R.
Eu estava em um avião para minha cidade natal quando pensei em escrever sobre você. Não uma história extensa, cheia de capítulos, mas um texto breve. Algo que, se um dia essa história despretensiosa chegasse até você, ambas se reconheceriam.
Na adolescência, quando me apaixonei pela primeira vez por uma colega de sala, senti uma mistura de euforia e pavor. Minhas mãos suavam só de perceber sua respiração perto da minha. Foi essa mesma vertigem que senti ao te ver pela primeira vez. Você era quase meio metro mais alta, e isso me tirava o fôlego. Mas não era uma anomalia — mulheres muito bonitas sempre me deixam sem ar.
O engraçado é que essa timidez, essa sensação de estar diante de algo grande demais para ser tocado, eu não sentia desde a adolescência. Medo de errar de novo, de ser pequena demais. Medo de que eu não fosse suficiente. Lembro de olhar fixamente para sua cintura descoberta enquanto você caminhava na minha frente, dona de um andar que imaginei que modelos teriam. E imaginar minhas mãos ali. E depois de mais alguns minutos, não eram mais apenas as mãos que eu imaginava estarem ali.
Nosso primeiro encontro foi um desastre. Me atrasei demais. O metrô, os cálculos errados que são inevitáveis quando você se muda para uma cidade tão grande sem saber como fazer uma baldeação, o tênis novo que me cortava os pés, mas era tão bonito que decidi encarar como o desafio. Você errou o caminho, e andamos mais do que devia até o bar de empanadas que você tanto queria conhecer na Fradique Coutinho. Eu estava chateada, talvez mais pela dor do que pelo desencontro. Mal prestei atenção em você, nem se quer provei a empanada. Engoli um suco de laranja que pedi no bar em um gole só sem te oferecer. Você lembra disso? Digo porque estou deixando detalhes e é importante que você saiba que é sobre você.
No fim, ainda te convidei para estender a noite com duas amigas minhas, a peça que faltava para completar o caos: São Paulo despejando água sem parar, uma das minhas amigas mais que inconvenientes fazendo uma piada sobre suas unhas grandes. Eu quis sumir, me lembro de olhar para a porta do banheiro e querer correr pra lá e esperar as coisas se acalmarem um pouco, mas fiquei, aos poucos foi tudo valendo tão a pena, e a gente tinha coisas em comum que eu não imaginei que teríamos. Te acompanhei até o Uber e desperdicei mais uma entre as trezentas chances que tive de roubar de você o maior dos beijos.
Nos dias seguintes, cada vez que eu fechava os olhos, sua cintura voltava a minha mente. Vi uma foto sua um dia desses, uma tatuagem no exato lugar onde imaginei minhas mãos por semanas. Ri sozinha, um riso quase indignado — porque agora, ali, eu não posso mais fazer nada além de deixar um like.
E então veio o carnaval. E de alguma forma que nem entendemos, nos tornamos amigas. Ficamos próximas sem saber direito como, eu até assumo essa culpa, eu talvez tenha dito em uma mensagem que estava gostando de ser sua amiga, a maior bobagem que eu já digitei. Dançamos nos blocos, flertamos bêbadas, dividimos cigarros, falamos de outras mulheres. Meu corpo suado encostado no seu ao som de Fullgás, da Marina Lima, e eu nem sabia cantar, mas cantei. Depois daquele dia, Marina Lima se tornou minha cantora favorita. E Fullgás virou a trilha sonora do meu dia mais feliz, um dia que, coincidência ou não, foi um dia com você.
"Vamos tomar um Negroni?"
Foram essas palavras que antecederam o nosso beijo, beijo que aconteceu por completa coragem engarrafada, eu jamais em plena consciência teria virado pra você e perguntado:
“R, você também quer beijar?”
Tenho uma foto escondida no meu álbum do celular, uma foto tirada naquele exato momento, obrigada, Su!, pelo clique. Lá estou eu, meus braços ao redor da sua cintura, exatamente onde eu os queria. Não vejo mais a foto, mas ela tá lá, acho que gosto muito mais da lembrança da sensação de você se abaixando pra que nossas bocas se tocassem, dos seus dedos longos nos meus cabelos, e da multidão de pessoas fazendo a gente ficar mais perto a cada segundo. Mas ter a foto torna tudo tão incrível, quem pode dizer que tem a foto do momento mais feliz da sua vida? do exato instante? eu posso dizer, R, eu posso!
Sussurrei um "vamos embora", e você concordou. Tenho fotos do caminho no uber, lembro das nossas mãos apertadas sem se soltarem para nada. Mas no escuro do quarto, quando a gente se deitou, quando era o momento de eu fazer todas as coisas que pensei, e olha como eu pensei…eu hesitei. Esperei um gesto seu, qualquer indício de que você queria tanto quanto eu. Mas ele não veio. Como uma adolescente, tudo outra vez.
Dormimos juntas. Tomamos café da manhã juntas. E foi só isso. Mas minha cabeça, ingênua e teimosa, esperava um romance. Imaginava conhecer seus amigos, sua família, a tia lésbica assumida, a tia lésbica não assumida, sua sobrinha, sua cachorra ladra de calcinhas. Mas eu sempre soube – sempre soube mesmo – que havia algo em você que te impedia de amar. E logo eu, que sempre fui aberta ao amor, estava ali, mais aberta do que nunca. Eu não sei dançar tão devagar quanto você! Queria que você falasse qualquer coisa que fizesse eu pensar que você sentia o mesmo.
Eu deveria ter falado sobre os meus sentimentos. Mas deixei as coisas deslizarem, um vento forte que foi se tornando muito ameno, depois nada. Gosto de saber que sua vida anda bem. Gosto de saber que sua cachorra ainda apronta. Gosto de saber de você. Às vezes eu penso, calmamente, não é como se eu quisesse aquilo tão urgente quanto já quis, é só um pensamento de que estávamos muito felizes. Eu te quis tanto.
O carnaval está chegando, queria você nos meus braços outra vez. Queria dividir um Negroni, rir das unhas grandes, dançar ao som de Marina Lima. E prometo – prometo – que agora eu tenho menos medo de você. Porque, desta vez, eu não quero um amor de adolescentes. Quero um amor de mulheres adultas.
Fim do capítulo
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