Prologo - Quando o Tempo Parte ao Meio
“Quando o tempo se parte, o amor sangra em dois mundos. Ninguém volta inteiro do que não podia ser vivido.”
(Fragmento do Grimório de Noitebranca, pág. 713)
Ninguém voltou igual.
Foram apenas quinze minutos no relógio do mundo que conhecemos. Quinze minutos em que cafés esfriaram, semáforos seguiram seu ciclo e notificações chegaram a celulares que jamais seriam desbloqueados do mesmo jeito. Mas, no lugar onde o tempo foi torcido como uma serpente mordendo a própria cauda, passaram-se quatro longos anos.
Quatro anos sem magia.
Quatro anos em silêncio com o próprio dom.
Quatro anos em que Liana aprendeu a lutar sem feitiço, a matar com as mãos, a esconder o fogo que queria destruir tudo, inclusive ela mesma.
Foi lá que conheceu Juma.
Foi lá que começou a esquecer o som da risada de Elisa.
Foi lá que sobreviveu por instinto, não por esperança.
Juma era calor em noites frias, companhia em dias mudos, refúgio em uma realidade onde ninguém lembrava sequer como conjurar luz. Era também uma mentira e Lia só descobriria isso tarde demais.
A entidade que os aprisionou, Calíope, queria mais do que observá-los: queria ascendência. Uma nova linhagem. Um novo império. Usou Juma como isca, como ponte, como traço de humanidade entre o que era desejo e o que era dominação.
E ainda assim, mesmo após o retorno à Terra, Lia e Juma se reencontraram. Por saudade. Por hábito. Por culpa.
Mas o amor, se é que esse era o nome, nunca sobrevive quando dividido entre promessas não cumpridas e acordos feitos na escuridão.
Quando Lia finalmente cedeu ao toque de Calíope, o gesto selou mais do que um pacto de sobrevivência: selou a morte de Juma.
Ela se foi sem deixar bilhetes, mas Hope, a filha de ninguém, nascida de um ovo, criada por bruxas e oráculos, sentiu o grito se espalhar pelo ar como cinza.
Hope cresceu em semanas, como se o tempo obedecesse apenas a ela.
Hoje, ela sonha com o que ainda não aconteceu.
E sonhou com Elisa. Sozinha. Morrendo. Sangue nos dedos. Tentando proteger Lia.
A notícia chegou em sussurros. Primeiro nos olhos de Hope. Depois na ligação trêmula feita por Lia no meio da madrugada.
Elisa atendeu.
Ouviu.
E não disse nada.
Mas pela primeira vez, em muito tempo, ela sonhou também.
E acordou com a sensação de que ainda havia algo a perder.
Fim do capítulo
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