Entre molas e moral
Agora é oficial: me rendi à prostituição literária (calma, eu me refiro ao sentido literário, não literal. Não assim, pelo menos, do jeito que você está pensando). A questão é que eu, que sempre fui contra escrever trabalho de conclusão de curso alheio, acabo de me render à tentação de faturar alguns reais em troca de uma produção acadêmica em uma área que nunca, jamais estudei. Cada uma caça com a arma que tem, fazer o quê...
Durante a pandemia recebi a oferta de escrever em troca de dinheiro pela primeira vez. Conhecida como “ghost writter”, a tarefa de escritora fantasma consiste basicamente em lucrar em troca de obras escritas com o máximo de desprendimento autoral porque a glória fica com quem fez o PIX, no final. Parece muito para uma reles mortal, mas não podemos esquecer que eu sou aquela que escreve com pseudônimo e usa foto de alce para se identificar. Dado o meu contexto, desprendimento poderia facilmente ser meu sobrenome, caso eu tivesse um na ficção do meu mundo. Como não tenho, sigo quieta, em caixa baixa.
Meu primeiro livro escrito nesse esquema foi técnico; um conjunto de estudos de caso na área de sustentabilidade empresarial. Foi bem interessante, aprendi bastante coisa, me despi de inseguranças típicas de um primeiro trabalho como esse e ganhei um bom dinheiro por algumas boas páginas bem escritas. De sobra, adquiri um olhar mais apurado numa cidade apinhada de prédios que se levantam com uma rapidez impressionante, sem respeitar nenhuma técnica ambiental.
O livro foi “escrito” por dois “autores” (entre aspas, é claro, porque embora tenha assinado um contrato de confidencialidade, sei que quem escreveu de verdade fui eu. E você agora sabe também). Um dos contratantes ficou tão maravilhado com essa possibilidade de escrever sem escrever, que na sequência me contratou para criar um romance para ele. E, depois, para produzir sua própria autobiografia.
Foram vários meses conhecendo um senhor que dizia não me entender. Afinal, como assim, posso ser alguém sem um traço de vaidade, como ele, por exemplo? Eu ria porque acho sempre interessante como as pessoas nos julgam usando suas próprias métricas. Mas o cara pagava bem, não foi exatamente um trabalho ruim, então nunca disse que eu não cabia na régua dele. Tem coisas que é melhor não dizer, especialmente quando se vive sob a ira e a mira do capitalismo.
Sou jornalista desde 2003, quando consegui meu primeiro estágio numa rádio, no primeiro bimestre do curso de Comunicação Social, bem antes de aprender a como fazer radiojornalismo na prática. A indicação veio de uma professora, muito querida, depois que escrevi um artigo em que defendia que a televisão deformava a cabeça do povão. Para contextualizar, naquela época internet era mato e ainda estávamos apenas na terceira edição do BBB – que foi inclusive o meu gancho para a conclusão. Vale mencionar que fui a única numa sala com mais de 50 alunos a defender esse tipo de opinião.
Desde então, o que não faltou foi gente me procurando para fazer todo tipo de trabalho textual, como se meu dom fosse, sei lá, algo sexual e, escrever, equivalesse a algum tipo esquisito de meretrício não literal. Como sempre pareceu antiético e errado em variados níveis, a vida toda eu recusei, dando a entender que meu “não” era um tipo de bandeira contra a corrupção.
Eu era um pouco bobinha quando mais nova!
Hoje em dia sou uma mulher adulta, cansada, com dor nas costas e um colchão no talo, que grita baixinho cada vez que me viro na cama, noite após noite, diariamente. O acúmulo e a experiência de uma vida bem vivida me ensinaram que ter ética é maravilhoso, mas não tão confortável quanto uma cama King Size. Porque este vem sendo meu objetivo de vida já faz um tempo.
Em minha defesa, quero dizer que me vender não foi uma escolha fácil. Mas, sejamos honestas, quem nunca se vendeu, ainda que apenas uma vez? Pelo menos eu vou entregar um texto bem escrito, vivo, com alma, vírgulas no lugar e uma consciência gritando baixinho no fundo das linhas: “tá tudo bem... podia ser pior...”.
Enquanto escrevo esta crônica, tenho diversas abas abertas com normas da ABNT e fotos de condomínios para idosos. Nunca estudei arquitetura. Mal sei diferenciar eira de beira, mas daqui a uma semana terei escrito sobre longevidade e acessibilidade como se fosse Benjamin Button, ou como se tivesse crescido num canteiro de obras.
A verdade é que, mesmo sem ter estudado, o assunto não deixa de ser interessante. Afinal, todo mundo envelhece querendo comodidade e bem-estar, e no mínimo um colchão sem molas cutucando os ossos das costelas à noite. Como ainda me faltam alguns anos para desejar o conforto de uma velhice digna, tudo bem ensejar o conforto de uma cama nova, por ora. No fundo, o que separa a beleza da ética no campo da teoria da praticidade que existe na vida real pode ser medido pela densidade da espuma de um bom colchão.
Fim do capítulo
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NovaAqui
Em: 20/06/2025
Dormir em uma cama maravilhosa vale esse trabalho
Total apoio
Quarta mesmo, precisávamos entregar um material no Recreio dos Bandeirantes. O carro do trabalho estava em outra entrega. Teria que ser entregue na quarta: :Chefe! Então! Posso levar a encomenda e depois vou para casa! Pode ser! Kkkkk"
A chefe topou na hora. Gastei meu combustível, mas saí cedo e não fiquei no caos que se torna o trânsito no Rio em véspera de feriado. Me vendi facilmente kkkkk
Depois posta a crônica da cama King size
Até!

caribu
Em: 23/06/2025
Autora da história
ahahah
É, amiga... a gente se vende por muito (ou seria por pouco?rs Já não sei mais rs)
Com certeza haverá uma crônica, quando chegar o dia da king size! S2
Inclusive, amanhã sai o resultado do vestibular que eu prestei. Torce por mim que, dando certo, haverá crônica sobre isso tb rsrs
Beijos!
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caribu Em: 23/06/2025 Autora da história
Pois é, a gente dança conforme a música...!
Beijos!