@mor.com por Carla Gentil
Capítulo 9
Quando Lupe saiu do apartamento de Laura, muitos sentimentos intensos a cegavam. Um pouco de raiva, uma dose de desejo, ciúmes intenso. Mas nada superava a dor. Da rejeição, do nunca poder viver o que ela passava os dias sonhando.
Caminhava apressada, sem um destino. Soluços abafados pela mão que ora secava os olhos, ora comprimia os sons que escapavam de sua boca. A vontade inútil de não existir, de não sentir...
Quando deu por si, estava na beira da praia. Sentou-se em um degrau da escada que levava à areia e abaixou a cabeça até os joelhos, a mão enterrada entre os cabelos. Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali, não tinha ânimo para se mover.
- Trouxe um suco pra você... – Laura falou encostando a lata gelada nas mãos dela.
- Sai daqui, Laura – respondeu virando o rosto para o lado contrário. – O que você veio fazer aqui?
- Sabia que ia te encontrar nesse lugar, bem do lado da nossa rede de vôlei.
Lupe ergueu os olhos para a praia.
- Nem notei que... Veio fazer o quê? – perguntou recobrando o ânimo. – Me falar mais da sua nova paixão?
Laura não respondeu. Olhou para a frente, contemplando o oceano. Pela primeira vez desejou desesperadamente estar do outro lado dele. Mas naquele momento não podia estar em outro lugar.
- Vim falar da gente – respondeu pegando à força a mão da espanhola e a prendendo entre as suas.
- Você nunca quis que existisse “a gente”, Laura. Por quê? Eu sou feia?
- Claro que não! – Laura respondeu sorrindo. – Você sabe que é linda, só cegas, ou gente de mau gosto, ou... Héteros invejosas não achariam você muito gata.
- Por que, então? Sou burra, é isto? Ou porque sou espanhola... Você não gostou da minha paella, é isto?
- Não, Lupe, não é nada disto. Não é nada com você, é culpa minha.
- “Culpa minha”! Me poupe, Laura! Falar que é culpa sua não vai ajudar em nada – contestou, voltando a chorar.
- Ei, não chora, vem cá... – aninhou-a entre seus braços após deixar a latinha já quente no chão. – Shhh... Não chora.
- Faz idéia do tempo que te espero? Você vai e volta, se enrola com um monte de mulher e eu estou sempre te esperando. Não ligo porque sei que não é nada sério. Você só dá um tempo pra elas... Mas pra mim... Você nunca deu uma oportunidade sequer, eu ia me esforçar... Mas não! Você não me deixa te mostrar...
Laura permaneceu em silêncio. Lembrando de quantas vezes precisou se controlar, se lembrar da importância que tinha a amizade daquela família. Lembrou-se que apesar do charme incrível de Lupe, nunca havia sentido nada além de carinho, amizade... E desejo por ela.
- Um dia, Lupe... Você vai encontrar alguém que vai te dar tudo o que você merece, que vai te amar muito. E você vai ser feliz...
- Pro inferno! – gritou, desvencilhando-se do abraço e caminhando de volta para casa.
***
Laura achou melhor não segui-la. Não tinha nada a oferecer, era melhor deixar o tempo agir.
Sentia-se sozinha como há muito não sentia. E desta vez não poderia buscar consolo na porta do outro lado do corredor. Não encontraria lá o que precisava.
Conectou então o MSN pra tentar falar com Sam antes que ela saísse com os amigos.
- Hei, Laura! Que cara preocupada é essa? – Sam perguntou assim que concordou em ligar a cam novamente.
- Nada demais. Não estou em um bom dia, eu acho.
- TPM ?
- Eu não me afeto com estas coisas! TPM é psicológico.
- Ah! Então, decididamente é TPM... Já reparou que as pessoas nunca dão o braço a torcer quando alguém fala que é por isto que elas estão alteradas?
- Eu não estou alterada! Grrrrrrr!
Sam caiu na risada. Realmente Laura não deveria estar em um grande dia, mas o mau humor dela era bem engraçado.
- Hum, acho que vou rosnar pra você mais vezes, se sempre ganhar um sorriso assim.
- Se você continuar rosnando, o máximo que vai ganhar é uma coleira anti pulgas... Mas é sério, Lau... O que você tem?
- Nada, não. Nada para você se preocupar.
- Não vou me preocupar, te prometo. Pode contar.
- Este seu olhar “Gato de Botas” é fogo! Não tem mau-humor que resista a ele, sabia?
- E você não parece estar de mau-humor, parece estar triste. Não tenho lá muita experiência com namoros, mas acho que li no “Grande Manual de Romances Lésbicos” que não se deve deixar a namorada triste, sozinha...
- Ah, você lê manuais de instrução! São raras as pessoas que leem! Minha garota é mesmo rara!
- E você vai mudar de assunto a noite inteira e não vai falar para mim, não é?
"Como eu poderia falar que estou triste porque uma pessoa queria entrar na minha vida e não tem espaço porque você tomou conta de tudo?"
- Você... Está se tornando muito importante pra mim, Sam. Independente se eu te conto meus fantasmas ou não, só de você existir, mesmo fazendo bico como agora... Só isto já me basta pra ficar melhor.
- Ah! Eu poderia te ajudar mais se você compartilhasse comigo, sabe... Mas não vou te pressionar, quando você achar que deve, pode falar...
- Posso te falar de tudo? – perguntou com ar maquiavélico.
- Pode... – respondeu alarmada.
- Hum, é que tem uma morena ai que... – Laura falou em tom de provocação.
- Pode, desde que não seja pra elogiar a concorrência! – respondeu em tom bravo, fazendo Laura cair na risada. - Mas é abusada, visse!
- Ah! Não fica bravinha comigo, não tem concorrente pra você!
- Olha só! Aprendeu a fazer o olhar “Gato de Botas”!
- Claro! Eu tenho muitas habilidades.
- Ah sim! Não podemos nunca nos esquecer destas suas famosas habilidades.
- Pois é, uma das minhas habilidades é a audição. Sabia que seu interfone começou a tocar muito antes que o seu celular, não sabia?
- Ah, nem estou mais com vontade de sair. Você está me deixando triste.
- Não, Sam! Está tudo bem, não deixe de sair com seus amigos, não. Aproveita, porque quando eu estiver por aí, você vai ser exclusividade minha.
- Ai, eles não desistem! Vou ter que descer mas eu te ligo mais tarde, está bem? E se você resolver falar, ou só falar alguma coisa, me liga.
- Só de você falar isso, já me deixa tão feliz.
- Hum... Mas é sério! Pode me ligar... Até a cobrar.
- Nossa! Isto sim é prova de amor! Tudo bem, vou ligar a cobrar pra você mais tarde pra gente ficar horas conversando. Agora vai, que este interfone está me enlouquecendo.
- Oxe! Vou bater em uns chatos abusados, hoje. Um beijo, Lau... Fica bem.
- Divirta-se, minha linda. Um beijão.
***
- Cambada de desesperados! – Sam saiu do prédio resmungando com seus amigos e já tomando o rumo do barzinho, seguida por Andréa, Virna e Gabriel.
- Que é isto Sam! O Arthur falou que você poderia estar dormindo e que era pra fazer barulho até você acordar – falou Virna, tentando fazer um ar de inocência.
- É verdade, ele instruiu... E como não era nada assim, muito desagradável de fazer, nós concordamos gentilmente com ele – Andréa emendou, rindo
- Eu, dormindo? Imagina, eu nunca durmo nesse horário. E o Arthur sabe disto.
- Ué, demorou por que, então?
- Eu estava... Ocupada.
- Ocupada... Sozinha em casa, no telefone não estava, que ligamos no celular e na sua casa mesmo... – Virna disse, franzindo o cenho.
- Ahhh! Você por acaso não estava... – Gabriel parou de sopetão, para exclamar agudamente no meio da rua.
- Não! Não quero nem saber o que você ia perguntar, mas não mesmo! Eu só estava conversando pela Internet com... Com a Laura – Sam gaguejou, não sabia se eles sabiam de Laura.
- Hum! Com a Laura, é claro!
- Oxe! Me perdi, quem é Laura?
- A namorada dela, Gabriel.
- Namorada dela? Credo, Sam! Até tu? To enrolado neste grupo, daqui a pouco até eu começo a gostar de mulher! Não tem ninguém pra falar de homem comigo!
- É cara, você que tinha que virar hétero, pra poder discutir mulher com a gente.
- Creeeedo! Só de pensar eu fico arrepiado! – Gabriel estava com cara exagerada de nojo, mas logo a curiosidade falou mais alto e ele se entusiasmou.
– Mas me conta este babado! Quem é essa que eu nunca vi! E olha que preciso acender uns incensos em homenagem a ela por ter amansado a Sam!
- Ninguém nunca viu! A Sam esconde da gente a sete chaves, nunca ninguém viu nem foto, mas está rolando uma lenda urbana que diz que é uma sereia de rab* azul e vive com os peitos de fora, só com uma estrelinha do mar tampando, e que tem uma voz de afundar navios no deserto e...
- E nada! Quanta abobrinha! Bem, exceto quanto à voz, ela tem uma voz de abalar mesmo! E é linda também, mas... Eu nunca vi, err – Sam titubeou ao olhar a reação espantada de Gabriel. – Eu nunca vi nada disto que vocês estão falando – completou enfática.
- Nunca viu o quê? O rab* da sereia?
- Ai céus! Dá pra voltar pra Terra? E quem foi que falou dela pra vocês, Virna?
- Seus olhos quando fala dela, o espaço que ela tem na sua agenda... Sua presença no msn, que nunca tinha existido antes... E agora, você não negou,
logo...
- Logo você jogou verde comigo, não é safada!
- Ah Sam! Todo mundo já notou que você está diferente. Muito melhor, por sinal.
- Ah, suas traíras! Ninguém me contou que era por uma mulher! E eu achando que ia aparecer um bofe novo na turma! Já estava até assistindo os jogos do Sport pro coitado ter o que falar nesse nosso meio tão feminino!
- Gabriel... Guarda a purpurina para mais tarde, amigo! Com este grito que você deu no meio da rua, nós podemos ser localizados por satélite, que é só seguir a mancha cor-de-rosa...
Assim, caminharam rindo e brincado, fazendo todas as perguntas absurdas que eram capazes de pensar, querendo saber detalhes sobre Laura. Sam, a princípio tinha pensado sobre o que falar, mas logo se sentiu à vontade falando de Laura. Ela realmente estava gostando muito do assunto. Mais do que seria sensato de gostar.
Logo chegaram ao charmoso barzinho de madeira e cobertura de sapê, à beira da praia. As luzes amarelas não muito forte davam um ar retrô ao ambiente, o som animado das vozes misturadas, ocultava, ligeiramente, a tentativa de uma bela morena de conseguir se afinar na música, do videokê.
Entraram animados, logo localizando Arthur, Fernanda e Gisele, que estavam sentados na mesa habitual deles, com duas garrafas vazias de cerveja sobre a mesa e as latinhas de refrigerante, das meninas. Arthur estava com ar de poucos amigos.
Os amigos comentavam que Arthur e Sam pareciam estar em uma gangorra. À medida que o humor dela melhorava e se tornava mais espontânea e sociável, mais Arthur se tornava taciturno e irritadiço, além de estar, comumente, exagerando na bebida.
- Oras, oras, que grupo mais animado! Ainda bem que vocês não ficaram com a tarefa de ficar esperando, talvez estivessem rindo menos – Arthur falou, com uma aparência não muito animada.
- Ah, mas se nós tivéssemos tomado duas cervejas enquanto esperávamos, estaríamos alegres sim! – Andréa mexia nas garrafas enquanto falava.
- Arthur, que história é essa que eu durmo e é preciso ficar apertando a campainha e telefone e... Até sinal de fumaça eles mandaram! – Sam falou enquanto se sentava.
- Resolveu, não resolveu? – com um exagerado assentimento de cabeça que Gabriel fez, Arthur continuou. - Então está tudo certo.
- Nossa! Que bicho te mordeu, hem rapazinho? Ah, eu adoro este lugar, todo mundo morde todo mundo! Estou louco pra ser mordido hoje!
- Por Zeus, alguém segura este menino que hoje ele está atacado!
- Pode me soltar que hoje eu estou abalando! Acordei pra arrasar.
- Ah, Gabriel, bebe e cala a boca, está parecendo que você engoliu um saco com gatinhos, fala feito homem! – Arthur já tinha enchido o copo do amigo e o passou para ele com alguma violência, derrubando um pouco do líquido na mesa.
- Qual é Arthur! Não me amarrota que eu to passado!
Sam olhava a cena mordendo a língua. Há dias tinha notado que Arthur estava com um comportamento estranho. Ele não tinha sumido, mas sempre estava seco e de mau humor.
Como ela era, até então, a rainha das respostas secas, sabia que ele tinha esse direito. Arthur sempre perguntava sobre Laura, sobre o que conversavam, sobre o tempo que passavam conversando. Ele estava se mostrando um belo curioso e ela descobrindo que gostava de falar, ao menos sobre Laura...
“Principalmente com Laura!”, pensou ao pegar o celular na bolsa e se afastar do grupo, sob o olhar atento de Arthur.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Monica Franca
Em: 16/05/2017
Tem mais hoje ????
Podia ter no mínimo mais dois pra alegrar meu dia. rsrsrsrsrsrs
Bjos autora maravilhosa.
Resposta do autor:
Seu desejo é uma ordem! Não vai ser por isso que seu dia não será feliz. O primeiro já foi, mais tarde posto outro :-)
Bjins, querida
Tatta
Em: 16/05/2017
Não sei, mas my feelings me diz que Arthur será um escroto nessa história... espero estar errada!
Resposta do autor:
Acho que o Arthur, nessa fase da história, ainda não está delineado. Quem, e principalmente, porque ele é, espero explicar nos próximos capítulos. Mas a história dele com a Sam vem de longe, são amigos de infância, ele frequentou a casa dela, agora é saber que tipo de relação era essa.
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Photographer_SP
Em: 15/05/2017
Boa noite! Cá estou mais uma vez ansiosa por mais um capítulo. Hehehe
Parabéns pela história, estou curtindo.
Sempre na expectativa desse namoro a distância!
Época do "MNS"
Parece que foi ontem, né? Mas o tempo passa. Hihi
Obrigada por nos proporcionar "alegrias em letras"
Resposta do autor:
E Orkut! Nossa, eu não saia do Orkut, aquelas comunidades foram um marco na minha vida. Eu tinha uma versão dessa história com os emoticons do MSN, vou até procurar pq deu saudade.
Beijins o/
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