CapÃtulo 3
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 3
Dias depois, Sônia caiu doente. Febre altíssima e delírios destruíram lhe a saúde e a beleza. Como a febre não cedia, transportaram-na para o hospital na cidade, mas foi tudo em vão; Sônia não aguentou, morreu.
Segundo o médico que a acompanhou, o motivo de sua morte foi tristeza. Sonia nunca teve problemas de saúde e sempre foi muito alegre.
O quadro depressivo de Sonia piorou quando meses depois, Luiz foi levado a julgamento e, por unanimidade de votos, foi considerado inocente.
Todos sabiam quem tinha sido o mandante e sabiam também que não poderiam contar com a justiça. Luiz Carlos Vargas deveria ser morto, mas também sabiam que isso não seria fácil.
A população revoltou-se e o impeachment do prefeito Paulo Santos, conhecido como Paulinho, foi aprovado. O juiz também foi transferido, e veio outro em seu lugar.
Daniela e Débora ficaram na casa dos avós. As meninas estavam destruídas. A dor era imensurável, a casa ficou um silêncio e uma tristeza infinita tomou conta de todos.
Daniela fechou-se em seu mundo, pálida, fitando o nada, em estado de choque abraçando a si mesma.
Mesmo com as mudanças, a luta pelas propriedades continuava, com muitos mortos e roças em chamas.
Mas diferente das outras vezes, os lavradores não baixaram a cabeça e começaram a se organizar.
-- É melhor sairmos dessa cidade Luiz antes que sobre para nós. A polícia está fazendo mais investigações e o cerco está se fechando.
-- Está com medo Anita? -- Luiz falou com ironia.
-- Não estou com medo. É apenas questão de estratégia. Retirar-se para se fortalecer.
-- Sei -- Luiz afundou-se em sua cadeira com ar abatido, a senhora Vargas tentou insistir, mas foi interrompida com rispidez -- Vá embora Anita. Vá e leve nossos filhos contigo. Quero ficar sozinho.
Anita caminhou até a saída, ficou parada, segurando a porta aberta, e olhando para Luiz sem dizer nenhuma palavra. Seu sofrimento era latente, mas estava lá, em suas entranhas, destruindo-o aos poucos.
-- Então fique aí sozinho remoendo as lembranças do passado.
Anita foi embora com a sensação de que aquela despedida seria definitiva.
Alguns dias mais tarde, Lauro bastante preocupado, procurou Luiz Carlos Vargas para lhe dizer que os lavradores estavam planejando a sua morte. Tentou convencê-lo a voltar para São Paulo e ficar por lá até que a poeira abaixasse. Luiz agradeceu pela preocupação, mas tinha planos e não voltaria atrás.
-- Vou visitar todas as propriedades da região, quero conversar com cada um deles individualmente. Farei uma proposta irrecusável, vou transferi-los para um local ainda melhor do que eles estão agora. E ainda ajudarei com o financiamento agrícola.
-- Será que não é tarde demais para isso, patrão?
-- Pode até ser Lauro, mas cansei dessa vida. Perdi a pessoa que mais amava nesse mundo. Nada mais tem sentido.
-- Se o patrão assim deseja... Vou preparar os homens.
-- Não será necessário. Dessa vez irei sozinho, desarmado, de mãos limpas.
Luiz despediu-se de Lauro e partiu. Naquele mesmo dia Luiz foi morto em uma emboscada, a caminho da zona rural.
A pequena Daniela continuava carregando consigo as dores dos traumas daquela fatídica noite. A garota estava tendo pesadelos constantes e quando eles vinham, corria chorando para o quarto da irmã.
-- Eu tenho tanta saudade da mamãe e do papai mana.
-- Eu também tenho Dani. Parece que essa dor nunca vai passar -- Débora passou a mão pelo rosto da irmã e sorriu -- Nós vamos vingar a morte dos nossos pais. Mesmo que isso leve dez, vinte, trinta anos, não importa. Não descansaremos enquanto não acabarmos com aquela família.
-- Isso mesmo mana. Eles vão se arrepender de tudo que fizeram com o papai, a mamãe e o Pedra -- selaram a solene promessa com muitas lágrimas nos olhos.
O tempo foi passando e a dor amenizou. O passado não foi esquecido, apenas ficou guardado.
Vô Timóteo e vó Dinda depois daquele dia nunca mais foram os mesmos. Ficaram desanimados e sem vontade de viver.
Venderam a propriedade e se mudaram para a cidade. Timóteo apesar das inúmeras ofertas que recebeu, por questão de honra, manteve a propriedade dos Pauly intacta.
Débora tornou-se uma adolescente livre, sem amarra social, e profundamente intensa. Com dezoito anos tomou uma decisão:
-- Vou embora, Dani -- disse com um sorriso amargo -- lamento não conseguir fingir que está tudo bem e seguir a vida feliz e conformada. Eu odeio esse lugar, odeio essa família maldita, odeio esse povo que é humilhado pisado e diz amém pra tudo.
Daniela sentiu-se abandonada.
-- Vai me deixar aqui, mana? E as coisas que me prometeu? Tudo que planejamos fazer contra os Vargas? Desistiu? -- o semblante de Daniela se escureceu.
-- Não desisti Dani e não vou desistir nunca -- abraçou carinhosamente a irmã e falou com profunda emoção -- Voltarei Dani, e juntas vingaremos tudo o que eles fizeram para o papai e a mamãe -- Débora completou, antes de jogar um beijo no ar para a irmã e sumir no mundo levando consigo além de todo o ódio do mundo, um segredo revelado no leito de morte da mãe.
Para Daniela os dias praticamente se arrastavam como se não houvesse fim. A falta dos pais, do Pedra e de Débora tornaram sua vida vazia.
Sua única alegria era a escola, lá ao menos conheceu varias crianças da sua idade. Fez novas amizades inclusive algumas que levaria para o resto da vida.
-- Que lugar lindo Dani.
-- Não te falei? Esse lugar é o meu favorito. Quando eu era criança vinha todos os dias aqui -- suspirou saudosa -- Eu e o Pedra.
-- Você ainda é uma criança, Dani -- Luiza revirou os olhos e sorriu.
-- Quando eu era mais criança, então -- concordou -- Senta. Essa pedra fui eu quem colocou aqui.
-- Que pena a outra pedra estar do outro lado da cerca.
A outra pedra era a que Matias sentava. Daniela lembrou com tristeza do amigo que dividia com ela o pão com Nutella. Infelizmente era um Vargas e os Vargas não prestam.
-- Você já comeu batata Pringles? -- perguntou Daniela.
-- Aquela da latinha? Já, minha mãe trouxe uma pra mim do Paraguai.
-- Mas essa era falsificada. A que eu comi era original, dos Estados Unidos.
-- Nooossa! Sério?
-- Sério. Um ex melhor amigo, me deu -- Daniela olhou em direção ao galpão e puxou Luiza pela mão -- Olha isso.
A porta do galpão foi aberta e um homem vestido de branco saiu com vários cachorros correndo em volta dele. Eram cachorros de várias raças e tamanhos.
-- Que demaissss... -- Luiza estava deslumbrada -- Que lugar é esse, Dani?
-- Essa é a propriedade dos Vargas. Eu não sei o que eles fazem lá dentro.
-- Eu acho que eles fazem criação de cachorro -- Luiza voltou a se sentar na pedra.
-- Até pode ser Lú. Juro que um dia vou entrar nesse galpão e matar a minha curiosidade. Grava o que estou falando.
Os anos passaram. Luiz Carlos Vargas Junior, o filho mais velho assumiu os negócios da família após a morte do patriarca. Com sua personalidade marcante, dura, decidida, e todas as responsabilidades que foi obrigado a aceitar, tornou-se um homem acostumado ao poder e a ter a última palavra sempre.
-- Deveria ter uma lei que não permitisse esse tipo de situação -- bateu forte na mesa.
-- Não podemos obrigar o velho Timóteo a vender o sítio -- Pedro o irmão do meio falou irritado -- Acho melhor você se conformar com isso. Estamos há anos nessa luta sem sucesso. Já encheu, deu pra bola.
-- Tá e o que fazemos? Diga-me -- levantou, e jogou o mapa sobre a mesa -- Esse sítio vai ficar quase no meio do terreno que vamos construir a empresa.
-- Pois vamos construir assim mesmo. Se, é ruim para nós, será bem pior para eles. Não querem vender para os Vargas, também não conseguirão vender para mais ninguém.
Então, mesmo sem ter conseguido comprar a propriedade de Daniel, Luiz Junior inaugurou em Canoinhas a filial da: "Vargas Indústria Farmacêutica".
Algo não se podia negar. A abertura da fábrica de Canoinhas foi um marco de progresso para toda a região.
A arrecadação da Prefeitura com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cresceu pelo menos 13% comparado com os anos anteriores. Segundo projeções da Secretaria da Fazenda do município,
Foram gerados 300 empregos diretos e mais de 200 indiretos. Praticamente todos os jovens da cidade, assim que terminavam o ensino fundamental não pensavam em outra coisa a não ser conseguir uma vaga na farmacêutica.
Pedro o vice-presidente da empresa examinava alguns papéis, de cabeça baixa.
-- Com licença senhor Pedro -- Yasmin pediu colocando timidamente a cabeça para dentro da sala.
Pedro levantou a cabeça e a encarou. Ele quase caiu da cadeira, de tão bonita que a achou.
-- Entre, por favor -- falou meio engasgado.
Ela caminhou sensualmente até a poltrona em frente à mesa de escritório dele. Era impossível não prestar atenção nela.
-- Sou Yasmin, funcionária do setor de Rh. É sobre a contratação dos novos funcionários. Gostaria de saber se posso autorizar o treinamento para todos?
-- Sente-se, por favor -- o perfume dela causava um efeito devastador nele -- Pelo que sei são todos jovens inexperientes.
-- Sim, por isso esse treinamento vai ter que ser especial e com muita cautela.
Ele perdeu-se nos encantos da bela ruiva.
-- Bom... Você quer um café? Uma água? -- disse ele já se levantando.
Yasmin, sempre foi uma mulher romântica, meiga e sonhadora. Sabia que era linda, mas odiava assédio. Morava em Santos com sua mãe e irmã. Séria e trabalhadora sustentava as duas mulheres que só pensavam em curtir a vida.
Esforçada e batalhadora estudou bastante para ser alguém na vida, pois nunca pôde contar com o resto de sua família para nada.
Aquele emprego na Vargas caiu do céu. Formada em administração foi admitida com facilidade no setor de Rh da empresa.
-- Obrigada, mas tenho pressa nessa autorização.
-- Claro! -- disse sem jeito -- Bom, então vamos ao que interessa -- disse ele sentando-se, enquanto puxava os papéis para assinar -- Onde assino?
-- Aqui senhor Pedro -- disse sorrindo com uma simpatia inocente.
Ela tinha um sorriso tão lindo, pensava enquanto assinava os papéis.
-- Ótimo. Muito obrigada senhor Pedro -- se levantou e caminhou em direção à saída da sala.
Pedro correu na sua frente até a porta e a abriu.
Yasmin ficou olhando surpresa para o gesto dele.
-- Obrigada -- falou num misto de vergonha e agradecimento.
Uma sensação diferente, um clima gostoso rolou entre eles naquele momento.
-- Aceita almoçar comigo Yasmin?
Vida que segue, naquele mesmo ano retorna a Canoinhas depois de longos anos, Roberta Barcelos, linda, formada em veterinária, profissionalmente bem capacitada e... Disposta abrir uma clínica em sua cidade natal.
Roberta na adolescência era recatada e inteligente. Sempre foi apaixonada por Mônica, uma amiga de infância. Um dia, durante uma festinha entre amigos, Roberta bebe além da conta e se declara à amiga.
E eis que, em um momento de loucura e desejo, as duas jovens se amam.
No dia seguinte Mônica finge não se recordar de absolutamente nada da noite anterior, e ainda humilha a pobre Roberta na frente dos demais colegas.
O acontecido se espalhou pela pequena cidade e Roberta encarou a discriminação e a revolta dos pais que não aceitaram de jeito algum a sua homossexu*l*idade. Foi então que Roberta tomou a drástica decisão: Saiu da cidade para estudar na capital.
-- O que você acha desse prédio dona Roberta?
-- O prédio não é lá essas coisas, mas o ponto é ótimo -- abriu e fechou várias portas, olhou teto, piso, banheiro e parou na sala principal -- Teremos que fazer algumas mudanças, mas nada de muito complicado.
-- Ótimo, providenciarei o contrato -- o corretor saiu sorrindo satisfeito.
Roberta parou na calçada e olhou ao seu redor.
-- O bom filho a casa volta -- deu uma gargalhada -- Canoinhas como mudamos hein?
"Precisamos aprender a amar todas as espécies vivas, aí sim teremos um mundo melhor e mais justo!" Marta Naufal Arruda - Petfeliz.
Fim do capítulo
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cidinhamanu
Em: 11/12/2017
No Review
Pipoca ramos
Em: 02/08/2016
Será que ouvir a autora dizer que o próximo é amanhã?😊😊,maravilhoso capítulo parabéns😙😙😙
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