Odete, a otite por caribu
Odete, a otite
Dois mil e vinte e cinco chegou trazendo a tiracolo um problema que se arrasta desde antes do ano passado. Não fui ao médico, tampouco tenho um diagnóstico, mas a internet me instruiu quanto ao que pode estar me acometendo já há alguns meses e que se mantém neste ano novo: uma otite, segundo o Google. Como não sei se de fato este é o meu mal, tenho uma certa resistência quanto à sua classificação, então o chamarei de Odete. Odete, a otite.
Tudo começou depois que completei 40 anos de idade. Já faz dois anos, é verdade, mas só agora pareço ter as condições mínimas necessárias para avaliar esse curto período de tempo que representa transformações tão... colossais. Significativas, sem dúvida. Revolucionárias no sentido de gerar impactos no meu dia a dia nunca antes visto, como se o meu aniversário de 2022 representasse na verdade uma espécie de portal macabro por onde entrei sem perceber e que automaticamente fez com que eu perdesse o que me sobrava da minha pouca juventude, como um corpo 100% funcional, por exemplo.
Não vou entrar no mérito de ter ossos crocantes, que se estalam quando me abaixo, me levanto ou me alongo, nem investir uma porção de tempo relatando como o meu sono já não é mais o mesmo de outrora porque hoje o foco é falar de Odete. Minha companheira de ouvido esquerdo que me deixa um tanto surda já nem me lembro mais desde quando.
Tudo o que sei é que um dia acordei com a orelha parcialmente tampada. Provavelmente resultado de anos enfiando cotonetes que me geram uma satisfação única e genuína que, eu juro, chego a virar os olhos de tanto prazer. Aí, imagine, décadas socando uma haste com ponta de algodão até o fundo, quase até se perder na entrada do meu labirinto, uma hora ia dar ruim mesmo. O que me ocorreu foi totalmente previsível, uma tragédia absolutamente anunciada.
Como se não bastasse, tive a façanha de conseguir piorar o que já era consideravelmente ruim. Numa conversa informal num almoço de família, mencionei sobre estar mais ou menos surda e recebi um péssimo conselho que não apenas aceitei, como também embrulhei, enfiei no bolso e trouxe comigo de presente para casa: meu cunhado sugeriu um remédio e me pareceu uma boa a ideia de me automedicar porque ele me prometeu maravilhas com o tal de Cerumin. Disse que mancharia minha fronha, molharia meu travesseiro e que era bom até bom eu dormir com algodão no ouvido, para absorver a cera que, segundo ele, jorraria para fora de mim.
Ledo engano. O remédio, possivelmente usado de forma errada, cimentou o que carrego perto do cérebro, fazendo com que tudo à minha volta abaixasse o tom enquanto o som dentro de mim passasse a ecoar muito mais alto. E olha que não me refiro aos meus pensamentos que, ainda que gritem, não conseguem ser mais barulhentos que os ruídos da minha própria mastigação, entre outros sons que eu nem sabia serem passíveis de escutar.
Odete chegou na minha vida de mansinho e sem pedir nenhum tipo de licença se instalou, como se fosse uma espécie de inquilina literalmente silenciosa e incontestavelmente tóxica. Desde então Odete vem se apossando da minha sanidade sem que eu necessariamente note, trancando portas e fechando as janelas para os sons mundo. Odete é daquele tipo de mal que faz mal, mas que mesmo assim a gente se acostuma, chama de “nossa” e dá até nome, tamanho o apego. E há vários tipos assim, como dores que vamos acomodando e variados formatos de mal-estar que relevamos só porque temos preguiça de lidar. O corpo não deixa de funcionar diante de uma otite, uma dor de dente ou um latejar constante sempre do mesmo lado da cabeça, mas isso não significa que vai rodar de forma igual. Porque não vai, e ainda gasta uma energia a mais que poderia ser perfeitamente usada para outra coisa. Qualquer uma.
Eu decretei que em 2025 vou me curar. De Odete e de quem mais ousar me incomodar. Porque ainda sou muito nova para ser velha e tenho alguns anos pela frente para escutar tudo o que meus ouvidos tiverem que registrar – de palavras doces a atrocidades, sem que eu tenha que perguntar duas vezes. Ou três, como venho fazendo nos últimos tempos, parcialmente surda de um dos ouvidos.
Se aceita um conselho, te darei logo dois: não se automedique e jamais se acostume com o que te faz mal. Feliz ano novo!
Fim do capítulo
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cris05
Em: 03/01/2025
Feliz ano novo, autora!
Que você se cure de Odete e de tudo que te faz mal.
Beijos!

caribu
Em: 03/01/2025
Autora da história
Feliz 2025, querida!
Que neste ano vc tenha boas histórias (minhas, inclusive rsrs) para ler e se divertir S2
Grata pela valiosa companhia!
Beijos!
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caribu Em: 03/01/2025 Autora da história
Que assim seja, meu bem!
Tudo de bom pra nós! Que seja um ano sem trancos e com poucos barrancos!rs
Grata pela rica parceria até aqui! S2
Feliz 2025!
Beijos!