Capitulo 1
Nunca Te Amarei - Capítulo 1
Luciana acordava aos gritos todas as noites e era sempre o mesmo sonho: O estrondo de um tiro e o grito da mulher loira ecoava pela sala. Surda com o estampido e chocada demais para se mexer, ela seguiu com os olhos a mancha de sangue surgindo subitamente em seu peito antes que a moça tombasse no chão.
Pálida e tensa, a realidade foi penetrando sua mente paralisada de choque.
-- Nãoooo... -- Luciana aproximava-se do corpo e, ajoelhando-se, repousava a cabeça da moça em seu colo -- Não... Nãoooo...
Acordava sempre em pânico, com falta de ar, encharcada em suor. Não fazia ideia quem era a mulher e muito menos o significado daquele sonho recorrente.
No começo pensava nele como um único sonho, somente um sonho, estranho, singularmente vívido e aterrorizante, mas ainda assim somente um sonho, porém, o sonho se repetiu noite após noite, até que começou a temer dormir.
A porta se abriu, Laura entrou e fez uma parada abrupta ao lado da cama da irmã. Ela já tinha tomado uma ducha e mudado de roupa.
-- O que aconteceu? Ouvi o seu grito lá da cozinha!
Luciana cobriu a boca com as mãos, procurando parar de tremer.
-- Não suporto mais esse sonho.
Laura sentia-se triste testemunhando a sensação de vulnerabilidade e a dor no coração que aquele sonho sempre causava à irmã.
-- Porque você não conversa com aquela minha amiga espírita? Talvez ela consiga clarear a sua mente confusa.
Luciana fechou os olhos. Quando tinha aquele sonho ruim, sentia-se muito mal, mas conseguiria lidar com aquilo sozinha, não precisava de ninguém. Bastava ser forte.
-- Obrigada pela dica, mas os sonhos são nada mais que uma combinação de memórias remotas e recentes. Quem sabe um filme que eu assisti e me impressionei com alguma cena! Sei lá, qualquer coisa assim.
Laura desistiu.
-- É, pode ser -- ela caminhou para a porta e, antes de abri-la, se voltou e disse: -- Levanta logo, hoje quem não pode chegar atrasada sou eu. O seu Arthur quer falar comigo logo cedo.
-- Já vou -- disse Luciana, espreguiçando-se -- Em meia hora estarei pronta.
Uma bala acertou-a no peito e ela se dobrou. Sua última visão antes de tombar por completo foi um rosto escurecido pela penumbra do quarto. O sangue manchou o carpete surrado num espaço de metros ao redor e ela morreu muito devagar.
Kristen acordou assustada, com o coração aos pulos e sem saber onde estava. Arrepios percorreram seu corpo quando uma voz estridente gritou:
-- La-la-la-la-la bamba!
Kristen sentou-se na cama, assustada. A pessoa continuava a cantar a pleno pulmões:
-- Para ser secretária, para ser secretária se necessita usar mini saia. Usar mini saia e sem calcinha, a la riba, la riba... Bamba! bamba!
-- Socorro! Alguém me ajude! -- Kristen cobriu a cabeça com o travesseiro.
A porta se abriu e um rapaz vestindo legging fitness colorida e uma camiseta rosa enorme, entrou no quarto arfando.
-- Jesus! Foi atacada pelo Fred Kruger, foi?
Sonho e realidade confundem-se em sua cabeça, e Kristen levou alguns segundos para voltar a ter plena consciência.
-- Acho que vou vomitar -- ela disse, colocando a cabeça para fora da cama.
-- Aqui não -- disse o rapaz -- Levanta e vai no banheiro, não estou a fim de limpar sujeira de ninguém. O Ministério da Saúde vive advertindo que beber faz mal à saúde, mas as pessoas não escutam. Misturam uísque, Vodca, Campari, vinho do Porto, champanhe, cerveja, batida de coco, limão... Quanto mais elevado o teor alcoólico, mais forte a porr*da.
Kristen saiu correndo para o banheiro, quase não conseguindo chegar a tempo. Sentiu-se tão fraca, que resolveu sentar-se no tapete do banheiro.
-- O mesmo sonho? -- perguntou Rick, encostado no batente da porta.
Kristen ergueu a cabeça e levantou-se lentamente
-- Sim, o de sempre. Tenho que parar de assistir filmes de terror.
Ric afastou-se para ela passar.
-- Vai se sentir melhor com um banho quente, vou preparar para você.
Kristen voltou para o quarto e sentou-se na cama, com o estômago ainda revirado -- Nunca mais eu vou beber.
-- Não levante falso testemunho momentâneo -- disse Rick, entrando no quarto -- A banheira está enchendo -- disse abrindo o armário, pegando uma bermuda e uma camiseta -- Estou de saída, vou no bingo. Se eu me atrasar, perco o meu lugar da sorte.
-- Os bingos não estão proibidos?
-- É nos fundos da Igreja, o padre dá cobertura -- ele caminhou até a porta e se virou para encará-la -- Estarei de volta às onze. Deixei o almoço pronto, tudo limpinho e organizado. Não faça bagunça enquanto eu estiver fora, não vou limpar mais nada hoje. Pode assistir televisão se quiser, mas nada de derrubar migalhas de biscoito no sofá.
Kristen ergueu uma sobrancelha e massageou o abdômen, deixaria para estrangulá-lo mais tarde, no momento não estava em condições físicas para tal esforço.
Assim que Rick saiu e fechou a porta do quarto, Kristen voltou ao banheiro, pensativa.
Sem nome, sem rosto, mas sempre aquela mulher. Olhou a opaca primeira luz matutina que pressionava contra a janela que penetrava timidamente o vidro. O sonho sempre chegava ao amanhecer, era curto, mas perturbador. É somente um sonho, disse a si mesma, procurando qualquer consolo possível. Só um sonho.
Laura entrou na sala de Luciana, furiosa. Sentada à mesa do setor financeiro, Luciana deixou de lado a pilha de papéis que recebera para analisar. Perguntou-se se seria a culpada por aquela irritação.
-- Meu Deus, a mamãe deve ter dançado "Envolver" da Anitta na escadaria da Igreja da Lapa, pra mim ter nascido com tanto azar!
-- O que aconteceu?
Laura bufou, antes de responder.
-- O seu Arthur.
Aliviada por não ter sido a causadora da explosão de Laura, Luciana sorriu.
-- Calma! -- ela levantou-se da cadeira e aproximou-se da irmã -- Pensei que estivesse brava comigo por causa de hoje a noite.
-- Capaz! -- disse Laura, sentando-se na ponta da mesa -- Eu amo cuidar do Dudu. Pode sair tranquila, comprei sorvete, pipoca, nós vamos nos divertir.
Luciana sorriu, agradecida.
-- O que houve, então?
-- O senhor Arthur pediu para eu ir até o Kris Bar levar uns documentos para a filha assinar.
Luciana franziu o cenho, as sobrancelhas se erguendo sobre olhos negros.
-- E daí? Qual o problema nisso?
-- Aquela moça é louca! -- Laura puxou a irmã para perto e sussurrou em seu ouvido -- Ela é uma assassina.
Luciana olhou-a boquiaberta, horrorizada.
-- Não diga isso nem brincando -- ela se afastou, torcendo nervosamente um lápis na mão -- É uma acusação muito grave e sem fundamento. Você não pode sair por aí falando essas coisas. Não tem medo que vire fofoca e você seja demitida?
-- Eu não falei pra ninguém, só estou comentando o que ouvi do pessoal pelos corredores -- ela respondeu, apressando-se em explicar.
Luciana levantou uma sobrancelha condenando a irmã. Embora a filha de Arthur tivesse a fama de malvada, era difícil de acreditar que chegasse a tanto.
-- Acho melhor você esquecer essa história, pois, quem acusa tem a obrigação legal e moral de provar.
-- Mas eu... -- insistiu Laura.
-- Chega Laura! -- disse Luciana, sentando-se à mesa e voltando a atenção aos documentos -- Agora me deixe trabalhar, o João Victor vai querer esses relatórios prontos até as três.
Luciana pôde ver que Lúcia ficou desapontada por não ter sido levada a sério pela irmã. Mas ela não podia incentivá-la a continuar acreditando em tamanha loucura.
-- Então tá, mas depois não diga que eu não avisei.
Depois que Laura saiu, Luciana retornou imediatamente ao trabalho. Estava atrasada e João Victor parecia sentir prazer em puni-la. Por isso, fazia de tudo para não dar motivos ao chefe.
Kristen pegou uma colher dourada de cima da mesa e a apertou várias vezes entre os dedos.
-- Essa mulher está me incomodando, Rick. Desde quando um bolinho de bacalhau custa só dois reais? Deve ser do tamanho de uma bolinha de gude.
-- É grande Kris, se bobear, é maior que o seu -- respondeu Rick, embora Kristen estivesse fazendo uma afirmação.
Ela jogou a colher sobre a mesa e se pôs em pé.
-- Como você sabe, Rick? -- Kristen olhou-o de lado -- Você já comeu os bolinhos de bacalhau da falsária? Seu traidor!
-- Não, claro que não! -- Rick caminhou até a pia -- A Adriana me mostrou.
-- Hum, olha, olha, Rick. Os nossos bolinhos de bacalhau são feitos com bacalhaus vindo de Ílhavo, na Região Centro de Portugal, em pleno coração da Ria de Aveiro, a Capital Portuguesa do Bacalhau -- disse irritada -- Esse bacalhau dela só pode ser fake. Não tem outra explicação!
-- Porque não manda um de seus brutamontes conferir a procedência do bacalhau?
Kristen andou em círculos, depois retornou a cadeira.
-- Não, Rick, eu mesma vou me encarregar disso.
-- Ela provavelmente te conhece, vai armar o maior barraco assim que você passar pela porta do bar.
Kristen recostou-se no espaldar da cadeira e olhou séria para Rick.
-- Não se preocupe, estou acostumada à situação complicadas -- fez uma pausa estratégica, conferindo maior efeito dramático às últimas palavras: -- Vou disfarçada, essa mulher não perde por esperar.
Não era à toa que o sangue dos indomáveis Donati corria em suas veias, e, se fosse preciso, mostraria a todos os seus concorrentes do que era capaz. Os Donati sempre foram conhecidos como os bam-bam-bam do setor de imóveis e construção. Como filha única de um industrial milionário, tivera todas as vantagens que o dinheiro e a tradição podem conferir a alguém. No entanto, não se considerava mimada. Poderia ter simplesmente assumido um posto no alto comando de uma das empresas do pai, no entanto, fizera questão de seguir o seu próprio caminho. Definitivamente, não era uma daquelas garotas fúteis da sociedade, cuja única preocupação da vida era namorar e escolher a melhor proposta de casamento.
-- Vou colocar um boné e uma camisa do Fluminense, entrar no bar e ficar quietinha em um canto.
-- Esse será o seu disfarce? Ela vai descobrir de cara quem é você.
Kristen balançou a cabeça.
-- Você tem razão -- ela mordeu o lábio inferior, revelando por um instante os dentes brancos e alinhados -- Vou colocar um boné e a camisa do Botafogo.
Kristen era conhecida pelo seu temperamento explosivo e natureza indócil, jamais aceitava ser confrontada. Havia tido sucesso na disputa ferrenha no mundo dos grandes negócios, algumas vezes até passando dos limites, não seria a dona de uma bodega de quinta categoria que iria intimidá-la.
Kristen ajeitou a boina, escondendo sob ela algumas mechas loiras.
-- Estou indo para o bar, Rick. Uma banda nova vai se apresentar hoje e a vocalista é muito gostosa. Quero estar lá para recebê-la.
Rick balançou a cabeça devagar.
-- Inacreditável!
-- Porque? Algum problema?
O rapaz pegou o prato e colocou-o na pia.
-- E a garota de ontem?
Kristen virou-se e deu alguns passos na direção da porta.
-- Já faz parte do passado -- ela sacudiu os ombros e saiu sem ao menos se
despedir.
Laura franziu o cenho ao notar que Luciana parecia muito preocupada.
-- Para com isso, Lu. Eu sempre fico com ele de boa para você sair, porque me incomodaria hoje?
Luciana aproximou-se da irmã e pousou a mão em seu ombro.
-- Obrigada, fico te devendo mais essa. A mamãe está muito fraca, estou evitando deixar o Dudu com ela.
-- Vá e divirta-se. Eu ficarei numa boa com ele, acredite.
Luciana assentiu, levantou-se e deixou o apartamento.
Depois de olhar para o relógio, colocou-se em alta velocidade. Não se preocupou muito com o que vestir já que Arthur naquela noite preferiu ficar no apartamento, pedir uma boa comida e beber o seu vinho preferido, mas teve um cuidado especial com seus cabelos. Não que fizesse muito para isso, porque sabia que Arthur gostava muito deles jogados sobre seus ombros. Aplicou com moderação a base e passou rímel, delineador e batom.
Poucos minutos depois, ela estacionou o carro na garagem de um complexo de apartamentos localizado próximo a Construtora Donati.
Luciana saiu do carro e entrou no prédio. Na portaria não tinha ninguém, achou estranho pois a entrada era rigorosamente controlada pelo porteiro.
-- Ué! O que aconteceu? Ele nunca abandonou o posto.
Tomou o elevador, minutos depois, parou no vigésimo andar. Deu alguns passos e parou subitamente diante de um grupo de pessoas que se aglomeravam diante da porta do apartamento de Arthur.
-- Meu Deus! -- O que houve?
O rapaz vestido com o uniforme do Samu franziu as sobrancelhas ao vê-la pálida e perguntou, preocupado:
-- Você está se sentindo bem? Está pálida.
Ao perceber que estava prendendo a respiração, Luciana soltou-a profundamente.
-- Me responda! O que aconteceu?
-- Você conhece o senhor que mora nesse apartamento?
-- Sim -- respondeu Luciana, ainda sem entender o que podia estar acontecendo.
-- A senhora é parente dele?
-- Não, sou apenas uma amiga -- ela respondeu debilmente, engolindo em seco, com as mãos suando frio e o coração disparado -- O que aconteceu? -- insistiu, desesperada.
-- Tentamos, fizemos o que estava ao nosso alcance, mas...
Luciana ouviu aquelas palavras com crescente pânico. Soluçou, já sabendo de antemão qual seria a resposta para sua pergunta:
-- Ele morreu? -- ela indagou, começando a soluçar.
-- Infelizmente, sim -- o rapaz baixou os olhos para a mulher pálida -- Sinto muito.
-- Nãããooo! -- Luciana tentou forçar a passagem, mas foi impedida.
-- Por favor, a senhora não pode entrar -- o rapaz segurou-a, com dificuldade -- A cena é chocante.
-- Porque? O que aconteceu?
O rapaz hesitou um instante antes de inspirar fundo e responder:
-- Ele tirou a própria vida.
Aquela informação a atingiu como se fosse um tiro. Luciana escorregou até o chão e afundou o rosto molhado de lágrimas entre as mãos. Seu corpo tremia. O coração batia descompassado dentro do peito.
-- Meu Deus! Não é verdade! Não, não -- Ignorando os curiosos à sua volta, ela virou-se para a parede, sacudida por um pranto convulsivo -- Ele não fez isso, ele estava tão feliz! Ele estava tão feliz! -- repetia inconformada.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
jakerj2709
Em: 13/02/2023
Olá bom dia querida autora já estava com saudades das suas estórias...Já chegou chegando, já sei q irei amar essa nova dupla Rick e Kristen.
Vai ser um um prazer te acompanhar em mais uma aventura. SEJA BEM VINDA. ABRAÇOS A VC E TODA FAMÍLIA
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Mille
Em: 28/01/2023
Oi Vandinha
Já gostei do início vamos para mais uma aventura.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá Millezinha, minha querida! Tudo bem?
Então, começamos mais uma e, que seja do agrado de vocês.
Conto com a sua colaboração, como sempre.
Beijão e até.
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