Todos a minha volta me lançaram um olhar incrédulo enquanto o silêncio pairava por toda sala enquanto minha voz parecia ecoar por todo canto. Minha mãe me olhava com surpresa e descrença, Antoni arqueou as sobrancelhas enquanto os outros convidados alternavam em abrir a boca. Todos me olhavam, menos ela. Mantinha o cenho franzido e o olhar atento no prato a sua frente. Suas mãos estavam rígidas segurando os talheres e seu rosto estava tão vermelho que senti medo de que ela pudesse ter um ataque. Mamãe pigarreou voltando a atenção de todos a ela. --Parece-me que não sou a única surpresa aqui. Mas como havia dito interiormente estamos pensando em inovar nessa próxima coleção... A conversa recomeçou e a atenção antes voltada a minha acabou sendo dissipada. Vez ou outra um olhar mais atento me fitava. O jantar terminou sem maiores emoções fui em direção ao meu quarto quando uma mão firme tocou meu ombro. --Mãe? --Nós teremos uma conversa muito séria, mocinha. Agora não, minha cabeça está tão cheia que mal consigo ter uma conversa civilizada. Mas em breve você me dará explicações. Boa noite. Mamãe carregava um olhar desconfiado e decepcionado em minha direção, apesar de manter um tom de voz neutro. Assento com a cabeça, e ela se retirou para seu quarto enquanto entrava no meu. *** O dia amanheceu e com ele minha ida ao escritório, confesso que estava um tanto ansiosa aquele dia, pois conforme ouvi das secretarias Victoria voltaria de viagem, ela tinha ido a outro estado resolver questões relacionadas ao escritório. Nos não mantivemos contato desde a última vez que conversamos e confesso que queria vê-la contar sobre o que ocorreu ontem. Ouvir sua opinião, faze-la se orgulhar de mim por estar seguindo seus conselhos. Já era tarde quando estava na sala de Patrícia, nós duas arquivávamos processos enquanto colocávamos os assuntos em dia. --Soube que a sobrinha neta do Dr.Otávio vem trabalhar aqui. Para tristeza geral. --Por que diz isso? --Por que ela é a pessoa mais insuportável barra arrogante barra sonsa que conheço. E olha que nesse meio a competição é grande. --Não a conheço. --Sorte a sua. Sofri anos de bullyng nas mãos dela no colegial. RI sem me conter. --Falando em arrogância... --O que? --Olha quem vem chegando—disse Patrícia apontando a janela e mostrando o carro de Victoria adentrando o prédio enquanto ela descia elegantemente. --Achei que ela não viesse hoje. –falei com um sorriso no rosto. --Você é a única que fica feliz em vê-la nesse prédio, acredite. --Tenho que peticionar alguns processos, já volto. --Mas você não tinha feito isso de manhã? –Patricia me olhou desconfiada. --Sim, mas ainda faltam alguns. Já volto. Nem tive tempo de ouvir a resposta da Patrícia, logo sai apressadamente pelo corredor. Queria encontra-la o mais rápido possível, contar a ela todas as novidades, saber como tinha sido a viagem, enfim, eu precisava vê-la! Apertei insistentemente o botão do elevador que parecia demorar mais que o normal para abrir. Parece que quanto mais pressa eu tinha, mais demorava. Droga De repente vi as portas metálicas a minha frente abrirem lentamente, e pela pequena brecha que se formava já consegui identificar a silhueta conhecida. Suspirei contente e surpresa. Não esperava vê-la ali. --Vic! Seja bem vinda de volta! Ela me olhou indecifrável e só então a porta abriu completamente e percebi que havia várias pessoas com ela. --Dra. Victoria, senhorita Alice. Dra. Victoria. –falou friamente censurando minha conduta. O sorriso bobo desmanchou em meus lábios quando ouvi um risinho debochado de uma garota loira ao seu lado. Mal conhecia, mas já odiei. Dei espaço para que todos saíssem e Victoria, ou melhor, doutora Victoria passou por mim deixando uma ponta de frustração e aquele maldito perfume amadeirado que invadia todos os meus sentidos. Voltei a sala de Patrícia com o rabo entre as pernas. Nada pior que criar espectativas. --O que houve? --Nada. –falei me sentando e voltando a fazer o trabalho anterior. --Alice... --Sério, Patrícia, não é nada. Me olhou outra vez desconfiada antes de dizer. --Você sabe que eu sua amiga não sabe? --Claro que sei... --E que você pode contar comigo seja para o que for, não sabe? --Eu sei, Patrícia. Eu só ando confusa demais ultimamente, mas nada que você deve se preocupar. Tudo bem? --Você sabe também que eu te conheço o suficiente para saber que está mentindo descaradamente. Mas não vou te pressionar, uma hora sei que você vai desembuchar tudo isso. –piscou de olho pra mim e eu sorri sem graça. --Obrigada, amiga. ** Voltei para casa depois de sair do escritório, confesso que ainda frustrada, mas pelo menos aparentemente me obriguei a parecer bem, não poderia transparecer o que acontecia em meu íntimo. Estava dando bandeira demais, Patrícia mesmo parecia um tanto desconfiada com minhas atitudes, eu teria que ser mais discreta se quisesse manter minhas atitudes em segredo. Entrei em casa pela porta dos fundos. Quase anoitecendo e eu precisava comer algo antes de ir para a aula, já que havia passado o dia inteiro sem ingerir nada. Me deparei com Maria e Letícia conversando animadamente, o assunto versava sobre algo relacionado a receitas quando entrei. --Boa tarde. --Boa tarde—responderam em uníssono, Maria mais animada e Letícia visivelmente desconcertada. --Vai comer algo ou vai esperar pelo jantar? --Agora, se for possível. Sentei a outra extremidade da mesa, que era pequena mas evitava um contato maior com Letícia. --Acabei de fazer pão caseiro e suco, venha comer com Letícia. Máfia puxou a cadeira e não pensei em uma desculpa boa suficiente para não obedece-la. Sentei de frente com uma Letícia completamente constrangida que sequer olhava para mim, fitando a mesa a sua frente. No meu âmago sentia um gostinho de vingança, era uma sensação de poder, de que ela me temia. Querendo ou não Letícia estava em minhas mãos. Era quase inevitável provoca-la, sua posição de submissão aflorava uma vontade incrível de confronta-la das mais diversas formas. --Me passe o adoçante? Ela pareceu temerosa ao legar o objeto e entregar-me com as mãos ainda trêmulas e sem MS olhar. --Obrigada, tia. Percebi sua testa franzir levemente enquanto terminava de beber meu suco. Sai da cozinha mas ainda pude ouvir um suspiro aliviado e audível dela. Sorri. ** Estava procurando uma vaga pelo estacionamento lotado da faculdade, cheio de carros enfileirados que não deixavam qualquer brecha mínima, me questionado como eles conseguiriam sair dali sem bater. Vislumbrei uma vaga e acelerei, mas para minha derrota um carro chegou primeiro. Que droga. Parei o carro pronta para deferir um xingamento no motorista imprudente que quase me fechou só para ter a maldita vaga. Mas desisti quando vi o rosto sorridente sair do banco do passageiro. --Olá, ladra de vagas. Clara gargalhou enquanto levantava as mãos em rendição. --A culpa não foi minha, meu primo que não sabe dirigir direito. –falou se curvando sobre minha janela. Ela estava linda com uma saia apertada e uma blusa de seda que se moldava perfeitamente ao seu corpo. --Sei. --E então, não vai sair? --Sair só se for da faculdade. --Você não faz o tipo que mata aula... --Tudo tem sua primeira vez, não? Vem comigo. --Ta falando sério? –Me olhou confusa e eu revirei os olhos abrindo a porta do passageiro. --Uau que rebelde você. --Nunca duvide disso, mas não conte a minha mãe. Disse sorrindo. --Ok. Onde a senhorita quer ir então? --Qualquer lugar, escolhe você. Só quero sair daqui, relaxar um pouco. --Um lugar para relaxar, acho que sei. Vire a direita. –disse enquanto saímos do estacionamento. ** Clara me levou a um bar distante do centro, um lugar reservado e muito aconchegante, de onde estávamos na sacada dava uma vista privilegiada da cidade. --Não disse que era incrível? Conversávamos sobre assuntos aleatórios e conforme bebia o vinho mais risadas nos dávamos, na verdade apenas eu bebia, Clara se mantinha no suco. --É inédito te ver assim... --Assim? Assim como? –perguntei curiosa. --Relaxada, solta. --Quer dizer que normalmente eu sou chata!? -disse num falso tom acusador. --Não disse isso, apenas um pouco travada talvez. --Não gosta de mim quando estou ‘travada’ então? --Óbvio que não. Acredite em mim, gosto de você de qualquer jeito. Ela falou displicente e corou quando percebeu o que disse. --Não me entenda mal eu... --Eu realmente não entendi mal, relaxe. --Bom, você e Bernardo terminaram? Você sabe, nos corredores da faculdade se fala sobre tudo, é impossível distinguir boatos do que é real... --Nesse caso não é boato, estou solteira. --Lamento... Clara mentiu. Ela não lamentava coisa nenhuma. Como eu sei disso? O brilho no seu olhar e o simples curvar de seus labios me diziam isso. --Não lamente. Meio que quero aproveitar essa nova fase para experimentar outras coisas.—falei rodeando meu indicador na borda da taça de vinho e fixando meu olhar ao dela. --Coisas do tipo?—falou olhando a minha boca descaradamente. --Você sabe. --Realmente não sei. Acariciei os fios claros colocando atrás da sua orelha e aproximei meu rosto. --Talvez isso te ajude a descobrir. Bastou isso para sentir seus lábios macios e gulosos sobre os meus. ** Amar você é coisa de minutos… Amar você é coisa de minutos A morte é menos que teu beijo Tão bom ser teu que sou Eu a teus pés derramado Pouco resta do que fui De ti depende ser bom ou ruim Serei o que achares conveniente Serei para ti mais que um cão Uma sombra que te aquece Um deus que não esquece Um servo que não diz não Morto teu pai serei teu irmão Direi os versos que quiseres Esquecerei todas as mulheres Serei tanto e tudo e todos Vais ter nojo de eu ser isso E estarei a teu serviço Enquanto durar meu corpo Enquanto me correr nas veias O rio vermelho que se inflama Ao ver teu rosto feito tocha Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha Sim, eu estarei aqui (Paulo Leminski)

Fim do capítulo