Capítulo 21
Fui teletransportada para um universo paralelo, onde apenas ouvia sons distantes e imagens desconexas, minha visão era escura e não podia ver com exatidão para onde estava indo, parecia um labirinto, uma estrada cercada de trilhas. Não conseguia sentir meu corpo, apenas uma sensação latejante em minha cabeça que agora era substituída por carícias leves, apenas um forte cheiro adentrado minhas narinas, estranhamente parecia álcool.
Abri os olhos de maneira brusca e vi pelas imagens turvas a íris castanha me olhando fixamente, seus olhos apesar de intimidadores revelava um resquício do que pensei ser preocupação. Olhei rapidamente ao redor e me situei, estava em seu escritório, mais especificamente em seu sofá que mais parecia um divã, deitada com a cabeça em seu colo enquanto ela parecia acariciar meu cabelos com uma mão, enquanto a outra segurava o chumaço de algodão próximo ao meu nariz.
Infelizmente não tive um pesadelo, realmente havia acontecido o que eu temia.
--Oh meu Deus! --Fechei os olhos novamente.
--Dificuldade em manter os olhos abertos? --Falou com a voz fria, cessando o carinho nos meus cabelos.
--Sim.
--Deixe de bobagens, abra logo os olhos.--falou com a voz dura.
--Estou envergonhada demais para isso. --falei num fio de voz.
--Ora, abra senão chamarei o médico.
Ameaçou e eu abri imediatamente a fitando.
--Me diga que nada disso aconteceu, por favor.
Ela acomodou-se melhor no sofá, mantendo seu cotovelo apoiado enquanto passava a mão pelos cabelos sedosos, sendo acompanhada pelo meu olhar minucioso.
--Não suporto mentiras, então infelizmente, aconteceu sim.
--Estou demitida por justa causa? --perguntei com a voz trêmula e incerta enquanto apertava os dedos frios da minha mão.
--Não. Mas espero que isso não volte a acontecer, há lugares mais propícios para isso, como motéis...
Fechei os olhos sentindo uma onda de vergonha me atingir novamente.
--Desmaiou outra vez?
--Não--abri os olhos novamente.
--Então levante-se, estou atrasada para uma reunião e não tenho tempo para ficar lhe socorrendo em seus desmaios. --falou olhando para o relógio dourado no seu pulso.
Me sentei de imediato, saindo do seu contato e sentando no sofá tentando ajeitar meus cabelos.
--Obrigada. --falei sem olha-la.
--Pelo quê?
Olhei-a significativamente como se ela houvesse perguntado a coisa mais obvia do mundo.
--Por não ter me demitido. E por ter apagado os videos. E por não ter me deixado jogada no chão, e também por...
--Chega. Fiz isso pelo bem do escritório. Não se iluda.
Meu queixo quase foi parar no chão, me senti tão insignificante.
--Ok. Então, boa noite doutora. --falei me levantando a pegando minha bolsa desajeitadamente.
--Boa noite.
Sai de sua sala em meio da dilemas, tentando analisar diversas formas de cometer suicídio, deveria me jogar do ultimo andar ou me atirar da escada, eis a questão. Sentia uma raiva tão profunda de mim mesma misturada com uma vergonha descomunal que a minha vontade era isolar-me do mundo.
Senti meu celular vibrar no bolso quando estava no elevador.
Era a mãe de Bernardo.
--Alô
--Alice? --percebi receio em sua voz.
--Sim, tia. Sou eu. Aconteceu alguma coisa?--perguntei apreensiva.
--Infelizmente sim...Bernardo sofreu um acidente.
Senti o chão faltar pela segunda vez no dia. Mas a sensação agora era infinitamente pior. Fiquei completamente estática ainda segurando o celular no ouvido.
--Alice? --sua voz parecia chorosa
--Diga que não é nada sério, por favor...
--Ele ainda vai realizar alguns exames, mas seu quadro é estável e ele já esta consciente. Só liguei por que você é namorada dele, e talvez queira vir aqui...
--Claro que sim, só me diga onde que eu irei imediatamente.
Ela me deu o endereço e fui rapidamente chamar um táxi, sorte que haviam alguns deles próximos ao escritório.
No caminho sentia uma sensação estranha, medo de que algo grave possa acontecer me fazendo sentir culpada, mesmo que racionalmente eu soubesse que era impossível.
Meu celular tocou mais uma vez. Pelo visor vi que era Letícia, no entanto deixei tocar, não estava com cabeça para atende-la naquele momento.
O caminho parecia não ter fim, minha ansiedade em níveis estratosféricos, sentia ânsia enorme de vê-lo, conferir com meus proprios olhos se ele estava bem.
Chegamos enfim ao hospital, me identifiquei na recepção e rumei para o quarto onde Bernardo estava, na entrada vi sua mãe e alguns tios dele.
Fui abraçada calorosamente por ela que chorava baixinho.
--Onde ele está?
--No quarto.
--O que houve? -- falei me sentando ao seu lado no banco.
--O carro dele capotou apos ter colidido com outro.
--Meu Deus.
--Foi horrível.
--E ele? Como ele está?
--Estava desacordado, mas agora voltou ao normal. Quebrou o braço, e teve alguns cortes um pouco mais profundos na cabeça, mas esta fora de perigo.
--Ainda bem que não foi algo mais grave. Eu posso vê-lo?
--Sim, querida. Só estou aguardando o médico que esta avaliando ele sair do quarto e entraremos lá.
--Ok.
--Desculpa não ter ligado antes, eu estava muito nervosa, fiquei sem ação.
--Não tem problema. --disse enxugando suas lágrimas com o dorso da mão.
Logo o médico saiu do quarto e autorizou nossa entrada.
Entrei meio receosa no quarto, o vi fitando o teto sem se mover. Sua cabeça estava coberta por ataduras e o braço também, mas fiquei feliz em ver que ele não estava tão ruim o quanto havia imaginado.
--Olha quem veio te visitar, filho. --
Luiza falou numa voz animada. Mas essa animação não pareceu contagia-lo. Ele me olhou de cima a abaixo com frieza.
--Bernardo...--cumprimentei meio sem jeito depois do seu olhar reprovador.
Mas ele nada disse. Luiza me olhou com estranheza, parecendo não entender a situação.
--Está precisando de algo, filho? --falou acariciando o rosto dele.
--Água. Eu estou com sede.
--Eu vou buscar Água para você na recepção. --falei de pronto saindo do quarto.
Fui a recepção e peguei um copo de água levando imediatamente ao quarto.
--Melhor deixar vocês um pouco a sós. Tenho que pegar algumas roupas em casa e uns documentos para a internação, volto o mais rápido que puder.
--Eu fico com ele, não se preocupe. Demore o tempo que precisar.
--Obrigada--disse depositando um beijo na minha bochecha.
Bernardo observava tudo com a cara emburrada, não parecendo gostar de saber que iríamos ficar a sós.
Ouvi a porta bater atras de mim e me aproximei da maca lentamente, apensar de estar um pouco intimidada criei coragem para falar.
--Como você está? --falei tocando levemente seus dedos da mão.
Ele revirou os olhos e grunhiu como se a pergunta fosse obvia demais.
Eu não evitei sorrir, o que pareceu te-lo incomodado ainda mais.
--Que pergunta boba a minha. Na verdade o que queria saber é se você está com dores, ou se algo te incomoda?
Ele virou o rosto para a outra direção me ignorando completamente.
--Ok, pelo visto isso será um monólogo. Ah! tinha esquecido sua água
Peguei o copo da mesa ao lado e fui levando em sua direção, ele parecia relutante em aceitar que eu desse a água em sua boca, mas sua sede falou mais alto, ele tomou todo o conteúdo do copo em segundos.
Ouvi novamente o celular tocar em minha bolsa, mas ignorei. Deveria ser Patrícia ou Ana indagando porque não fui a aula, depois retornaria explicando o motivo.
Aproximei mais dele segurando seu queixo delicadamente e o fazendo olhar para mim.
--Não vai mesmo falar comigo?
Seus olhos brilhavam, e eu conseguia distinguir naquele olhar a mágoa que ele sentia.
--O que você veio fazer aqui?
--Não parece obvio? Vim ver você, Bernardo. Saber como está.
--Como se você se importasse...
--Claro que me importo.
--Seu namoradinho sabe que você está aqui?
Perguntou debochado, aquele nem de longe parecia ser o homem que namorei.
Pisquei os olhos sem entender. Me sentando na sua maca cuidadosamente.
--Eu não tenho nenhum namoradinho, e se tivesse jamais deixaria que interferisse no que tenho com você, Bernardo.
--Nós não temos nada, e não precisa vir aqui por pena. Se veio aqui para saber como estou, já viu então pode ir embora agora. Obrigado pela visita.
Mesmo tentando usar o máximo de compreensão possível, não me contive em ouvir aquilo, apesar de reconhecer os motivos da sua mágoa, não aceitava ser tratada daquele modo.
--Já chega dessa infantilidade! Eu tive um dia de cão, mil e um problemas que você sequer pode imaginar!--falei num tom ríspido e alto.--E mesmo assim estou aqui para saber como você está, tentando te ajudar em troca recebo essas suas grosserias infundadas que ja tiraram o resto da minha paciência. Portanto, pare com isso agora e trate de agir como um estúpido ou eu não respondo pelos meus atos.
Bernardo arregalou os olhos me olhando assustado. Acho que no tempo que estivemos juntos raras as vezes que levantei a voz.
--Tudo bem--ele sibilou baixinho.
--Obrigada. Posso me deitar um pouquinho aqui? --falei apontando pro pequeno espaço vazio da maca.
Ele me olhou indeciso.
--Ok.
Deitei cuidadosamente ao seu lado, enquanto acariciava seu rosto.
Passamos longos minutos sem falar nada, apenas ouvindo a respiração pesada dele.
--Como você está? --Ele sussurrou.
--Melhor agora sabendo que você está bem.
--E o dia de cão?
--Coisas do escritório...
--Seja lá o que for, espero que tudo se resolva.
--Eu também.
**
Cheguei em casa já era tarde, tinha passado mais tempo do que imaginava no hospital, era reconfortante estar com Bernardo, apesar das poucas palavras que trocamos, fiquei feliz em ter conseguido instalar um clima agradável entre nós. Aproveitei o tempo também para matar a saudade que tinha da familia dele, não os via a um bom tempo, e aproveitei para conversar bastante, precisa abstrair depois do dia intenso que tive.
Seu pai fez questão de me deixar de carro até em casa, alegando ser perigoso andar de taxi aquela hora, nos despedimos e entrei em casa silenciosamente.
A sala estava escura, quando liguei o interruptor me surpreendi ao ver Letícia sentada na poltrona com braços cruzados e cara de poucos amigos.
--Onde você se meteu, garota?
Falou entredentes quando se aproximava de mim. Seu rosto vermelho denunciava a irritação. Uma irritação que quem deveria estar sentindo era eu, afinal Letícia iria me pagar caro pelo que tinha me feito passar no escritório.
--Letícia...
--Por que diabos não atendeu a porr* do celular o dia inteiro? --falou segurando meu braço firmemente.
Arregalei os olhos. Que modo era aquele de falar comigo? Ela estava transtornada. Mas eu não deixaria que ela falasse assim comigo.
--Eu nem lembro de te dever satisfações, Letícia.
--Ah não deve? Onde você estava? Não minta pra mim por que sei que não foi a faculdade hoje.
--Você ficou louca?! Me solta. --falei afastando meu braço do seu contato, sentindo o cheiro de álcool enquanto sua respiração quente batia em meu rosto.
--Estava com ele, não é? Conheço muito bem o carro que veio te deixar.
--Estava sim, mas não da forma como você está pensando, estúpida.
--Me traindo, não é? Eu devia imaginar que você não passava de uma...
Fiz menção de empurra-la mas ela me segurou firme.
--Continua, Letícia. Fala o que você acha que eu sou...
Ela calou.
Ficamos segundos apenas nos encarando, pareciam sair faíscas do nosso embate.
Ela pareceu cair em si e baixou o olhar.
--Desculpe. Só não quero que você se encontre com ele outra vez. Você é minha.
Dessa vez tive que rir, um riso triste que denotava incredulidade no que acabei de ouvir.
--Eu sou sua? E você, Letícia? Você é minha? É muito cômodo pra você, não é? Exigir o que quer de mim--ela me olhou tensa enquanto eu apontava o dedo em seu rosto--e eu aqui sempre cedendo aos seus caprichos, suas vontades. Sempre atendendo aos seus desejos, não é? É muito fácil, Letícia. Muito fácil manter seu relacionamento ridículo com meu tio e me ter ao mesmo tempo, na hora que você quer, onde você quer. --ela se afastou de mim assutada.--Cansei de ser a única que cede nessa droga relação, se é que isso pode ser chamado de relação. Cansei, Letícia. Eu cansei.
Me afastei bruscamente dela, subindo as escadas em direção ao meu quarto sentindo as lágrimas molharem meu rosto pela tristeza, mas sentia igualmente a alma leve por jogar para fora tudo que a muito queria dizer, mas não tive coragem.
***
Há momentos em nossas vidas em que o amor realmente conquista tudo: cansaço, privação de sono, qualquer coisa. E depois há aqueles momentos em que parece que o amor não nos traz nada além de dor. Estamos sempre procurando maneiras de aliviar a dor. Às vezes, fazemos o que temos de melhor. Às vezes há momentos em que perdermos a nós mesmos. E às vezes tudo o que precisamos para aliviar a dor é dar uma simples trégua
Fim do capítulo
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