A caloura
Passei no vestibular. O assunto é esse: virei universitária no auge dos meus 42 anos e meio de idade, em pleno 2025. Sou caloura em TI, um curso que nunca, jamais, em tempo algum, imaginei algum dia querer estudar. Sim, porque eu quis; escolhi um curso de Exatas, mesmo sendo de Humanas e encarei um vestibular disputando com pessoas que tinham a idade da minha filha, 25 anos depois de ter concluído o Ensino Médio. Foram muitas emoções e que duraram até o final: fui aprovada apenas na terceira e última chamada e para a quinta opção de polo — uma cidade que escolhi só porque o nome é divertido: Monte Mor.
Já fazia um tempo que eu vinha insatisfeita com a minha vida, desgostosa com a minha rotina e, principalmente, desesperada com a minha conta bancária. Faz alguns anos que insisto em manter uma empresa aberta e só eu sei os percalços pelos quais passei por causa disso, as várias noites em claro que tive que enfrentar, as tantas preocupações que povoaram minha mente atribulada dia após dia, por meses a fio. Em partes, não quis admitir meu fracasso porque relutei bravamente em abrir mão do sossego do meu home office, da praticidade que é trabalhar de casa, com a chance de simplesmente largar tudo no meio do expediente para tirar um cochilo, ou lavar louça, ou fazer qualquer outra coisa que não seja relacionada ao trabalho. Mas, no fundo, foi por uma questão de ego, mesmo. Foi por vaidade, confesso. Afinal, são poucas as empresas que sobrevivem ao segundo ano de existência, que dirá oito longos anos, que é o tempo que venho vivendo do meu próprio negócio.
A questão é que nem tudo sai como eu quero. Na verdade, quase nada é assim, a vida gosta de me atropelar, e me chacoalhar, e me sacudir sempre que tem oportunidade — e quando não tem, ela inventa. E se não bastassem as dificuldades financeiras que se agravaram na pandemia e pouco melhoraram depois disso, o mundo acompanhou recentemente o lançamento das tais inteligências artificiais, aquele tipo de tecnologia futurista que num primeiro momento a gente jura que vai melhorar nossa vida, mas no instante seguinte já nota que o robô, na verdade, veio é roubar o nosso emprego. Foi o que aconteceu comigo: o GPT roubou meus clientes — e olha que as IA nem sabem usar crase e usam vírgulas sem muito critério, entre outras aberrações linguísticas e gramaticais. Mas, vá lá, o bagulho é de graça, é rápido e, se duvidar, até escreve o trabalho para a pessoa, então quem sou eu na fila desse pão? Sou aquela que nota que algo deve ser feito, claro!
Meu primeiro impulso foi estudar design gráfico. Coisa simples, algum cursinho de internet, mesmo. Tenho uma cliente que sofre com o designer dela, percebi que podia ser algo que eu poderia assumir. Aí enquanto pesquisava onde estudar, uma amiga cantou a bola da Univesp, uma faculdade a distância, gratuita, no esquema. Aceitei o desafio, mesmo tendo apenas duas semanas para, minimamente, tentar estudar. Só que fiz mais do que isso: eu liguei para essa minha cliente e contei os meus planos, chorei todas as minhas pitangas e disse que não aguentava mais tanto sofrimento. Compartilhei com ela minha intenção de voltar a estudar, só de raiva, um curso que o principal intuito é ir atrás da IA que se diz inteligente. Mas reforcei que, caso não desse certo, faria designer gráfico e ia trabalhar com ela, em outro setor.
Naquela semana, a minha cliente tinha perdido uma funcionária. Por causa disso, pontualmente, ela estava mais desesperada do que eu, o que me levou a assumir o trabalho da menina que saiu. Dizem que emprego não cai do céu, mas esse caiu — e no meu colo, de bandeja, embrulhado para presente e com o meu nome no crachá, quer dizer, na etiqueta. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas os poucos dias que eu tinha para me dedicar ao vestibular viraram horas, que se transformaram em minutos e, no fim, não estudei foi nada. Nem tive tempo de ler inteira a prova do ano anterior! Por tudo isso, quase desisti. Também porque uma voz chata dentro da minha cabeça dizia que era tudo bobagem, que eu não tinha mais idade, que não sei Matemática, que isso e aquilo e mais um monte de coisa para me desmotivar e me incentivar a me atirar no chão e chorar, que nem criança fazendo birra dentro de mercado. Mas fui porque se não fosse eu sei que ia me arrepender. Tinha que pelo menos tentar, já estava tudo pago, eu já estava inscrita, que mal faria, não é mesmo?
No fundo, bem lá no fundo, lá no fundinho mesmo, eu sabia que ia conseguir. Mas na minha superfície havia milhares de convicções e bloqueios impostos por mim e criados por outras pessoas, que peguei para criar como se fossem meus. Traumas vieram à tona, com lembranças sofridas, dilemas que marcaram minha vida escolar, tudo junto, em forma de avalanche. Como dito, meu colegial (que nem se chama mais assim!) foi concluído lá em 2000 e nem naquela época eu acreditava em mim e no meu potencial. Tanto que não fiz nenhuma prova além daquela que me levou ao Jornalismo, em 2003, no ano em que minha filha nasceu. Talvez, agora sei, se eu tivesse arriscado era capaz até de ter conseguido. Mas isso jamais saberemos!
Prestei o vestibular, acertei todas as questões que eu sabia de português e também as de inglês (o que me surpreendeu bastante porque, na minha cabecinha, eu não “spiko” nada). Mas errei todas de Matemática. Errei todas de Física. Chutei errado todas de Química e só de Biologia que dei um pouco mais de sorte e acertei três chutes. Tirei 85 na redação e me senti ultrajada, insultada! Mas junto com metade dos acertos, fiquei exatamente no meio dos que disputavam uma vaga: 125 pessoas atrás de mim, 124 na minha frente. Bem mediana, o que no meu caso foi bem recebido porque é melhor estar na média do que simplesmente zerar, errar todas.
Depois da prova, foi quase um mês de espera. E eu chorei quando saiu a lista de aprovados porque, infelizmente, meu nome não estava lá. Também não estava na segunda chamada, mas dessa vez me mantive firme porque tinha muito trabalho naquele dia, nem deu tempo de dar uma choradinha. Aí desisti de tudo e me achei uma trouxa de querer algo tão fora do meu alcance, tão distante das minhas possibilidades. Me critiquei por querer “dar um passo maior que a perna”, como diria minha mãe, diante de qualquer coisa que eu fizesse ou me arriscasse.
Aí na sexta passada, eu estava aqui distraída com meus afazeres quando recebi um SMS (bem arcaico, sim. Agora é assim que as pessoas são avisadas, não tem mais aquela coisa de procurar nome em lista impressa). Quando já tinha jogado tudo para o alto, a sorte sorriu para mim. E não importa que eu fui literalmente a última aprovada da turma porque vou estar na sala junto com quem passou em primeiro. E está tudo certo!
Agora cá estou, me preparando para viver tudo de novo, com caderno novo, senha de e-mail institucional, grupo novo no zap e a certeza de que não faço ideia do que estou fazendo — mas estou fazendo assim mesmo. Comecei a fazer um curso online de Harvard de Ciência da Computação, para não chegar tão de gaiata no primeiro dia de aula, e já aprendi a escrever meu nome em números binários. Me sinto contente com todo esse universo que se abre diante de mim, depois que tomei a iniciativa de querer mudar, de melhorar, de evoluir.
Voltar a estudar depois dos 40 é como atualizar o sistema operacional com internet discada: demora, às vezes falha, mas uma hora vai. Pode ser que eu me irrite profundamente no primeiro trabalho de Cálculo, que me atrase em Monte Mor e que odeie metade dos termos técnicos, mas uma coisa é certa: vou viver tudo isso com a mesma intensidade de quem não tem tempo a perder. Porque não tenho mesmo.
A meta agora é aprender mais do que apenas códigos; quero decifrar tudo o que ainda me cabe viver. E, se conseguir, no final ainda vou comer o cu do Chat GPT.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:

NovaAqui
Em: 16/07/2025
Aê!
Parabéns pela conquista
E divirta-se com as exatas que não são tão exatas assim kkkkk
Muito feliz por você
Gostei do nome da cidade e fui pesquisar no Google
Apareceu o mapa, as cidades vizinhas, clima e tudo mais
E apareceu isto também:
"Em Monte mor refere-se à soma total dos bens, direitos e obrigações deixados por uma pessoa falecida, antes da dedução de dívidas e despesas do inventário. É o patrimônio bruto do falecido no momento de seu óbito"
Área do direito
Seja feliz na sua nova fase
Sucesso sempre
Beijão

caribu
Em: 18/07/2025
Autora da história
Grata, querida! Nunca tinha olhado Monte Mor no Google, até vc falar rs
Eu costumava dizer que queria morar lá, é uma cidade pequena, pacata e realmente com um nome que me agrada mto (falo sempre com o sotaque daqui rs)
Bora lá para esta nova temporada da vida! Que seja boa, amém!
Agradeço pelo carinho de sempre S2
Beijos!
[Faça o login para poder comentar]

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
caribu Em: 18/07/2025 Autora da história
Ouvi seus aplausos! Grata, sua linda! S2
Não sei se é força ou falta de opções que não incluam justamente ter que levantar, ter que sacodir a poeira e ter que dar a volta por cima!rs
Seguimos, né! Cada vez mais ousadas, porque a vida assim impõe!
Beijos!