CapÃtulo 7
O CASAMENTO
A tarde caía. O sol ia se despedindo do universo deixando envolto em cores maviosas. Os pássaros presenteassem o fim de tarde com uma sinfonia de causar inveja as grandes orquestras e os noivos abraçados apreciavam aquele entardecer, embevecidos pelo amor que os unia. Afonso olhava da janela de seu quarto o enlevo do casal e sentia seu corpo estremecer num sentimento de ódio quase incontido, deixando sua mente divagar no plano que arquitetava para separar seu tio de Amália. “Será minha Amália e de mais ninguém, eu juro... ainda terei seus beijos e seu corpo será pelo meu coberto com esse desejo latente que pulsa em mim” – e pensando isso levou a mão a seu órgão masculino que latej*v* imaginando a cena.
A noite já cobria todo sertão cearense com seu manto estrelado quando Ambrósio tomou Amália num beijo de despedida.
— Amanhã não mais me despedirei de você, meu amor.
Ela sorriu.
— Entre, - respondeu Amália, que sorriu ao ver o rosto de Endy que batia suavemente na porta.
— Como dormiu essa noite? Espero que tenha sido muito bem, pois hoje o dia será intenso. – falou Endy se aproximando da cama com uma bandeja com café e algumas guloseimas.
— Endy... por favor, não precisava, não me mima como faz Jussara.
— Hoje é seu grande dia e merece todos os mimos, venha comer. O que houve? Que semblante carregado é esse?! – indagou Endy percebendo que a amiga não estava bem, como devia.
— Vi Afonso logo cedo, ele parecia espreitar pela janela, como se estivesse a me vigiar... oh meu Deus, me livra desses pensamentos e desses sentimentos que me fazem tão mal...
— Amália, ouça o que vou lhe dizer Afonso não lhe fará mal. Não há o que temer. Agora deixemos essa conversa de lado. Hoje o dia será cheio de afazeres, não deixe que pensamentos infundados mesclem a alegria desse dia. Hoje é o dia mais feliz da sua vida, e nada e nem ninguém poderá lhe roubar isso. Agora coma.
— Você está certa. Não vou permitir isso. Vamos tomar café e cuidar dos afazeres, venha coma comigo também.
O vestido de Amália em estilo rococó era deslumbrante branco com mangas longas e transparentes, deixando a mostra os ombros. Da cabeça descia um véu que trazia pedrinhas brilhantes e coloridas, descendo pela calda com flores desenhadas com pérolas pequeninas e fios amarelos trançados com fios dourados.
A tarde caía. O sol coloria todo horizonte avisando que a hora da cerimônia aproximava-se. Amália estava linda. Os cabelos presos ao alto da cabeça, adornados com uma tiara de ouro. Em seu pescoço um lindo colar, com um pingente em forma de coração, gravado o nome de Ambrósio ao lado do seu. Seu rosto carregava leve maquiagem, dando a ela um ar mais maduro.
Na capela Ambrósio esperava ansioso. Os bancos estavam todos ocupados pelos convidados que também vibravam alegremente pelo enlace do homem que ali esperava a noiva.
Endy usava um vestido verde estilo gótico. Os cabelos longos desciam pelas costas. E Jonas trajava um belo paletó azul e calça preta. Os padrinhos de Ambrósio era Jussara e Fagundes, seu amigo e contador financeiro.
Ambrósio em um fraque azul turquesa, esperava a entrada de Amália que não demorou a adentrar a capela conduzida pelo braço de Sebastião, onde a música Ave Maria orquestrada enchia o ambiente.
O padre Messias falou do valor do casamento, da união das almas. Falou do respeito que um devia ao outro, do compromisso da fidelidade. Fez uma leitura das escrituras sagradas, que falava que não separe o homem, aquele que Deus uniu. E finalizou declarando os dois marido e mulher, dizendo que Ambrósio podia beijar a noiva.
Chuva de pétalas de rosas brancas, amarelas e vermelhas descia sobre os dois. Ambrósio cobriu com os seus lábios, os da mulher amada.
O salão de festa estava ricamente decorado. Pequenos buquês de rosas amarelas, brancas e vermelhas, ornamentavam as mesas. A um canto do salão um bufê tomava conta do espaço agradando o paladar de todos os convidados que teciam elogios.
Amália circulava pelo salão de braços dados com Ambrósio que sentia-se naquele instante o homem mais feliz do mundo.
Marcela sentada ao lado de seus pais e de Eustáquio, seu irmão, não dizia nada. Apenas admirava o olhar apaixonado de Ambrósio em direção à noiva, desejando que um dia alguém a olhasse daquela maneira e pensando assim, observou que Luís Miguel também havia sido convidado.
Afonso seguiu até a mesa onde Marcela e seus pais estavam, era amigo de Eustáquio, o filho mais velho do casal. Eustáquio levantou-se abraçando o amigo, pedindo que ele fizesse-lhes companhia por algum tempo, o que ele aquiesceu de bom grado. A companhia do jovem fez Marcela sentir seu corpo estremecer de maneira estranha, quando Afonso tomou sua mão e beijou em cumprimento. Nesse instante o olhar de Luís Miguel cruza com o dela, que a cumprimenta com um leve menear de cabeça.
— Está mais bonita agora Marcela, do que quando fui embora, - falou Afonso percebendo que a moça olhava em outra direção.
— Obrigada, - disse Marcela.
A música suave convidava a dança. E Luís Miguel seguiu para a mesa onde estavam os pais de Marcela, que sorriu sentindo seu coração acelerado com a aproximação do homem.
— Boa noite, - disse Luís Miguel cumprimentando Fagundes e a todos que estava a mesa, — eu posso ter a honra de uma dança Marcela? O senhor permite senhor Fagundes?
O pai de Marcela sorriu e meneou a cabeça de maneira positiva. Luís Miguel conduziu Marcela ao salão e a enlaçou suavemente pela cintura. Seu coração acelerou e ele preferiu não perceber o que ele queria lhe dizer com aquilo.
— Obrigada pela dança, - Luís Miguel sorriu, — posso abusar e pedir mais uma?
— Quantas o senhor desejar...
— Posso lhe pedir um favor Marcela?
— Sim, pode sim, farei sem pestanejar se estiver ao meu alcance.
— Não me chame mais de senhor, gostaria que me chamasse apenas de Luís Miguel, - e sorriu. O coração de Marcela acelerou e ela consentiu com o pedido dele.
A festa encerrava e os convidados seguiam para casa. Luís Miguel tomou a mão de Marcela e beijou suavemente em despedida.
— Maria Luísa sente sua falta... – e seguiu deixando um sorriso a estremecer mais uma vez o corpo da mulher que nada disse.
Ambrósio tomou Amália em seus braços e a levou para seu quarto. Seu corpo tremia com toda aquela emoção. Os lábios de Amália tocavam os dele, fazendo o homem apaixonado sentir o céu em si. A pele perfumada e nua de Amália sentia o toque suave das mãos do homem apaixonado, que amou a mulher como se ela fosse sua própria vida.
No dia seguinte Ambrósio e Amália seguiram viagem em lua de mel, onde ficariam fora durante dois meses ou mais.
— Jussara, minha querida, obrigada pelo carinho...
A negra recebeu o abraço de Amália e sorriu.
— Endy eu sou muito grata pelo seu amor e carinho. Jonas levará você para casa. – falou Amália abraçando a amiga.
Endy abriu a porta de sua casa. O cheiro de mofo parecia querer fazer moradia ali e ela abriu as janelas, quando alguém bateu palmas lá fora. Era Virgínia.
— Oh entre, Virgínia, que surpresa agradável! Não repare o cheiro de mofo que exala, estive fora muitos dias. Mas, já passa, - e abriu todas as janelas.
— Como foi a festa de casamento? – perguntou a jovem sorridente abraçando Endy, que também sorria, respondendo:
— Muito linda! Venha, entre, sente-se. Por que não foi? Seus tios estavam lá....
— Não me sentia bem. – ponderou a jovem adentrando o espaço da sala.
— O que houve?
— Indisposições de mulheres, nada demais. Mas, não vou me demorar, eu vim apenas lhe dar um abraço e saber como foi a festa para você!
Virgínia despediu-se e seguiu. Endy seguiu para o banheiro no desejo de refrescar-se do calor e da poeira da estrada.
O sol já se despedia do universo, quando ela terminou seu banho e ouviu um chamado lá fora. Endy abriu a porta e se deparou com Arnoldo.
— Endy... posso lhe falar um momento? Não se recorda de mim?
A professora buscou em seus registros mentais a imagem do homem e percebeu que tinha lhe visto algumas vezes na fazenda onde viveu com Alexandre.
— Pode entrar, - respondeu Endy. — Sente, por favor, deseja um suco?
— Sim e agradeço, o calor está muito grande.
Endy trouxe o refresco, entregou a Arnoldo que agradeceu e sentou-se diante o homem que elogiou o suco e começou a falar:
— Trabalhei algum tempo na fazenda do senhor Alexandre, fui indicado por um amigo dele, que me deu título de confiança para adentrar a fazenda. Você se recorda de ter me visto algumas vezes a serviço de seu esposo? Fui chamado uma vez no escritório e quando saí de lá me deparei com você que descia as escadas.
Endy respirou profundamente e meneou a cabeça de maneira positiva, deixando visível a sua insatisfação de falar em Alexandre, mas não disse nada e Arnoldo continuou.
— Eu sou irmão de Núria...
O semblante de Endy mudou. Lágrimas formaram em seus olhos límpidos como nuvens de chuva repentina num fim de tarde ensolarado. Ela levantou-se e serviu-se de um copo com suco, tomando o devagar tentando entender o que aquele homem dizia. E depois de colocar o copo em cima da mesa que ficava no centro da sala, ela voltou a se sentar.
— O senhor deve está enganado, Núria não tinha nenhum irmão. O senhor está aqui a mando de quem?
— A mando de Núria, minha irmã. Ela está viva.
“A mando de Núria, minha irmã. Ela está viva... a mando de Núria, minha irmã. Ela está viva... a mando de Núria...”
Endy abriu os olhos. Virgínia sorriu. Havia tudo sido um sonho?! Ela olhou para a porta e viu Arnoldo encostado, sentiu seu coração acelerar e ergueu-se da cama.
— Calma minha querida, - disse Virgínia que a ajudou a recostar-se sobre os travesseiros. — Você desmaiou, mandei chamar o médico...
— Mas, pelo que vejo a senhorita não vai precisar mais, não é? – indagava um senhor de cabelos e barbas brancas, sorridente.
— Doutor Matias... entre, por favor, - disse Virgínia.
— Não doutor Matias, eu agradeço, mas não vou precisar. Virgínia minha cara, acompanhe o médico até a sala e me deixe sozinha com esse cavalheiro. – e apontou para Arnoldo que sorriu em direção a Virgínia meneando a cabeça em agradecimento.
— Irmão de Núria?! Foi isso que o senhor me disse?!
— Pode me chamar de Arnoldo, Endy. Sim. Foi isso que eu lhe disse, sou irmão de Núria...
— E... ela... está viva?... Pelo amor de Deus, eu ouvi isso ou estou ficando louca?! – indagou Endy sentando-se na cama e empurrando os travesseiros. — Mas, Núria nunca me falou de irmão algum, falou de seu pai e que Alexandre era seu único parente vivo, visto que sua mãe tinha morrido antes mesmo de seu pai. Como pode você ser irmão dela?!
— A verdade é que ela não sabia. O pai de Núria, digo, o nosso pai conheceu a minha mãe antes, mas depois da gravidez ela desapareceu misteriosamente. Eu fui abandonado numa mata ainda pequeno e encontrado pelo homem que me criou. Tempos depois o meu benfeitor descobriu que Alexandre havia planejado tudo.
Endy ouvia atentamente e estupefata o relato do homem que continuou sua narrativa, após pequena pausa.
— Então fui trabalhar na fazenda no desejo de conhecer a minha irmã e lhe proteger de um perigo que eu sabia que ela corria, meu benfeitor conhecia Alexandre, sabia do quanto ele era ardiloso. Quando ele se casou com você levou Núria para morar com ele, no intento de cuidar de todo o patrimônio que ele acreditava que nosso pai havia deixado para ela. Alexandre descobriu que o que meu pai tinha deixando para Núria era muito menos do que ele almejava. Então com o tempo ele passou a desconfiar do sentimento que unia vocês. Eu fui trabalhar com ele que me deu ordens expressas de manter vocês vigiadas ostensivamente. Jorge também tinha sido contratado com a mesma finalidade. Com o tempo ele e eu fomos nos tornando amigos e soubemos que nós dois estávamos ali com o mesmo propósito de proteger vocês. Alexandre estava cada dia mais enfurecido e ao descobrir por um funcionário da fazenda sobre o encontro de vocês na cachoeira, ele tramou a morte de Núria e Mirna. Seu desejo era deixar você completamente sozinha e desamparada. Então viajou com você para Portugal e deixou-nos incumbidos de dar fim em Mirna e Núria. Forjamos um ataque a carruagem que conduzia as duas para a cidade e Jorge fez o enterro sem que ninguém visse o caixão aberto, alegando que o estado das duas era lastimável. E eu segui com elas para longe.
— Núria... está viva? Mirna também?! Oh meu Deus! O que você está me falando Arnoldo? E onde elas estão? Como elas estão?
— Numa cidade próxima a São Paulo, tivemos que nos esconder para a nossa segurança. Meu desejo era buscar você, mas Núria foi acometida de uma doença e tivemos que buscar recursos fora do país, com a ajuda do meu benfeitor. Quando voltamos, Alexandre havia morrido e você saído da fazenda. Passei anos a sua procura e hoje estou aqui a lhe relatar tudo isso.
Endy abraçou Arnoldo em prantos. Ria e chorava agradecendo a Deus por tamanho milagre.
— Meu Deus! Arnoldo como eu estou feliz! Quero ir até elas, estou ardendo de saudades e agora entendo porque nunca deixei de pensar nas duas. Quando poderemos ir? Meu Deus! Virgínia... – ela chamava indo em direção a sala onde a amiga ainda permanecia.
— Quando você puder. Ou se desejar, por conta de seu trabalho, eu posso ir buscar a minha irmã e Mirna que aguardam ansiosas por notícias.
— Talvez seja melhor, Amália está em lua de mel e não tenho como deixar a escola somente por conta de Virgínia. Vá o quanto antes, oh meu Deus! Como posso lhe agradecer tamanha benção?! Arnoldo como eu lhe sou grata! Você salvou a vida das pessoas que eu mais amo.
Arnoldo sorria diante a alegria de Endy que abraçava Virgínia com o rosto molhado pelas lágrimas que desciam abundantes de seus olhos.
— O que houve Endy? Por Deus, porque chora assim?!
— Esse é Arnoldo, ohh Virgínia, que notícia maravilhosa ele me trouxe. Núria e Mirna estão vivas... Ele me deu esse presente, salvou a vida das duas mulheres que tanto amo.
Virgínia abraçou a amiga sorrindo e chorando ao mesmo tempo, pela emoção que foi acometida, recordando o sofrimento que Endy sentia cada vez que falava das duas mulheres que supostamente estavam mortas.
— Por Deus, como foi tudo isso?
E Endy relatou tudo o que acabou de ouvir de Arnoldo que se despediu dizendo que partiria no dia seguinte em busca das duas.
— Nunca vou poder agradecer o que fez Arnoldo. – disse Endy abraçando e se despedindo do irmão da mulher amada.
Depois de mais algum tempo conversando com Endy, Virgínia seguiu para casa sentindo seu coração agraciado pela a alegria que o jovem havia trazido ao coração de sua amiga.
A noite era silenciosa. Na casa grande da fazenda de Ambrósio, todos dormiam menos Afonso que sentia seu coração macerado pela saudade que sentia de Amália. A razão e a loucura separavam-se pela linha tênue, no ser adoecido de Afonso, que passava os dias a pensar, “preciso encontrar uma maneira de ter Amália comigo para sempre, não posso perder essa mulher que tira o meu sossego. Não permitirei tio, que o senhor leve a melhor, Amália será minha, para sempre,”- e andava de um lado para outro, coçando a cabeça, demonstrando o seu grau de alucinação que parecia lhe acometer.
O dia amanhecia e Jussara estava envolta com seus afazeres, queria deixar a casa ainda mais bonita para o retorno de Ambrósio e Amália. A chegada de Afonso fez o corpo da mulher estremecer de maneira desagradável, como se estivesse a lhe avisar sobre algum perigo iminente.
— Bom dia Jussara. Estou de volta, confesso que não desejava o retorno, mas a conselho médico tive que retornar, - falava Afonso que havia se ausentado por alguns dias da fazenda.
Jussara seguiu o jovem até o quarto de hóspede e lá arrumou seus pertences novamente. Sentindo o coração descompassado, Jussara rezou mais uma vez, pediu aos orixás sagrados que enviassem os protetores da ordem e da justiça para todos que ali viviam.
— Quando meu tio retorna Jussara? - perguntou Afonso, cortando um pedaço de bolo de milho que Jussara acabava de colocar na mesa.
— Dentro de uma ou duas semanas.
— Eu quero explicar a ele tudo o que o médico me pediu, será por pouco tempo. Estou ainda fraco dos pulmões, embora tenha tido uma melhora. Preferia ficar na minha casa, mas infelizmente não posso você me entende, Jussara?
— Sim. E seu tio também entenderá. E sendo o homem bom que ele sempre foi não se furtará em lhe dar guarida.
Afonso coçou a cabeça. Seu corpo sentiu um arrepio com a fala de Jussara. Sentiu ali naquele instante como se ela estivesse lendo os seus pensamentos e silenciou, comendo mais um pedaço do bolo.
A lua exibia-se majestosamente no céu, embelezando tudo sobre a Terra. As estrelas pareciam dar crias, multiplicando-se a cada minuto. Jussara olhava para toda aquela beleza, contemplando agradecida a Deus pelo dom de poder enxergar. Depois de algum tempo ali, ela seguiu para seu quarto deitou – se e logo adormeceu.
Jussara libertou-se do corpo através do desdobramento e adentrou um lugar coberto de flores de várias cores. Ao avistar a jovem que vinha em sua direção, Jussara sorriu:
— Salve a sua força, cabocla Jurema, - saudou aquela jovem índia que sempre socorria-lhe em momentos de sofrimento.
— Salve a sua força, minha nobre Jussara. Salve Zambi! Que bom ter-te aqui comigo. Pedi a Oxalá para que permitisse o nosso encontro.
— Fico grata por isso. Sinto nesses dias meu coração oprimido e sinto que as sombras nos rondam, esperando o momento para o ataque, que não sei precisar ao certo de onde vem cabocla. Mas, sinto que a cobra traiçoeira aguarda para dar o seu bote fatal e estou angustiada, estremecida na minha fé.
— Firme teu pensamento na fé em Zambi e na proteção dos Orixás. Augusto encontrou-se com Amália e reconheceu nela a bela Aracele de outrora. Ainda está adoecido por toda a paixão que sentiu por ela, fazendo lhe intentar um plano para novamente separar de Ambrósio, a mulher amada. Mas, não julguemos minha cara, Afonso está adoecido e precisa do nosso amor.
Os olhos de Jussara estavam marejados, sabia que a cabocla Jurema tinha razão e que era preciso amparar a todos envolvidos naquela triste história que reportava desde período da guerra dos canudos.
— São momentos de grande aprendizado para todos, Jussara, e tu sabes bem disso. Acredite sempre na misericórdia Divina, pois que ela nunca nos desampara. Segue confiante, velando por Afonso também que tanto necessita do elixir da cura, que é o amor.
— Eu agradeço os vossos conselhos, cabocla Jurema. Confesso que a presença de Afonso na fazenda encheu meu coração de medo e angústia...
— Não te esqueça, Jussara, que somente passamos por aquilo que precisamos passar para o nosso aprendizado e que nada é injusto na lei de Deus.
Jussara ouvia atentamente cada palavra dita pela jovem cabocla, que finalizou:
— Agora, minha querida, vamos. E não tema. Deus está conosco.
Jussara cobriu a cabeça com um manto escuro, assim como a cabocla. A jovem índia tomou a mão de Jussara e seguiu como se voasse. Jussara sentiu seu ser arrepiar-se por inteiro quando adentrou a caverna lodosa, iluminada parcamente por tochas. Na porta um espírito, que permitiu a entrada delas, depois que tocou na mão da cabocla, que nada disse.
No espaço havia uma mesa de pedra, um banco grande, também de pedra, onde estavam sentados, sete homens. Cada um deles ostentava roupas de reis, ou o que havia sobrado delas. Cada um representava um poder dentro dos sentimentos ensandecidos da vaidade, do ódio, da vingança... Sentados em frente à mesa, havia vários espíritos livres do corpo, formando a plateia ávida pelo início daquela reunião. Jussara olhava a tudo, buscando o ensinamento para os dias de desafios que viriam pela frente.
Ao iniciar a reunião um dos reis, que se intitulava, ergueu a mão e o silêncio imperou no local que era algazarra.
— Tem a permissão de falar. – falou o homem dirigindo o olhar para Afonso que livre do corpo pelo desdobramento espiritual exprimia seu desequilíbrio emocional.
— Hoje estou aqui no desejo de agradecer a ajuda que recebi de cada rei. Encontrei Aracele, no corpo da bela Amália, esposa de Ambrósio, o maldito Fernandes. Não posso permitir que ela seja roubada de mim novamente, por isso estou aqui. Desejo ajuda para ter Amália comigo e que ela me ame. Quero que Ambrósio sofra o desprezo e a dor.
A turba ensandecida gritava! — Sofra, sofra, - e batiam palmas, fazendo o ar ficar ainda mais difícil de ser respirado naquele lugar fétido e mofento.
A cabocla Jurema a tudo observava. Jussara sentia seu coração acelerado pelo medo que intentava lhe dominar quando a cabocla segurou sua mão dizendo através da mente.
— Jussara minha nobre guerreira, tu sabe que o medo somente nos atinge se abrirmos a nossa porta. Fecha teu coração com a coragem e o amor do Cordeiro. Não tema.
Afonso continuou a sua rogativa, enquanto Jussara seguia o conselho da nobre e valente cabocla Jurema que voltou novamente sua atenção para o tribunal insano dos reis.
— Desejo que a justiça dos reinos se façam e que Amália retorne para os meus braços, onde é o seu lugar. Estou disposto a fazer o que for preciso para ter a mulher amada comigo.
E a turba ensandecida gritava por justiça, acreditando ser conhecedora desse sentimento. O rei ergueu a mão e o silêncio imperou novamente:
— Toda a ajuda lhe será dada, Afonso. Aqui somos uma irmandade, onde um ajuda ao outro. Estaremos contigo, auxiliando na organização do plano para levar Amália contigo. Não há o que temer.
Nesse instante a cabocla tomou a mão e Jussara e saíram discretamente, passando pelo espírito que fazia a segurança, que novamente tocou a mão da cabocla, com um leve baixar de cabeça.
O dia amanheceu e Jussara acordou. O sol começava a espreguiçar-se no infinito, deixando seus primeiros raios coloridos sobre o universo. Ela levantou-se e olhou pela janela e agradeceu a Deus por tamanha beleza. Seu coração ainda carregava resquícios do desdobramento e ela rezou, pedindo a Deus que fortalecesse a sua fé. Depois seguiu para a cozinha, onde começou a providenciar o café.
Endy abriu os olhos. A beleza do dia a fez verter lágrimas emocionadas por saber que em breve poderia contemplar tudo aquilo ao lado de Núria, “meu Deus! Não sei como agradecer toda essa felicidade que toma conta do meu coração. Saber que Núria e Mirna estão vivas é o melhor presente que eu poderia receber”, - e pensando assim levantou e depois de vestir-se seguiu para a escola. A algazarra dos meninos que seguiam em direção as salas fez Endy sorrir alto, abraçando Virgínia que disse:
— Eu estou muito feliz em ver você assim. Quando Arnoldo retorna?
— Acredito que nesse fim de semana. Estou ansiosa para ver Núria e Mirna, oh Virgínia, eu nunca pensei que isso fosse possível, mesmo tendo desejado tanto. Não vejo a hora de poder abraçar a minha amada...
— Eu imagino que sim. Que coisa mais abençoada, não é verdade, Endy? Núria e Mirna estarem vivas, é uma benção de Deus!
— É verdade, é mesmo uma benção de Deus. Virgínia, eu vou dispensar as crianças pelo dia de amanhã, acredito que Amália chegará e quero está na fazenda para receber minha amiga com um abraço. Você vai comigo?
— Claro. Vamos sim.
E as duas seguiram abraçadas e depois seguiram para suas respectivas salas.
O dia já findava. O sol ia se despedindo do universo lentamente, como se fosse uma velha alquebrada subindo uma ladeira. Endy sorria diante tamanha beleza das cores que bailavam no céu, como se fossem moças casadouras em busca de seus pares. Seguiu em sua carroça ao lado de Virgínia que sorria ao ver a alegria expressa no olhar da mulher que tanto queria bem. Ao se despedir de Virgínia, Endy segue para casa. O banho demorado refazia não somente as forças de seu corpo cansado pelo dia de labuta ao lado de seus alunos, como também suas esperanças de ser feliz novamente, com a notícia de que Núria estava viva. Seu corpo estremeceu num prazer a muito não sentido. Sua amada estava viva e logo seu corpo seria agraciado com seu toque suave e seus lábios beijados novamente pelo amor. E sorriu. Terminou o banho e seguiu para atender a porta, após se vestir.
— Endy... vamos comer uma torta na confeitaria, - era Virgínia sorridente. E as duas seguiram.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: