O babado
– Magda do céu! Que bom que te encontrei, estava à sua procura! Preciso te contar um babado! – Morgana diz, assim que vê a amiga.
Estavam no meio do parque, debaixo de um céu absurdamente azul e sem nuvem. O movimento era intenso para uma quinta-feira, talvez por conta do clima ameno. Havia, por isso, muita gente caminhando para cima e para baixo, de um lado e para o outro, em perigosos ziguezagues. Magda, porém, não parecia se preocupar com os riscos de se acidentar sem querer. Estava como sempre com um sorriso pontuado no rosto e um delineado marcando os olhos, estilo gatinho. Magda era muito charmosa.
– Adoro uma boa fofoca – ela exclama, a cumprimentando com um beijinho a distância. Seus rostos nem chegaram a se tocar durante a formalidade, mas ficaram muito, muito próximos – Eu estava indo para lá, mas no meio do caminho desisti. Sabe quando você está indo fazer algo, bem determinada, mas aí de repente muda de ideia? É difícil ser tão indecisa tendo que carregar tanta carga... A vida pesa, Morgana, assim como pesa cada uma das minhas escolhas. A indecisão, então... essa é sempre uma bagagem extra.
Magda carregava uma folha de árvore nos ombros, mas não parecia disposta em compartilhar o porquê. Nem especificou onde seria “lá” ou de onde vinha. E apesar do comentário num tom de reclamação, não largou a folha, nem a pôs de lado. Tampouco ficou parada; Magda era muito agitada.
– Estou vindo dali, mas me disseram que não te viam há horas! Onde esteve? – Morgana insiste, apontando para trás. Além de fofoqueira, era muito curiosa. Ou era curiosa justamente por ser muito fofoqueira.
– De manhã, acordei e nem sabia onde estava – Magda relata, dando duas voltas rápidas em torno de Morgana – Ressaca, garota, daquelas. Tomei um porre ontem. Mas de açúcar! – ela se adianta em dizer, a alguns passos de distância. Voltou correndo para continuar a falar – Decidi trabalhar meu autocontrole, mulher, mas aí parece que só por isso a vida me testa e eu falho... Acontece, né?, fazer o quê. Não consigo me controlar ainda, ao que tudo indica... – ela tinha um pouco de açúcar grudado na testa, que brilhou com a luz do sol, no momento em que virou a cabeça. Mesmo desprovida de autodomínio, Magda era muito bonita.
– Achei que seus tempos de farra tinham ficado para trás – Morgana comenta, um pouco venenosa, vendo a amiga se afastar e se aproximar em menos de dois segundos.
– Qual é o babado que queria tanto me contar? – Magda pergunta, desviando o foco da conversa de propósito. Fez questão, porém, de usar o mesmo tom de Morgana. Magda era muito irônica.
– Então, acredita que... Ei, peraí, onde está indo? – Morgana questiona, um pouco incrédula, vendo a outra se afastar e caminhar vários passos, sentido norte. Seu espanto foi notavelmente sincero e a fez derrubar duas mãos em direção ao solo, sem perceber. Afinal, Magda queria ou não saber do babado?
– Ai, é que você enrola muito para contar – Magda reclama, sua voz aumentando o volume conforme se reaproximava – Estou toda trabalhada no doce, colabora – ela estala dois dedos, as pupilas dilatadas comprovando o que dizia – Me sinto eufórica, elétrica, juro que seria capaz de correr agora mesmo duas maratonas inteiras – ela sai correndo, super rápido, gritando lá de longe “eu adoro endorfina, adoro endorfina!”. Magda era muito veloz.
– Então, mais cedo eu saí bem cedinho e vi uma cena muito bizarra – Morgana confessa, mas Magda não a escuta, por estar distante.
– Serotonina é meu nome! Não, eu quero me chamar Usainnnnn – Magda grita, ainda correndo bem longe de sua interlocutora, dando uma volta completa em torno de um arbusto – Booooooooooooolt – ela complementa, circundando e parando perto de Morgana; tanto que pisou em um de seus pés. Magda era muito atrapalhada.
– Mulher, que açúcar foi esse que tá um arraso? – Morgana quer saber, fazendo a pergunta imitando a Jojo Todynho. Não parecia aborrecida com a dificuldade em falar.
– Um tiro de justiça – Magda retruca, fazendo referência ao meme advocatício/musical – Não, um tiro de alegria! Combina mais com o momento – ela estava sorrindo de novo e nem parecia mais se lembrar que tinha uma fofoca no gatilho, quentinha, para escutar. Magda era muito dispersa.
Como ultimamente Morgana vinha se esforçando para se aprimorar e ser cada vez melhor, não quis insistir com a amiga. Depois contaria o babado para ela, num momento mais oportuno, quando Magda estivesse um pouco mais sóbria e centrada das ideias.
– Eu quero saber! – Magda grita, a vários metros de distância. Precisou colocar as mãos em concha perto da boca para poder ser ouvida – Me fala qual é o babado! – ela pede, demonstrando um sincero interesse. Magda era muito singular.
– Então... mais cedo... – Morgana grita – ...eu saí bem cedinho...
– Hã – Magda retruca, ainda afastada e ainda correndo. Só que agora dava voltas em torno da folha, que finalmente deixou cair, embora tenha permanecido em contato, segurando com o dedo. Magda era muito possessiva.
– ...e vi uma cena muito bizarra – Morgana berra – Mas ninguém pode saber! – ela complementa e imediatamente a amiga se aproxima – Pode ter alguém ouvindo...
– É tão vexatório assim? – Magda inquire, com um risinho sádico ilustrando o rosto. Magda era muito maldosa.
– Sim, se envolve canibalismo.
– Como assim? – ela abre a boca, espantada. Magda era muito teatral.
– Hoje cedo, saí bem cedinho e vi uma cena muito bizarra: duas saúvas se comendo! – Morgana revela, baixinho – Quer dizer, uma comendo a outra. Na vista de todos!
– Passada, sei nem o que falar... – a amiga responde, parecendo um tom mais calma. Magda era muito transparente.
As formigas se despedem, porém seguem na mesma direção.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 11/08/2023
Oxe! No final eram duas formigas kkkkk muito bom. Eu devo ser lerda mesmo.

caribu
Em: 11/08/2023
Autora da história
hahaha
Não é lerda, não! Foi escrito de um jeito que só no final se descobre mesmo (ainda que na história existam detalhes que revelam rs)
Continho aleatório, mas ok, né rsrs
Beijos!
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NovaAqui
Em: 10/08/2023
Até eu fiquei curiosa com o babado kkkk
Pensei que ela não fosse contar. Iria acabar a novelinha e não saberíamos
Ainda bem que elas pararam para conversar
Duas formigas? Kkkkkk

caribu
Em: 10/08/2023
Autora da história
hahaha
Eu disse que era um conto aleatório!
Sempre penso que as formigas trocam altas confidências nesses intercâmbios que acontecem no meio do caminho rs Só não sei se, pra elas, é realmente babado duas saúvas se comendo hahaha
Beijos!
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caribu Em: 17/08/2023 Autora da história
As M&M!!! Sim rsrsrs
Que bom que visualizou esse rolê aleatório! É bobo, mas nois gosta rsrs
Grata por ser uma leitora tão querida! Vc faz a diferença na minha vida de contadora de histórias e digitadora!
Beijos adocicados!