Grande momento para ser brasileira
Minha Nossa Senhora do Caminhãozinho Vermelho, como é difícil fazer as coisas, tocar a vida, trabalhar, mandar e-mails, responder mensagens e cuidar dos afazeres no meio de um julgamento que obviamente não sou ré, nem acusadora, nem defensora, nem mesmo estou presente no local, ainda que as vozes de juízes e advogados e promotores repercutam dentro de mim (e talvez na casa do vizinho também, inoportunamente estou cada vez mais surda, mas ainda escuto bem, no volume alto, claro). E é com som no máximo que acompanho esse momento emocionantemente histórico, enquanto a pilha de louça suja se avoluma e cresce cada vez mais dentro da pia, assim como minhas tarefas trabalhistas, obrigatórias, de ofício, fruto de contratos e aceites que dou, à moda Bruna Surfistinha: distribuindo, sem o menor pudor.
Em meio ao caos típico da vida de uma quase jovem trabalhadora e universitária que aceita bicos e tem dois empregos, ando tendo que encontrar tempo para saborear e degustar cada detalhe do que realmente significa ver, pela primeira vez na história desse país, militares sendo punidos no Brasil, sem parecer uma estudiosa de Direito ou uma influencer de justiça social no Instagram, especialmente quando a internet insiste em colocar em HD os ângulos mais dramáticos do julgamento do Bostonaro. Me delicio, em meio à minha simples rotina, vendo advogados muitíssimo bem pagos, trajando seus ternos caros, tremerem e suarem e falarem da sogra, de Humpty Dumpty e até do País das Maravilhas com o nervosismo estampado em suas caras de pau. Da minha mesa de trabalho, em meio às anotações e prazos, os vejo engolindo seco, tentando parecer sérios, como se a História tivesse realmente sido escrita com as narrativas deles, distorcidas sobre os fatos tão bem e fartamente divulgados, com base em provas que eles mesmo registraram. A galera da elite, sim, os números um de uma laia repleta de estúpidos. Pior: de golpistas, perigosos.
E entre uma mensagem não respondida, uma caneca de café que esfria e a lenta peregrinação das roupas sujas até a casa da vizinha, visto que minha máquina de lavar quebrou há uns dois ou três meses, percebo que, apesar de toda a confusão, da tragédia, do absurdo e dos caminhos involuntários que a vida insiste em me levar, existe algo profundamente encorajador nesse momento: ver, finalmente, que regras existem, que ninguém está acima delas, que a democracia pode, sim, funcionar mesmo quando aparenta ser tão frágil, e que cada ato de justiça, ainda que tardio, é como uma pequena luz acesa em meio à penumbra da História, observo e me satisfaço ao perceber que ainda vale a pena acreditar, que faz sentido que a gente siga cumprindo com nossas tarefas, e continue, com paciência e coragem, cuidando da vida e daquilo que está ao nosso alcance, porque, ao que tudo indica, é essa fé silenciosa que mantém o país em pé e a esperança viva dentro de cada uma de nós.
Deixando por um instante de lado todos os meus terríveis dilemas e conflitos e questões mal resolvidas, tenho me alimentado basicamente disso: de saber que a História caminha, mesmo quando tropeça, e que a democracia, firme em toda a sua fragilidade, semeia justiça nos recantos mais decisivos do nosso tempo. Grande momento para ser brasileira!
Fim do capítulo
Tá muito cedo pra beber?
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NovaAqui
Em: 03/09/2025
Só estou vendo os recortes, mas eles estão me deixando feliz
Ver esse bando de generais de dez estrelas que ficam atrás da mesa com o cu na mão na merda é a melhor parte
Vão ser condenados juntos com aquele ser perverso. Sem alma! Ladrão da pior espécie
Bom demais ser brasileiro nesse momento da história

caribu
Em: 03/09/2025
Autora da história
Que beleza, eu não tenho tanto autocontrole rs Paro tudo pra assistir e depois "foda-se eu" (como diria a diva Rita Lee), correndo atrás do prejuízo dos trabalhos atrasados rs
A falta de hombridade e coragem dessa gente é tanta que eles nem dão a cara no tribunal. Ficam mesmo atrás da mesa com o cu na mão, muito pífios!
Que a condenação seja longa o suficiente para desanimar os golpistas que estão fora do banco dos réus!!
Beijos!
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