fez presente.

- Bom dia turma, sou Amanda Castro e serei a nova professora de vocês. – olhei na direção de onde vinha aquela voz e fiquei totalmente muda. – Conversei bastante com a professora Sandra e não se preocupem que o que ela começou, irei dar continuidade. Qualquer dúvida por mínima que seja, sintam-se convidados a conversar sobre. – ela sorriu. – Vamos iniciar? Como todos já devem saber, biologia é a ciência que estuda os seres vivos. Debruça-se sobre o funcionamento dinâmico dos organismos...

      Olhei aquela mulher da cabeça aos pés. Cabelos loiros, ondulados pouco abaixo dos ombros, a pele levemente bronzeada. Estava vestida com uma calça jeans justa na cor azul, uma blusa branca de mangas que estavam dobradas até próximo o cotovelo e um salto modelo gladiador preto nos pés.

Nossa... 

Seu olhar veio de encontro ao meu, passei a encara-la e como sempre acontece quando encaro alguém, o outro olhar desviou do meu. 

Simplesmente linda!

- Que linda, não é mesmo, Flávinha? – Cássia me cutucou e eu não respondi. – Para de babar, vai molhar meus livros.

- Idiota, não estou babando.

- Aham... se tu diz... – ela deu uma risadinha debochada.

“O ano seria bem interessante.”

 Pensei e deixei um sorriso de canto escapar.

Fim do capítulo