capitulo seis: se abre, anna
Chego na minha casa e estaciono na garagem. Peço para Maria Fernanda esperar enquanto abro a porta para a gente conseguir passar com as caixas de arquivos. Fazendo isso, volto ao seu encontro e pego algumas caixas que ela está segurando. Nossas mãos se tocam sutilmente e sinto um arrepio pelo meu corpo e algo no meu estômago. Ela sorri e diz que vai pegar o restante das caixas no carro.
Entro na minha sala de estar e olho para o relógio: 19h35. A noite iria ser longa ao lado dessa mulher e que mulher maravilhosa que ela é. É linda, simpática, inteligente, tem um sorriso lindo e umas sardinhas que a deixam mais linda ainda.
Ela me vê parada na sala e pergunta com um sorriso. Sempre com um sorriso:
— Cansou?
— Não, só estava pensando.
— Pensando no quê?
— Que eu te chamei pra jantar e não sei cozinhar! – dou uma gargalhada – Eu vou pedir delivery, pois se você depender de mim morre de fome
— Mulher, então como você vive? De iFood? – questiona
— Eu só tenho uma airfryer e um sonho. – pisco – O que você gosta de comer?
— O que você quiser, Anna.
— Comida brasileira? Italiana? Francesa? Japonesa? Tailandesa?
— Se você gostar de japonesa, eu topo.
— Japonesa então.
Peço uma barca de comida japonesa gigante no iFood e fomos pegar o restante das coisas no carro.
— Essa é a última – diz me entregando a vigésima segunda caixa (pelo que eu contei).
— Que vontade de matar aquele boçal – bufo com raiva
— Teremos a noite para conversar sobre isso. Mas antes, quero te fazer uma proposta.
— Qual proposta? – arqueio uma sobrancelha
— Me deixa cozinhar pra você um dia? Posso te ensinar algumas coisas, se você quiser.
— Temos uma cozinheira aqui? – sorrio
— Sim.. minha mãe é dona de um pequeno restaurante na Zona Oeste do Rio. Eu não cozinho como ela, mas aprendi bastante coisa só olhando.
— Será um prazer abrir as portas da minha cozinha para a senhorita. – dou um sorriso pra ela – Vamos beber um vinho?
— Anna, nós vamos trabalhar. A última coisa que eu quero é sair bêbada daqui e ter o Roberto gritando no meu ouvido amanhã dizendo que não finalizei a demanda. – diz com semblante triste
Vou até a pequena adega climatizada que tenho na sala, pego um vinho branco chamado Sant Telmo e coloco em cima da mesa, vou até a cozinha e pego duas taças, estendo uma em direção a ela.
— Vamos beber pouco, confia em mim. Longe de mim querer te prejudicar em algo. – digo séria
— Tudo bem então. – ela dá um sorriso tímido. Tão linda.
Sirvo o vinho à ela enquanto ela me olha curiosa, parece que quer me perguntar algo, mas não sabe como.
— Diz.
— O que? – ela leva a taça à boca e bebe um pouco do vinho
— O que você quer me perguntar. – dou um sorrisinho e olho em seus olhos
Sempre leva assistentes jurídicas indefesas para a sua casa? – Ela ri timidamente.
— Não. – olho séria para ela – você é a primeira. Eu sou muito reservada, Maria Fernanda. Eu não abro a minha vida pra ninguém.
— Não me entenda mal, é que... Fiquei surpresa quando me chamou pra vir aqui, eu ouvi muito sobre você na empresa.
— O que você ouviu? – indago
— Muitas coisas. A principal é que você é workaholic, isso eu já notei. A segunda sobre sua sexu*l*idade, a terceira é que você tem muitas namoradas e a quarta é que o Roberto lhe odeia.
Dou um sorriso amargo quando ela toca no assunto “muitas namoradas”.
— E o que você acha sobre mim? – enfatizo
— Por que você quer saber? – ela retruca
— É importante pra mim – olho em seus olhos.
Ela me olha por alguns segundos, abre e fecha a boca algumas vezes, como quem está procurando as palavras certas. Tem alguma coisa no olhar dela que é uma incógnita pra mim, o modo como ela me olha me deixa um pouco desconcertada.
— Anna, eu te acho workaholic sim, mas eu também te acho uma profissional incrível e que vai conquistar seus objetivos na empresa. Você é divertida ao seu modo, não é sempre que você está aos mil sorrisos, geralmente você está sempre na sua, no seu mundo. Porém, tem alguma coisa que eu vejo em você que não está bem. Eu não acho que você esteja 100% bem. Tudo bem que não temos que estar bem o tempo todo, mas as vezes fico te observando de longe e fico com receio de me aproximar. Você tem um olhar triste, parece que está faltando algo aí dentro.
Suspiro. Ela me decifrou em segundos. Eu não conseguia esconder nada de Maria Fernanda, nem se eu quisesse. Ah, se ela soubesse que um dia eu mergulhei de cabeça em uma piscina vazia e estou com a cabeça e com o coração fodido até hoje...
— Maria Fernanda, acontecem coisas na vida da gente que nos fazem ficarmos mais rígidos em relação as pessoas, sabe quando sua vida estaciona em um acontecimento e talvez você nunca consiga superar? Eu ainda busco superar, mas não é fácil. Eu não me abro muito com ninguém, pois eu fiquei com medo de gente – dou um sorriso melancólico - eu acho que gosto mais de bicho do que gente por esse motivo: eles não nos decepcionam, não nos traem, não nos magoam. Eu descobri que pode tocar a música mais animada no meu fone de ouvido, eu sempre vou continuar com aquele rosto impassível, aquela cara que a gente fica segunda de manhã.
— Anna, você é a melhor pessoa que eu já conheci naquela empresa e olha que a gente está criando um tipo de intimidade agora. Você é um ser humano incrível! Você se sentiu mal pelo que aconteceu comigo e me chamou pra vir aqui pra me ajudar com o trabalho – ela sorri pegando nas minhas mãos e eu estremeço – Anna, você é uma pessoa boa. Só foi maltratada por umas pessoas ruins. Não deixa isso interferir no que você é, use isso como impulso para ir em frente.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, eu meio sem saber o que dizer e sinceramente não conseguia dizer mais nada. O pouco que ela disse me levou há anos atrás, quando Beatriz traiu minha confiança e me deixou em mil pedaços. Já fazia muito tempo, mas o tempo pelo que eu vi não a fez mudar. Na verdade, nem eu mudei. Só fechei meu coração e minha vida para quem quisesse entrar, eu nunca permiti novos amigos, novos amores, novas pessoas. De amiga eu só tinha a Bruna e mesmo assim porque ela está comigo desde a adolescência e sabe tudo sobre mim. Não sei se estava preparada para deixar Maria Fernanda entrar na minha vida como amiga ou sei lá o quê.
Meus pensamentos são interrompidos pela campainha e dou um suspiro de alívio. Salva pelo iFood! Lembrem-me de dar uma gorjeta ao entregador que tirou-me desse momento constrangedor.
— Chegou! Vamos comer?
— Claro. – ela sorriu.
A noite passou sem maiores incidentes. Quando eu digo “incidentes”, quero dizer conversas que me deixam constrangida e me fazem pensar se preciso de terapia. Maria Fernanda era tão inteligente, conversamos sobre o mundo jurídico, conversamos sobre política, conversamos até sobre o VMA, se eu achava que Anitta iria ganhar da Taylor Swift. Conversamos sobre bandas, sobre música e falamos que precisamos urgentemente ir ao teatro juntas, já que amávamos stund-up. E claro, trabalhamos. Trabalhamos muito, mas a nossa conversa era tão leve que até resumir os casos chatos de Roberto se tornou uma tarefa pequena diante de nossos assuntos.
Eu percebi que não era uma conversa vazia, ela estava interessada realmente em entrar na minha vida, em saber mais de mim, dos meus gostos, do meu jeito... Ela tinha luz. Seu sorriso era luz.
— Bom, então é isso... Esse foi o último, graças a Deus! – levanta aos mãos pro céu agradecendo
— Não foi tão ruim assim, vai. Confessa que eu sou uma boa companhia! – digo me gabando
— Você é uma companhia maravilhosa, Dra Anna. Até um castigo como esse fica fácil com você.
— Dra Maria Fernanda, um dia você estará no meu lugar e verá que não podem te colocar te castigo, pois, advogados tem prerrogativas. – pisco pra ela
— Não sou doutora ainda, nem sei se vou ser, mas meu ego vai lá em cima quando você me chama assim – confessa
— O que falta pra você fazer essa bendita prova e passar?
— Eu reprovei 3x, Anna. Me contento em ser assistente jurídica, já me sinto útil ao menos.
— Não fala isso. Você é mega inteligente, faz pesquisas como ninguém e conhece as jurisprudências. Você sabe fazer as petições, sabe que ação cabe em tal situação... caso contrário, eu tenho certeza que Roberto não te contrataria. Ele viu alguma coisa em você. Se precisar de algo, qualquer coisa, pode contar comigo. Só não se diminua por não passar numa prova idiota que nem deveria existir.
— Posso te dar um abraço? – ela diz sorrindo, já abrindo os braços na minha direção.
— Não gosto muito de abraços, mas eu vou abrir uma exceção pra dama dos associados. – zombo da cara dela
— Sua boba.
Ela me envolve em um abraço, me aperta em seus braços e eu automaticamente fecho os meus olhos afim de senti-lo com mais intensidade. Eu retribuo o abraço a abraçando forte, não tinha nada para ser dito naquele momento, eu só me sentia muito grata por ela ter aparecido assim do nada, na empresa e na minha vida. Era bom tê-la por perto.
— Vou te levar em casa, já está tarde. – digo soltando-a com muita dificuldade
— Não precisa, Anna. Eu pego um Uber.
— De jeito nenhum. Eu te trouxe, eu te levo.
— Tá bom, você quer que eu leve as caixas de arquivo para a empresa de carro? Só pra você não precisar pegar Uber de manhã.
No meio da nossa conversa sobre nossas vidas, ela havia me dito que não tinha carro e que trabalhava todos os dias de metrô.
— Faria isso? Você é um amor, Anna. – sorri
— Só se você não pedir ajuda a nenhum associado – reviro os olhos
— Pode deixar. – ela pisca pra mim
Entramos no carro e ela me indica seu endereço, coloco no GPS e ele nos guia até sua casa, no caminho vamos conversando amenidades e quando dei por mim já estava parada na porta de sua casa há pelo menos 15 minutos e não havíamos parado de conversar.
— Nossa, Anna! 3h da manhã, está tarde. Daqui a pouco acordamos!
— Tudo bem, eu espero você entrar. – digo
— Quero te agradecer por toda a ajuda que você me deu, pela sua preocupação e por insistir em me ajudar, se não fosse você dificilmente terminaria isso no prazo que ele estipulou.
— Ele ainda foi canalha em estipular até amanhã de manhã pra você – reviro os olhos – Mas é isso, não acho justo você ser culpada por me ajudar.
— Anna...
— Oi.
— A esposa do empresário é sua namorada?
— Que? Não! – digo nervosa
— Eu vi vocês no banheiro. Quer dizer, eu não vi, mas.. deu a entender que tinha algo ali. E julgando pelos arranhões no seu pescoço no dia seguinte, imaginei que tivesse acontecido.
Quase me engasguei. Por qual motivo ela tinha que ser tão certeira e perceptiva?
— Maria Fernanda, eu não posso te explicar sobre isso agora, não me faz falar sobre isso, por favor – suplico
— Tudo bem, eu entendo. Mas Anna.. – ela diz colocando a mão na maçaneta da porta – Seja lá o que for, você merece mais.
E simplesmente sai e entra em sua casa. Me deixando com um turbilhão de pensamentos, sentimentos confusos e um queixo caído.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 21/09/2024
Anna tu é uma besta .
edjane04
Em: 09/09/2024
Eita como María Fernanda é ligada nas coisas!!
Com certeza ela merece algo melhor que Beatriz :)
tayl0rmaniac4
Em: 10/09/2024
Autora da história
Será que ela merece?
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