Clarice abriu a porta da sala de espera de acompanhantes do renomado Hospital Maria José Vieira com o seu sorriso mais animador. Olhou calmamente cada um dos presentes, tentando encontrar a pessoa que estivesse mais debilitada psicologicamente.

                Desde nova gostava de ajudar o próximo, sempre se oferecendo para o que fosse necessário. Aquilo a fazia se sentir viva, se sentir fazendo a diferença no mundo e, principalmente, a fazia esquecer do seu próprio destino.

               Após uma minuciosa análise, percebeu que todas aquelas pessoas estavam absortas em seus celulares, livros ou acompanhando o canal de notícias na televisão e já ia saindo quando notou duas mulheres ingressando na sala.

                Uma senhora que aparentava ter cinquenta anos caminhava com uma certa dificuldade e era guiada por uma jovem que lhe falava de uma forma bastante carinhosa:

                - Mamãe, não seja rebelde. Você sabe que precisa terminar o seu tratamento. Não há nada mais importante do que isso.

                - Mas, filha... – dizia a senhora – Não quero que você deixe a sua vida de lado por causa da minha doença. Quero que você aproveite as oportunidades que a vida está lhe dando. Não é justo abrir mão de tudo que você tanto lutou para ficar aqui comigo.

                - Mamãe, não adianta falarmos mais disso. Já está decidido e não há nada que você possa dizer pra me fazer mudar de ideia. Oportunidades vêm e vão. E nenhuma delas me fará deixar de estar ao seu lado nesse momento difícil.

                A senhora ia rebater, mas a atendente lhe chamou e disse que já poderia entrar para começar a sessão de quimioterapia.

                Após beijar a testa de sua mãe e vê-la entrar em outra sala, a jovem sentou-se numa das poltronas, abaixou seu corpo e levou as mãos ao rosto.

                Ela aparentava estar tão frágil que Clarice sentiu uma pontada em seu coração e resolveu se aproximar.

                - Bom dia, moça. – disse baixinho.

                A jovem então endireitou-se na cadeira e a olhou.

                Clarice sentiu um nó no estômago. Jamais vira um par de olhos tão tristes como aqueles.

                - Oi, bom dia. – disse a jovem desviando o olhar e enxugando algumas lágrimas que insistiam em cair.

                - Meu nome é Clarice. Não quero ser indiscreta, mas não pude deixar de ouvir sua conversa. Sua mãe está reagindo bem ao tratamento?

                - Na verdade, não. Conversei mais cedo com o médico e ele me informou que o tratamento não está surtindo efeito. Mas não posso deixar que minha mãe saiba disso. Não quero que ela desista de lutar contra essa doença maldita. – ela disse voltando a ficar com os olhos cheios de lágrimas.

                Clarice não entendia bem o motivo, mas estava lhe doendo ver uma moça tão bonita naquele estado.

                - Me desculpe, como sou esquecida, nem perguntei o seu nome. – falou tentando continuar a conversa.

                - Meu nome é Pietra. Prazer em conhecê-la.

                - O prazer é meu. Seu nome é diferente e lindo. – comentou.

                A jovem sorriu timidamente e abaixou a cabeça. Clarice não pode deixar de notar que quando sorria, apareciam duas covinhas no rosto da outra mulher e aquilo a encantou. Decidida a conseguir mais um sorriso, emendou:

                - Ao contrário do meu, que é nome de velha. Foi escolha da minha avó.

                Pietra acabou por sorrir novamente, dessa vez mostrando os dentes perfeitamente alinhados e brancos.

                - Sua avó tem ótimo gosto. Acho Clarice um nome lindo. Sem contar que é o nome da minha escritora favorita.

                - Sério? Você devia conhecer a minha avó então. Ela vive falando dessa autora. Eu nunca li. Tenho raiva porque a culpada por eu ter esse nome é ela.

                Pietra achou graça do comentário da outra moça e só então percebeu que se tratava de uma garota com cabelos ondulados loiros, bem baixinha e magrinha, provavelmente menor de idade.

                - Desculpa perguntar, mas você pode estar aqui? Pensei que só maiores de idade estavam autorizados a acompanhar os pacientes.

                Clarice sorriu sem graça e tossiu secamente.

                - Bem, pode não parecer, mas tenho 21 anos. Apenas não cresci tanto como as outras mulheres. – respondeu baixinho.

                - Me desculpe, realmente achei que você era mais nova. – falou sorrindo timidamente. – E quem você está acompanhando? Nunca te vi por aqui.

                - Na verdade, não sou acompanhante. Sou voluntária aqui no hospital. Tento ajudar as pessoas que precisam de um apoio. Sabe, muita gente só se preocupa com os pacientes, mas eu sei como também é difícil pra família. Um primo meu faleceu antes de conseguir um transplante de pulmão no início desse mês. Ainda não conseguimos nos recuperar do trauma que todo o sofrimento dele causou.

                - Sinto muito. – disse Pietra, compadecida.

                - Obrigada. Meu voluntariado era no setor em que ele estava, hoje resolvi conhecer outros setores aqui do hospital e acabei parando nessa sala.

                - Entendi. Obrigada por ter conversado comigo. Estou mais calma. E me desculpa pelo choro de quando veio falar comigo. Ele estava preso desde que eu conversei com o médico, mas não podia soltá-lo na frente da minha mãe.

                Sensibilizada, Clarice acariciou o rosto de Pietra.

                - Nunca me peça desculpas por demonstrar o que sente, guria. E saiba que você não está sozinha. Sei que você deve ter muitos amigos e familiares, mas eu estou aqui pra qualquer coisa que você precisar. – afirmou mergulhando seus olhos verdes nos olhos castanhos da outra jovem.

                Pietra não soube explicar por qual razão o toque da outra garota lhe causara um frio na barriga e nem por qual razão suas palavras aceleraram o seu coração. Apenas sabia que precisava abraçar a jovem loira que estava conseguindo acalmar a sua alma despedaçada desde a descoberta da doença de sua mãe.

                Clarice, por sua vez, não conseguiu evitar o torpor que tomou conta de si ao sentir o perfume delicioso que a morena usava e, involuntariamente, a abraçou ainda mais forte, acabando por colocar uma das mãos na cabeça da outra, fazendo-lhe cafuné.

                - Chore o tempo que precisar, minha guria. – disse ao sentir a outra recomeçar a chorar. – Eu estou aqui por você. Eu estou aqui pra você.

Fim do capítulo