Olá meus queridos, tudo bem com vocês?
Demorei, mas finalmente apareci. Correria de sempre e exaustão a mil... Eu sinceramente não sei se vocês vão gostar desse capítulo, ele foi difícil, demorei muito para escrever, reformulei varias coisas, deletei partes inteiras e reescrevi outras até chegar a esta versão final.
Boa leitura a todos e até breve!!!
Desabrochar
Temístocles já esperava pela visita de Harmonia, era um acontecimento do qual não poderia desviar-se, quando a deusa lhe procurara há dois anos para tratar sobre assuntos específicos envolvendo o futuro de Silena, deixara o general completamente ciente de que o tempo da semideusa ao seu lado seria findável como a contagem de uma ampulheta.
-Bem sei que também tem planos para a filha de Athena, ou estou enganada?! - as palavras chamaram novamente a atenção do ateniense, os olhos azuis penet*antes sustentando o seu olhar com segurança.
Ele apenas confirmou com a cabeça, poderia estar naquela sala em corpo presente, mas seu inconsciente vagava incansavelmente por seus pensamentos turbulentos como as ondas inconstantes do Egeu. Atenas, os persas, as alianças, os possíveis golpes políticos, as profecias de pítia em Delfos, a segurança de Annabeth, Perseu e Silena... Eles poderiam não ser seus filhos legítimos, mas nutria sentimentos por aqueles que viu crescer sobre sua casa, proteção e ensinamentos. Harmonia estava certa no que havia salientado, não era apenas a filha de Afrodite que se afastaria Annabeth e Percy também estariam mais seguros fora das atenções da pólis durante os próximos anos. Sabia que as piores traições poderiam advir dos locais menos aguardados.
-Ela estará em segurança comigo... - ressaltou novamente a mulher com um olhar convicto de cada uma das palavras que lhe saia. - não duvido de sua capacidade, mas acredito que eu possa fazer um pouco mais por ela nesse momento do que você.
-Não tenho dúvidas disso. - respondeu prontamente, sequer lhe passou pela cabeça a possibilidade de duvidar da capacidade da deusa em não cumprir com a sua palavra. - tu possuis um carinho genuíno pela menina e sei que é recíproco... Talvez eu os tenha colocado em uma redoma que nem mesmo eu percebi.
Ele não tinha o que temer, confiava em Harmonia apesar de ser alguém conjeturado por natureza, era do tipo que preferia pecar pela cautela e atacar nos momentos certos, tinha muito de sua patrona em sua personalidade, não podia negar. Pela primeira vez naquele dia ele sorriu, estava orgulhoso, Silena estudaria a fundo os dons apurados da deusa, passaria mais tempo no templo dedicado a Afrodite e Harmonia lhe acompanharia nesse período disfarçada de alguma das sacerdotisas.
-Eles devem estar reunidos no gineceu, por mais que Perseu não tenha tanta liberdade é quase impossível separar esses três. - informou ao se levantar, a mente um pouco mais leve que antes, era bom deixar todos os questionamentos de lado por alguns instantes. - venha comigo, por favor.
Andaram a passos tranquilos pelo caminho guiado pelo anfitrião, passaram pela porta pesada e seguiram pelas escadas que levavam ao andar seguinte, o ambiente reservado apenas para as mulheres. Como já era de se esperar os três semideuses encontravam-se distraídos em suas atividades, na verdade Silena ria enquanto Annabeth tentava convencer Perseu de que suas anotações estavam completamente equivocadas. Temístocles pigarreou brevemente, chamando a atenção dos mais jovens, o filho de Poseidon e a filha de Athena olharam de forma intrigada para a mulher até então desconhecida, mas Silena levantou-se, como se já tivesse ciência do que desencadearia com aquela visita.
-Dei-me algum tempo, por favor. - dirigiu-se à morena de olhos castanhos que apenas deu um breve sorriso em compreensão ao seu pedido.
Silena esperou que os mais velhos se retirassem para enfim voltar à atenção aos dois companheiros. Percy lhe olhava de forma perdida como sempre alheio ao que se passava ao seu redor, contudo pode ver nos olhos tempestuoso de Annabeth que ela já possuía alguma ideia em mente sobre o que aconteceria.
-Ela é sua irmã, não é?! - a voz da garota loira saiu com mais certeza do que dúvida. - filha de Ares e Afrodite.
Os olhos verdes de Percy se abriram com imensa surpresa, ele não era um expert no assunto, mas não precisava ser um gênio para saber que aquela mulher que se mostrou a eles era uma dos deuses menores... Nunca se sabia quando seria necessária a ajuda de um deles, então procurava sempre demonstrar algum respeito.
-Sim. - afirmou a filha de Afrodite com um pequeno sorriso nos lábios, mas os pensamentos distantes. - tenho de cumprir meu dever e servir a Afrodite, Harmonia estará ao meu lado para me aconselhar.
Annabeth correspondeu ao sorriso de forma contida como era de se esperar, já fazia algum tempo que ela desconfiava dos encontros às escondidas entre as duas; aquele não seria um adeus definitivo, afinal Silena ainda estaria em Atenas, estava segura, principalmente sobre a proteção de sua irmã divina, todavia ela sempre achou que seria a primeira a deixar a segurança do local onde cresceram.
-Você não pode ir embora, eu prometi a Clarisse que manteria as duas em segurança. - Percy se intrometeu com leve tom de indignação. - ela vai chutar o meu traseiro.
Silena sorriu mais uma vez, porém daquela forma aberta que fazia os outros sorrirem em conjunto, mas o garoto apenas lhe olhou sem saber o que estava pensando, seu rosto com certeza estava rubro e pensar nisso tornava a coloração ainda mais intensa. Rodeou o pescoço daquele que tinha como um irmão de forma carinhosa e depositou um beijo delicado em seu rosto, bem sabia que Percy não queria que fosse embora apenas por uma promessa feita a Clarisse, pois os três sempre nutriram sentimentos genuínos um pelo outro e aquela era a forma dele dizer que se importava.
-Eca! - protestou ao receber o beijo da morena de olhos azuis, ao mesmo tempo em que procurava esconder o rosto de alguma forma.
-Não se preocupe com a Clarisse, eu protejo seu traseiro. - brincou ao notar o rubor do rapaz que apenas se deu por vencido.
~***~
A jovem espartana deixou-se escorregar pelo tronco maciço enquanto sua mente mesmo cansada não parava de reviver imagens do que acontecera e se esforçava para manter-se em alerta. Tentou restabelecer a respiração enquanto enxugava o rosto sujo com uma das dobras da túnica já com traços de desgaste, colocou a faca entre os dentes ao mesmo tempo que mapeava o local de forma rápida, porém cuidadosa com os detalhes, sabia que não poderia passar muito tempo somente em um local.
Estava exausta, era um fato que não conseguiria esconder e o clima começava a dar indícios de um inverno que seria rigoroso, mas o frio não lhe incomodava tanto quanto aos simples mortais, tinha fome, pois vagara por no mínimo dois dias no intuito de colocar seus pensamentos no lugar, deixara o acampamento militar e agora seguia desgarrada pelos bosques nas imediações do monte Taigeto - o local onde as crianças não aceitas eram abandonadas à própria sorte ou simplesmente mortas ao serem descartadas do topo do emblemático local.
Deveria estar com medo e talvez fosse uma tola se não se sentisse assim, afinal ela adentrara tão profundamente naquele lugar que tinha quase certeza que estava no Vale das Sombras, onde os raios solares penet*avam a vegetação fechada algumas poucas horas por dia e os animais selvagens sequer eram o verdadeiro perigo. Aquele era o local dos membros da Cripteia, jovens encapuzados e munidos apenas de suas adagas como proteção, passavam dois anos em completa reclusão sobrevivendo aos custos de furtos ou do que fosse encontrado pelos bosques... Pela manhã eles observavam os hilotas em suas tarefas cotidianas, principalmente os mais fortes ou possíveis líderes e a noite se livravam daqueles que poderiam causar problemas para a pólis ou que já demonstravam algum comportamento duvidoso; encontrar algum desses membros não deveria ser nada amigável, principalmente quando o líder dos demais era Jason.
Tomou os últimos goles de água proveniente em seu odre, preferia ser invadida pela irracionalidade do medo se isso fosse capaz de manter sua mente ocupada, mas tudo o que conseguia pensar era no maldito "por que". Apesar de sua idade, tinha total ciência que os homens de Esparta em sua maioria respeitavam a sua atual posição por ser uma semideusa reconhecida aos olhos dos éforos e por ser protegido de um dos reis mais benquistos da pólis, caso contrário ela ou qualquer outra mulher não estaria ocupando um posto incontestavelmente masculino.
Era amada por seus pais adotivos, por aquele que considerava como seu irmão e futuro herdeiro do trono, mas não poderia simplesmente ignorar a sensação crescente de que não pertencia plenamente aquele lugar... Sentir-se dessa forma não lhe fazia nenhum sentido, ou talvez simplesmente o treinamento rígido havia lhe deixado demente. Balançou a cabeça, não poderia agir como uma menininha magoada, afinal nunca fora de ter pena de si, mas ser tomada pela fúria também era algo difícil de controlar - os olhares de desprezo lhe vinham à mente como uma reprovação, como se não fosse digna de sentar-se com os outros para as reuniões em comum para as refeições -; voltar para o centro da pólis não era uma alternativa, não de mãos vazias, se o fizesse seria chicoteada como punição por indisciplina e daria margem para que aqueles estúpidos lhe olhassem com ainda mais desprezo.
Ela teria de impor respeito... Nem que fosse pela força, afinal ela era filha de Ares, não era?! Aquele título teria de lhe servir para algo. Atentou-se para um ruído mínimo, segurou a faca com firmeza enquanto seus olhos se dirigiram na direção de um grunhido muito específico... Seria algum tipo de sinal? Não teve tempo para pensar, aquilo havia lhe notado com a mesma rapidez que conseguira identificá-lo, outro grunhindo mais forte fizera os pelos de seu corpo se eriçar, mas não era medo, seus olhos se encontraram com um par de orbes amarelados e ensandecidos, o animal tentou lhe acertar em uma investida rápida apesar do porte pesado.
-Que merd*! - proferiu entredentes após desvencilhar-se da investida, contudo sua manobra fora o suficiente apenas para manter-se viva, segurou com firmeza a faca em uma de suas mãos já que o outro braço ganhara um ferimento considerável ao ser atingido por uma das presas de tamanho descomunal.
~***~
Por mais que se esforçasse para manter a sua pose habitual, Leônidas a conhecia bem o suficiente para saber o que se passava nos pensamentos tempestuosos de sua rainha e companheira. Seus olhos se cruzaram e o que recebera fora algo completamente fora do que lhe era típico, o rastro de dureza que normalmente era direcionado para terceiros.
-Ela tem apenas treze anos! - repetiu no tom mais comedido que lhe era possível, dando passos a esmo pelo pátio aberto. - não deveria ter permitido tamanha sandice. - cruzou os braços sobre o peito enquanto era acompanhada pelos olhos escuros de seu amado. - você é o rei, ela escutaria qualquer ordem sua, porque não evitou sua partida ao invés de encoraja-la veladamente?!
Leônidas aproximou-se, mesmo sabendo que tal ato pudesse ser quase tão perigoso quanto aproximar-se de um vespeiro. Gorgo estreitou os olhos como se o desafiasse a dar mais um passo em sua direção, mesmo assim o homem o fez, segurando em seu rosto com as duas mãos, da forma carinhosa que tão bem conhecia... Queria ser capaz de recusar o toque ou negar-lhe a atenção, mas não era forte o suficiente.
-Sabes tão bem quanto eu que ela tem o espírito indomável, não importa se ela me respeita como a maior autoridade sobre sua vida, ela tomaria tal decisão cedo ou tarde. - explicou algo que para a esposa era concreto há muito tempo, entretanto aquela fora de fato à primeira vez que a semideusa ia contra suas obrigações. - eu confio na Clarisse e ambos sabemos que ela é completamente capaz de retornar de cabeça erguida.
A rainha fechou os olhos e respirou de forma profunda e pausada, tentava colocar novamente a razão acima de seus sentimentos, sabia que Leônidas estava certo, mesmo que o seu instinto protetor tomasse um caminho divergente às palavras tranquilas do rei.
-Ela é filha do deus da guerra... É determinada, inteligente como você, sabe se defender melhor que muitos oficiais já formados. - reafirmou tudo aquilo que a espartana tinha ciência, afinal não fora ela mesma quem criara a semideusa até que a mesma fosse direcionada para o treinamento militar?! Gorgo conhecia a menina melhor que qualquer outro ao seu redor.
-Majestade...
A voz masculina e jovial chamou a atenção das duas autoridades, era um dos protegidos de Dienekes, a expressão dividida entre exercer o seu dever e atrapalhar o momento de intimidade entre o casal. Rei e rainha retomaram a postura habitual e sinalizaram para que o jovem desse o seu comunicado.
-Por Hermes... Não fique estático como um monumento, tens notícia da princesa? - perguntou Gorgo com o pouco de paciência que ainda lhe restava.
-Sim, minha senhora. - o rapaz limpou a voz e levantou-se prontamente, a expressão da rainha abrandou por alguns segundos com a confirmação. - recebemos informações que a princesa foi avistada pelas imediações do Taigeto, o conselho convoca a presença do rei imediatamente.
Gorgo estreitou o olhar, o corpo dando sinais que tomaria alguma atitude a qualquer segundo, sentiu o toque firme em seu ombro, era o suficiente para lhe manter sã. Seus olhos cruzaram com os de Leônidas como se esperasse que ele entendesse sua apreensão, saber que Clarisse estava por aquele local em específico não lhe dava conforto, as inúmeras possibilidades do que poderia lhe acontecer lhe deixava ainda mais temerosa.
Assim que repassara as informações necessárias o soldado e o rei seguiram para o centro de Esparta. O rapaz tratara de lhe contar detalhadamente o que soubera até então, para que Leônidas se preparasse para o que viria naquela reunião inesperada. O mais novo se despedira alguns metros antes da tenda onde acontecia o encontro dos demais, não tinha idade ou patente o suficiente para participar, mas o rei sabia que independente do que acontecesse ele estaria ao lado da princesa.
Ao adentrar o local Leônidas cumprimentou a todos como era de praxe em reuniões como aquelas, a expressão indecifrável também fazia parte de seu personagem naquele momento em especial, o assunto a ser tratado seria Clarisse e assim como qualquer outro ele deveria demonstrar alguma imparcialidade. Ocupou o seu posto e assim como os demais membros ali presentes aguardou pacientemente as considerações dos éforos.
-Devemos tomar medidas disciplinares meu rei... Não podemos deixar tamanha imprudência passar por nossos olhos como se fossemos cegos. - a voz macia direcionava-se não somente ao diarca, mas a todos os pares de importância civil e militar presentes na tenda. - as leis de Licurgo devem ser seguidas com rigor.
Os homens trocavam breves olhares, alguns concordavam com o ponto de vista apresentado por um dos éforos, outros preferiam manterem-se quietos e atentos ao desenrolar da situação e ao pronunciamento do rei. Leônidas mantinha uma das sobrancelhas levemente arqueadas, sabia que aquela cobra peçonhenta demonstrava alguma satisfação com aquela situação... Era o momento perfeito para que finalmente conseguisse expulsar Clarisse do acampamento militar.
-A princesa foi encontrada pelo oficial Jason e os demais homens sobre o seu comando... - continuou com o seu discurso polido enquanto dava passos pelo ambiente pouco iluminado. - mesmo que esse seja um claro traço de deserção, poderia relatar a todos o que aconteceu?
Os olhos dos demais se voltaram para o loiro que se encontrava sentado mais à frente, ele fez uma breve reverência após se levantar, a expressão aparentemente tranquila e inflexível de sempre. Até então não se sabia com exatidão o que havia acontecido, tudo se resumia em Jason trazendo uma Clarisse desacordada e aparentemente lutando para não concluir a sua travessia... Não se sabia ao certo com quem ou o que ela se digladiara, mas para um espartano retornar de tal forma não era algo louvável ou honroso.
-Meus irmãos... De fato as leis de Licurgo são irrevogáveis e por meio das mesmas que constituímos uma pólis forte e segura. - os olhos azuis límpidos correram rapidamente entre os presentes, a luz dos braseiros reluzindo nas feições sérias e fantasmagóricas. - Creio que todos aqui sabem as condições especiais em que a princesa espartana se encontra e que suas atitudes possuem um peso ainda mais relevante por ser filha de um dos olimpianos, designada a proteção do rei... Indisciplina é algo inadmissível e perigoso, que não deve ser encorajada.
Os éforos e alguns oficiais confirmavam em breves acenos as palavras ditas por Jason, apesar de jovem ele era respeitado por todos, até mesmo por aqueles que não simpatizavam com o seu modo de agir, se seu discurso fosse favorável a alguma penalidade grave Leônidas teria problemas com sua contra argumentação. O loiro fez um breve sinal para que pudesse prosseguir, já que ainda teria detalhes importantes a relatar.
-Entretanto, o que eu e meus homens fomos capazes de registar está fora dos parâmetros de julgamento aqui impostos. - pode-se escutar um leve burburinho em meio ao crepitar das chamas, os homens ainda mais atentos ao seu discurso, afinal Jason era o que mais levava as leis e regras de Esparta com rigor. - estávamos investigando os rastros de uma besta selvagem que vinha destruindo alguns acampamentos de hilotas quando nos deparamos com uma cena digna dos deuses...
O oficial fez sinal para o trio de rapazes de feições sérias que estavam mais ao fundo, era o grupo que estava em sua companhia no momento que encontraram a princesa, seriam de alguma valia caso fosse necessário, contudo, tinha certeza que o que mostraria aos demais já seria prova o suficiente. Os três não demoraram muito para retornar, a muito custo trouxeram um animal enorme que assustara muitos que estavam mais próximos da saída.
-Criatura formidável, não acham?! - comentou Jason com um sorriso mínimo aos que se exaltaram. - Clarisse lutou habilmente contra essa fera que vinha assolando não somente a Arcádia como outras regiões do Peloponeso.
-Isto é... - nem mesmo Leônidas conseguia acreditar que aqueles múltiplos golpes de faca tenham sido desferidos pela semideusa. O homem caminhou até o espécime raro, as presas perigosas tinham por volta de dois metros, seus dedos correram a pelagem escura e áspera, mesmo que estivesse sem vida ainda era imponente, bonito e assustador, tinha quase a mesma altura que o rei.
-Sim, meu senhor... Este é o javali de Erimanto. - constatou Jason olhando do gigantesco animal para o rei. - a garota tentou trazê-lo nas costas... - comentou com certo tom de desdém, como se tal ideia fosse à coisa mais estúpida que já presenciara. - e talvez tivesse conseguido se não estivesse tão esgotada ao final do embate que durara quase o dia inteiro.
-Tragam-na até aqui... - os olhos escuros do homem permaneceram fixos no javali e no sangue que agora manchava a palma da sua mão.
-Meu rei... Creio que não... - o éforo que presidia a reunião tentou persuadi-lo de tal atitude descabível.
-Eu não estou pedindo... - o olhar que direcionou ao ancião fora o suficiente para que qualquer um entendesse a urgência de sua solicitação.
~***~
Dienekes e Jason direcionaram-se para o local onde a princesa se encontrava - o mais velho por ser responsável pela educação da semideusa e o segundo por tê-la deixado sobre os cuidados de seu futuro escudeiro.
-Agradeço por socorrê-la quando foi necessário. - proferiu após uma breve caminhada silenciosa entre os dois.
-Não fiz nada que não faria por qualquer outro no estado em que se encontrava. - resumiu no instante seguinte. - também não garanto que ela saia viva da próxima vez que se atrever a adentrar o Vale ou caso quebre alguma regra.
O mais velho não refutou; até mesmo ele sabia que a garota se encontrava em condições muito delicadas. Jason aguardou no lado de fora, não queria se envolver mais do que já se comprometera. Trocaram um breve aceno e sem perder tempo adentrou o recinto destinado ao trato de oficiais feridos, esperava que a garota estivesse em sono profundo, mas não, Clarisse estava sentada, alguns arranhões e hematomas espalhados pelo corpo, o braço estava enfaixado na altura do cotovelo até próximo o ombro bem como a sua fronte... Chris estava aparentemente mais nervoso com toda aquela situação que a própria espartana.
Trocaram um breve olhar, Clarisse levantou-se com um pouco de dificuldade, ainda deveria estar debilitada pelo combate e as condições a qual esteve exposta nos últimos dias, entretanto quase devolveu com um soco quando o seu parceiro de treino lhe ofereceu alguma ajuda... Era típico de sua protegida sentir-se ofendida com o gesto amistoso, aceitar ajuda em tais circunstâncias era o mesmo que lhe dizer que era uma espartana abaixo do padrão, apenas um peso para os demais e ela mais do que qualquer outro ao seu redor se empenhava ao máximo para mostrar exatamente o contrário.
Passou o braço forte por cima dos ombros joviais no intuito de lhe dar algum conforto enquanto faziam o caminho de volta em silêncio e afagou os fios escuros e ainda curtos como a maioria dos rapazes em sua idade, por mais que não tivesse colocado em palavras suas dúvidas quanto ao que aconteceria era visível em seu olhar a apreensão e a curiosidade por estar sendo acompanhada por Dienekes e Jason.
-Vamos, o rei está a sua espera. - comunicou assim que a garota enrijeceu o corpo, incentivou-a lhe dando tapinhas nas costas.
Apesar do olhar desconfiado, Clarisse continuou a caminhar, mesmo que ela ou qualquer um dos efebos não tivesse idade o suficiente para entrar em alguma reunião daquela importância. Sua cabeça latejou ao ver o animal morto logo na entrada, por instinto ela quase pode sentir a adrenalina correndo em seu corpo novamente, mas voltou a si no instante seguinte... Todos os olhares estavam voltado para ela, era a pior sensação que poderia ter, sabia que cada par ali estava lhe julgando, como já fizeram inúmeras vezes.
Procurou ficar mais ereta ao caminhar até o rei, mesmo que sentisse dor em cada um dos seus músculos ao fazer isso. Mas ela era uma espartana, não era? Ela era capaz de suportar qualquer dor mesmo que estivesse a ponto de desmoronar. Independente de qual fosse a decisão ela estaria altiva e de cabeça erguida.
-Sabe me dizer que animal é esse? - a indagação partiu o rei assim que estavam frente a frente, os olhos astuciosos dos éforos estudando a princesa como se fosse uma presa fácil para devorar.
-Apesar do tamanho incomum me parece um javali, meu senhor... - respondeu prontamente.
Os sorrisinhos de escárnio lhe acompanhavam, ela não se importou, estava acostumada com aquele tipo de tratamento.
-E você lutou contra ele? - continuou seu superior lhe rodeando calmamente.
-Sim, senhor. - afirmou mesmo que não tivesse completa ciência do que havia acontecido após horas de batalha, sequer sabia como havia retornado a Esparta ou sobrevivido, tudo era um enorme borrão em sua mente.
-Este javali não é apenas um animal comum... É o javali de Erimanto, o mesmo que Hércules capturou em um de seus doze trabalhos. - complementou Leônidas e Clarisse quase que em uníssono. - o javali é o animal representativo de Ares, o senhor da guerra e patrono de Esparta.
Clarisse estava tomada por uma sensação incômoda, mas manteve-se firme em sua posição como um bom soldado.
-Esta garota tem menos da metade da idade da maioria de vocês e mais coragem do que alguns jamais terão... - voltou-se ligeiramente aos éforos que se encolheram um pouco mais em seus assentos de destaque. - alguém aqui duvidaria que o sangue de Héracles corre nas veias desta semideusa ou acredita que ela é menos espartana que qualquer um de nós?!
Somente o crepitar das chamas era audível naquele momento, nem mesmo uma respiração mais pesada ousava romper-se entre os presentes.
-Ares a enviou no intuito de ser treinada e protegida e é assim que vocês retribuem?! Com desdém e desconfiança?! - o tom já não era dos mais amigáveis, mas sabia que era necessário. - o deus da guerra me incumbiu de entregar-lhe isso quando fosse merecedora e não há maior prova de coragem que esta à minha frente.
Leônidas aproximou-se novamente, colocando ao redor de seu pescoço um cordão de couro com um pingente escarlate muito bonito aos seus olhos... Era a primeira vez que ela tinha contato com algo diretamente ligado a sua metade divina.
-Preparem o altar para o sacrifício. - ordenou o rei enquanto a menina ainda parecia encantada e desacreditada do presente. - hoje teremos uma refeição em honra a Ares e a princesa de Esparta, por sua coragem e habilidade de enfrentar uma fera por muitos temida e retornar ao seu lar com honra.
Ninguém fez qualquer menção de contestar as palavras do rei e Clarisse recebeu as felicitações dos demais oficiais e companheiros. Apesar de estar exausta e mal se manter em pé, a garota fez questão de acompanhar Leônidas no ritual para retirar a pele do javali e oferecê-la ao Olimpiano. Normalmente caberia a Mark aprender os ritos religiosos de sacrifício, afinal ele seria o futuro rei, entretanto seu tutor repassou pacientemente tudo o que sabia.
Após um árduo trabalho, a pele grossa e escura do javali de Erimanto foi ofertada pela própria Clarisse, ainda tinha rastros de sangue, entretanto quem sabe dessa forma poderiam apaziguar a possível ira do deus da guerra.
-Todas as homenagens a ti, Ares. O mais corajoso dos Deuses! - pronunciou aquilo que sempre escutada o seu rei falar. - Óh Deus Guerreiro, me conceda força, que me dê coragem, me guie com tua proteção hoje e sempre!"
A pele foi consumida pelas chamas, dando a semideusa uma estranha sensação no peito ao sentir o cheiro completamente atípico, que nada se assemelha ao de carne ou pelo queimando, era a primeira vez que fazia uma oferta ao seu pai.
-Obrigada pai... - sussurrou ao direcionar os olhos ao monumento mais imponente de Esparta, a estátua de Ares acorrentado.
Fim do capítulo
Então meus queridos, o que acharam? Tivemos aqui mais uma pequena passagem de tempo e realmente espero que tenham gostado apesar da galera andar meio desanimada e tal.
O senta que lá vem historia hoje é bem curtinho:
*Apesar de não ser uma pólis conhecida por seus monumentos acredita-se que Espata tinha uma estátua de Ares acorrentado, para que o espirito guerreiro jamais os abandonasse... O mesmo acontecia em Atenas, no caso uma estátua de Athena Nike, a deusa da vitória.
Um forte abraço a todos estava com muita saudade e espero nos vemos em breve!
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HelOliveira
Em: 27/01/2021
Minha Clarisse só orgulho, quanta honra hennn ela merece.
Parabéns adorei o capítulo.
Bjos até o proximo
Resposta do autor:
Tem como não amar a Clarisse? Impossível não é?!
Ela se esforça de todas as formas possível para ser e dar o seu melhor.
Obrigada por sempre estar comentando e apoiando este longo projeto. Um forte abraço e até logo.
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