Zona de conforto
Sempre achei uma brisa o conceito de zona de conforto. Em geral, quando as pessoas falam sobre o assunto é quase sempre de modo positivo, otimista, até, como se quem sofresse optasse, deliberadamente, por ficar confortável. Porém, quase sempre o que ocorre é justamente o contrário, considerando que não existe aconchego algum quando de um jeito ou de outro ficamos acomodadas nessa chamada zona.
A imagem que me vem à mente quando reflito sobre o assunto não é a de um lugar macio e seguro, e sim a de uma cela de prisão. Ou, ainda, de um sofá velho, que se afunda conforme o passar do tempo, mas a gente insiste em sentar – porque dói levantar, porque a vida cansa, mas também porque acaba virando uma questão de hábito, puro costume. Sim, a gente se acostuma até com o que é ruim. Talvez aí haja uma fraçãozinha de bem-estar, mas não creio que ainda assim se aproxime de um conforto, de fato.
Não sei se acontece o mesmo com você, mas eu sempre tenho uma resistência enorme às mudanças. Talvez porque a vida já me obrigou a várias delas, especialmente nos últimos dez anos, e aí quando preciso me movimentar é um sofrimento sem fim. Tenho medo, receio, insegurança, preguiça, tudo junto... E ainda que haja resistência, no final acabo cedendo porque aprendi que é impossível ficar parada – e olha que eu tentei! Muitas e muitas vezes. Mas os dias me atropelaram como um rolo compressor e isso tornou tudo ainda mais difícil. Só por isso, sigo em pé. Reclamando, mas em pé, mesmo depois de tantas e tão dolorosas quedas.
E o que aprendi nessa longa jornada de tropeços é que não existe coragem sem medo nem mudança sem desconforto. O que chamam de “sair da zona de conforto” na verdade deveria se chamar “aprender a respirar debaixo d'água” porque ninguém sai ilesa, do mesmo jeito que ninguém se transforma sem antes se afogar um pouco. E se hoje ainda resisto diante de cada mudança, pelo menos já não finjo mais que a minha cela de prisão mental é confortável. Sei que não é. Nunca foi.
Também aprendi que o segredo não é gostar de mudar, mas aprender a conviver com a emergência das mudanças. Do mesmo modo, não é sobre ter bravura para alterar o rumo e o prumo, e sim estar cansada demais para continuar no mesmo lugar. Não se trata de um salto quântico; apenas pequenos passos que têm que ser dados, ainda que seu corpo e sua mente protestem em caminhar, dizendo que o melhor é voltar para o sofá.
A vida nos empurra mesmo quando a gente se recusa a avançar. Ela chega com seus prazos, suas contas, seus “acabou” e “agora se vira”. Aparece do nada com diagnósticos inesperados, com amores que simplesmente vão embora, com empregos que viram fumaça da noite para o dia. A gente pode até se recusar a ver, tentando reverter o impossível, mas as viradas bruscas aparecem de repente e não perguntam se você está pronta para avançar para outro patamar, completamente diferente de tudo o que já conheceu e viveu.
E aí essa violência toda, essa forma bruta com que o mundo age nos obrigando a seguir em frente, acaba impondo um verdadeiro paradoxo: o movimento dói, mas ficar parada pode ser fatal. E não é uma morte rápida, não! Na verdade é um processo bastante lento e doloroso, daquele tipo que começa com um “depois eu faço” e termina com “e se eu tivesse tentado?”.
O maior engano nisso tudo talvez seja acreditar que existe um momento certo para mudar. Como se a vida nos concedesse um tipo de aviso prévio, ou então um manual de instruções antes de nos arrancar do lugar que, mesmo machucando, nós já conhecemos tão bem. Mas a verdade é que as grandes transformações quase sempre nos tomam de assalto: sem hora marcada, sem piedade, sem considerar se terminamos o que vínhamos fazendo, ou a maneira como estávamos vivendo.
Possivelmente, o maior objetivo da vida tenha a ver com aprender a se desapegar. Seja das pessoas, seja das rotinas.
E todo esse meu desabafo se relaciona com o fato de eu ter perdido recentemente meu trabalho como revisora de texto para a inteligência artificial. Um dia, acordei linda e plena, e descobri que aquilo que fazia há anos, com tanto esforço e dedicação, agora é feito por linhas de código. Uma suposta inteligência que não cansa, não erra nem precisa de férias. E mesmo apegada ao meu ofício, como quem se agarra a um tronco no meio do rio, me vi solta na correnteza da vida de novo. Sem aviso. Sem manual. Sem a mínima consideração pelo tempo que investi em me tornar boa naquilo que me ajudou a me manter até aqui – inclusive financeiramente falando (principalmente isso). Irônica e drasticamente fui expulsa da minha zona de conforto por algo que nem mesmo é humano e que definitivamente não sabe usar crase.
E agora cá estou. Aprendendo mais uma vez a me reinventar. Com raiva? Sempre. Com medo? Às vezes. Mas também sinto uma espécie de curiosidade amarga se revirar dentro de mim: se até o meu trabalho pode virar um algoritmo, o que me impede de virar outra coisa também? Algo que nenhuma IA possa roubar, feita de tropeços, cicatrizes e uma teimosia ridícula de levantar mesmo quando o chão desaparece.
Sigo escrevendo. E me reescrevendo, agora de emprego novo e prestes a prestar vestibular.
Fim do capítulo
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Em: 25/04/2025
Do neida estamos de boa na lagoa e aí pah...a gente leva uma traulitada da vida. É fácil? Não. Dá raiva? Muita. Temos que seguir? Sempre. Então bora!
Digo e repito, caribu: você é a cara!
Não tenho dúvidas do seu sucesso nessa nova jornada.
Beijos, querida!

caribu
Em: 28/04/2025
Autora da história
Ah, sua linda! S2
Acho que eu seria capaz de reconhecer seus comentários, mesmo sem a sua assinatura.
Grata, como sempre, pelas palavras tão bonitas!
Como vc mesma disse: temos que seguir mesmo, então bora! É pra frente que se avança!
Beijos!
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Joanna
Em: 24/04/2025
E o pior é que desde que iniciou essa onda de IA, tenho visto cada vez mais erros ortográficos, em sites onde raramente observávamos falhas, evidenciando justamente a falta de revisão nestas páginas e sem mencionar a gramática.
Dificilmente a vida nos deixa por muito tempo nesta zona de conforto, ela sempre segue. Pode até ser bem distante de nossos sonhos, mas a vida segue seu caminho.
Boa sorte em tua jornada!
Abr

caribu
Em: 24/04/2025
Autora da história
Pois é, menina... Espero que esse excesso de erros sirva como prova de que as IAs não são tããão inteligentes assim!
Sem falar que escrevem sempre no mesmo padrão, né? Acho uma ironia eu já conseguir reconhecer qdo foi ou não escrito por humano, justamente quando preciso mudar de profissão...
Mas sim, a vida sempre segue, a gente querendo ou não, aceitando ou não. Literalmente não temos pra onde fugir.
Oremos!
Beijos!
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cris05 Em: 25/04/2025
Comentário de Cris05