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Fora do tempo por shoegazer

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Palavras: 5089
Acessos: 2271   |  Postado em: 15/07/2022

Notas iniciais:

O capítulo trata de temas muito sensíveis como violência extrema e abuso. Por favor, leia com isso em mente.

Prólogo

 

 

“Teoria do caos consiste na ideia de que pequenas mudanças no início de um evento podem desencadear alterações drásticas, profundas e imprevisíveis ao longo do tempo” – Edward Lorenz

 

 “Não estamos localizados em um único momento. Eventos ocorrem, pessoas envelhecem e assim por diante. As coisas mudam, mas o passado não desaparece, ele simplesmente existe em diferentes partes do espaço-tempo” - Bradford Skow

 

“A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente” – Albert Einstein

 

 

 

 

 

Você acredita na Teoria do Caos?

Passado, presente e futuro sendo algo só, coexistindo em uma tríade perfeita?

Acredita em coincidência ou em destino?

 

Seja qual sua convicção, uma coisa é certa:

Para entender o presente, você precisa compreender o passado.

 

 

 

 

 

 

 

 

❖

— Pedro, me ajuda com as compras?

— Claro, senhora.

Tiro do porta-malas boa parte das sacolas. Pelo visto, vai ter algumas das festas que a senhora gosta de fazer.

Coloco as compras na mesa espaçada de vidro, e volto pra pegar o resto. Faço esse tipo de serviço sem problema nenhum. Tenho um carinho especial por ela, já que é a única nesse condomínio que me trata que nem gente. A maioria, como é de se esperar, finge que eu não existo, ou não me cumprimentam e muito menos sabem meu nome, só sabem que sou filho de um dos jardineiros e um faz-tudo.

Já ela, não. Sabe meu nome, me cumprimenta e me dá lanche, como está ajeitando agora. Gosto de conversar com ela, nos sentamos na área e passamos um longo tempo assim. Papai já falou pra eu parar com isso pra não pensarem coisa errada de nós, mas é inevitável. Ela vive muito sozinha, e apesar de ela ter idade pra ser minha mãe, sinto que ela é minha amiga mais do que muitos outros da minha idade.

— Toma, Pedro – ela entregue o misto e um copo de suco em minhas mãos – e sua mãe, como está?

— Está melhorando, obrigado por perguntar – me apoio no balcão, comendo – por isso estou cobrindo o trabalho dela também...

— Você trabalha tanto... – ela dá um tapinha leve no topo na minha cabeça – está estudando pelo menos?

— Ah, no horário que dá eu vou...

— Como vai dar um futuro diferente para seus pais assim?

— Senhora, é que... – respiro ofegante, comendo rápido – eu até quero, quero muito, mas não ando conseguindo fazer as duas coisas ao mesmo tempo e... Como vou só estudar se tenho que ajudar o papai e a mamãe a colocar a comida na mesa?

Ela suspira pesado, e dá com os ombros.

— Desculpe, querido, às vezes esqueço disso.

— Eu que peço desculpas – digo envergonhado ao perceber sua reação – eu fui grosseiro, me desculpe mesmo.

— Não se preocupe com isso, você não foi grosseiro nem nada – ela dá um sorriso cordial – mas pelo menos coma mais devagar ou vai se engasgar assim.

Faço o que ela sugere, e como pausadamente enquanto ela tira as compras da sacola. Lavo o copo e o coloco no escorredor, me voltando a ela, enxugando as mãos.

— A senhora precisa de ajuda com isso? – aponto pras sacolas, mas ela nega.

— Não, só me prometa que vem mais tarde com seus amigos pra cá.

— Pode deixar – aceno com a cabeça e saio pela porta da frente.

Mas na realidade eu queria dizer que não, porque eu odeio profundamente o filho dela e os amigos dele, mas ele principalmente. Toda e qualquer oportunidade que ele tem em destratar alguém que trabalha no condomínio ele faz.

E só as que eu lembro vai dele passar com a caminhonete destruindo a grama recém-cortada, empurrar pessoas na piscina ou derrubar coisas de propósito no chão só para limparmos, tanto que só de lembrar da voz dele me causa ira. Deve ser porque quando ele se dirige a mim é só para me chamar de preto, macaco, esquisito, pobre fodido, empregado, isso quando não fica me chamando de viado, bicha ou qualquer outra coisa como se fosse algo pejorativo. Engana-se quem pensa que isso é exclusivo a mim. Apesar de ser seu alvo preferido, as ofensas são para todos que cruzam seu caminho, e, claro, ouvidas em silêncio porque ninguém está a fim de perder o emprego e com isso, a morada.

E quem dera se fosse só um, porque esse miserável consegue a proeza de ter mais três iguais a ele, sendo ele o líder da gangue, junto com seu monte de músculos sem vontade própria que anda com ele pra cima e pra baixo e dois puxas sacos. Claro que o mais endinheirado tem que mandar, mas juro que não me entra na cabeça como uma mulher tão gentil tem um filho tão idiota.

— Pedro – ouço Fernando me chamar de longe, andando a passos rápidos – Pedro, onde tu estava? Na casa da patroa?

— Fui ajudar ela com umas coisas... – me volto pra ele – o que foi?

— Estava te procurando pra perguntar o que vai fazer mais tarde. Eu e o Joãozinho vamos dar uma volta, não está a fim?

— Até queria, mas tenho que ir lá na dona Socorro ajeitar um encanamento e saindo de lá vou só pra casa tomar um banho e voltar pra lá... Inclusive – seguro seu ombro – fomos convidados pra festa de lá.

— Sério? Eu, tu e o Joãozinho? – ele diz surpreso, e concordo com um aceno – Então a gente se encontra lá, que festa de bacana cheia de cosia boa eu não perco, não sei você.

— Prometi que ia... – enfio as mãos no bolso – então, até mais tarde.

Imagina nós, no mesmo ambiente dessa galera? Não, não posso pensar que sou inferior a eles, porque é isso que querem que a gente acredite...Não, eu não sou, nem eu, nem o Fernando e nem o João. Somos iguais a qualquer um, principalmente os bacanas.

E a senhora conta comigo.

❖  

A festa já está começando a lotar. Parece que o condomínio inteiro está aqui, comendo e bebendo à vontade, esbaldando-se na fartura que tem disposta na mesa.

E como é de se esperar, me sinto um peixe fora d’água. Mesmo usando minha melhor roupa, as calças jeans bem passadas, os tênis brancos limpos, a camisa listrada de botão presa até o pescoço, o cabelo aparado pela máquina mais cedo. O que me resta é ajuda-la na limpeza e arrumação das coisas, mesmo com alguém contratado só para isso.

— Não precisa ficar aqui, Pedro... – ela coloca um prato bem servido de salgados e um copo de refrigerante – Vá se divertir.

— Obrigado, senhora.

— Sem tantas formalidades, querido – ela bagunça meu cabelo e sai para atender os convidados recém-chegados.

Termino de comer e, quando vou para os fundos da casa, próximo da piscina, avisto João vindo ao fundo. Também está bem vestido, com uma camisa polo verde que ganhou do seu aniversário, jeans e seus tênis preto de cano médio, o cabelo que por um milagre, está penteado e limpo, cheirando tão bem que dá pra sentir de onde estou.

— Festa bacana mesmo – João diz do outro lado do muro – pra ficar melhor, estava só faltando minha presença.

Abro o portão e ele entra, olhando ao redor, curioso.

— Pode perguntar se ela pode me dar um pouco de comida? – ele diz em um tom triste – Ainda não jantei. Esperei o Fernando até ainda agora e nada.

Quando vou até lá com ele e pergunto a ela, ela me olha como se tivesse falado alguma coisa horrível.

— Não precisam me pedir nada, meninos – ela aponta para a mesa – coma o tanto que quiser, à vontade, vocês são meus convidados.

Quando ele se serve em um prato generoso de salgados, torta e alguns doces, ele come afoito, animado. Devia estar morrendo de fome mesmo.

— Nossa, isso tá bom demais – ele diz com a boca cheia – já comeu?

— Sim, mas e o Fernando? – pergunto dando um gole do seu refrigerante – Ele sumiu?

— Pois é, ele foi lá na quadra treinar e até agora não chegou – ele continua dizendo com a boca parcialmente cheia – estou até na onda, porque ele não é de atrasar, sabe disso.

É, realmente ele não é de atrasar, e pelo que vejo no relógio, ele está uns quarenta minutos atrasados.

— Não se preocupa, come mais um pouco que depois vamos atrás dele.

Ficamos na festa, percebendo que quanto mais ficamos ali, mais percebemos os olhares desagradáveis em nossa direção, afinal devem estar se perguntando o que estamos fazendo ali como convidados e não como empregados.

Apesar da senhora ser gentil, o resto do local está longe de ser.

E não somos bem-vindos ali. João termina de comer, e nos levantamos.

— Já vamos indo – digo assim que a encontro indo pegar mais uma taça de champanhe – Vamos procurar o Fernando.

— Tão cedo? – ela diz em um tom tristonho – Bem, depois vou separar os pratinhos pra vocês levarem pra casa. Só passar aqui e pegar, tá bom?

— Obrigado pela comida, dona – João diz, mas ela ri, dando com a mão no ar.

— Não tem do que me agradecer, João – ela responde cerrando as sobrancelhas – e... Pedro.

Ela vai até mim e me dá um forte abraço, podendo sentir o cheiro floral que sai do seu cabelo.

— Você é um menino muito especial, principalmente pra mim.

Sinto-me meio enjoado com o comentário, assim que eu a vejo sorrindo e se despedindo para voltar à festa. Enjoado por que por mais que eu tenha afeição por ela, eu odeio seu filho, o mesmo que veio do seu ventre e divide o mesmo sangue que ela. Estou sendo falso? Não, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

— Não entendo como alguém tão legal tem um filho tão escroto – João diz caminhando ao meu lado, subindo as ruas brevemente escuras do condomínio.

— Deve ser do pai – dou com os ombros.

— Ou ele deve ser ruim por nascença, acredito mais nisso.

Caminhamos por um longo período em silêncio atrás de Fernando, o clima esfriando ainda mais, até que decidimos ir para o lado de fora.

E, só passando dos muros que encontramos Fernando, sentado no gramado, mas não era só isso.

— Caralh*, Fê, que merd* foi essa? – grita João assim que o encontramos.

Péssimo é pouco para definir a situação em que Fernando se encontra. Sentado, com as mãos sobre o rosto ensanguentado. A face completamente inchada de um lado, o olho esquerdo fechado e um corte largo e profundo sobre sua sobrancelha, assim como em seus lábios. O sangue escorre sobre sua camiseta rasgada em golfadas que descem em seu peito, que se mexe devagar e a respiração pesada.

— Fernando – seguro seu rosto, trazendo-o para cima, e sinto o calor morno do sangue dele contra minha pele – O que aconteceu?

— Me... pegaram – ele mal consegue falar, e sinto um desespero tomar conta de mim – eles.

— Eles quem?

— O Igor...e... – ele tosse, e levanto um pouco mais a cabeça para que ele não se engasgue – amigos...

— O Igor? – João diz furioso – Eu vou matar esse filho da puta, eu vou acabar com a vida desse desgraçado!

— Vem, meu irmão – prendo Fernando em meus braços, que continua a golfar o sangue enquanto João, colérico, me ajuda do outro lado.

Sinto que ele está aqui por perto...

— Cara, mas que merd*, merd*, merd*! – João grita, e continuo calado, levando Fernando a passos lentos para minha casa, talvez a mamãe possa ajudar.

Mas, a sensação de que algo está se aproximando só piora. Sei que minha intuição não pode estar errada.

E infelizmente não está, o que confirmo ao ouvir um carro se aproximando rapidamente e, antes de possamos fugir, uma picape branca corta nosso caminho e dele descem os rapazes que conhecemos bem.

Igor, o chefe, César, a pilha de músculos, Renato e Daniel, os puxas sacos.

— Ora só quem está aqui – Igor grita vindo em nossa direção.

Meu corpo inteiro se arrepia. Não consigo correr, não posso fazer isso, Fernando está ferido demais pra correr. Em suas mãos, um taco que respinga sangue assim como os outros – Dando uma volta?

Isso não vai acabar bem. Pra gente.

Eu sei que não, e sei que nosso cerco está fechado. Deus, meu pai, por favor, que não nos matem, que não façam mal pra nossa família, por favor...

— Seu filho da puta! – brada João motivado pela fúria indo em sua direção, mas Igor logo bate com o taco de metal na cara de João, fazendo um som oco dele contra sua boca, caindo direto no chão.

— Cala a boca, seu fudido, catador de lixo – ele diz em um tom soturno – Tá com raivinha de quê?

Eles estão bêbados, e não com boas intenções. Por Deus, eu estou com tanto medo, tenho certeza que vou morrer. Eles estão armados, eu tenho certeza. Não posso chorar, e Fernando continua ali, sem receber ajuda.

— Acho que ele tá com raivinha porque pegamos o namorado dele – diz Daniel com ironia pra Fernando que cai na grama.

Acho que ele está desacordado. Eu preciso ficar de cabeça erguida.

— Deixa que a gente arruma teu rosto também – Renato se aproxima e no momento em que João vai em direção a eles, é atacado por tacadas violentas.

— João! – grito, mas é tarde demais.

Daniel empurra João no chão e eles começam a atacar com uma violência que nunca vi. Enquanto isso, César só fica olhando.

Ele não quer isso, eu sei, mas ele faz pra se adequar. Eles machucam João que grita, e César tem uma feição de sofrimento no rosto. Por que ele não faz nada? A lealdade cega a Igor capaz de qualquer coisa para continuar mantendo o sorriso sádico do seu capataz no rosto?

Ele não vai fazer nada, mas Igor vai. Eu sei que vai.

É o mesmo sorriso de quando ele matou os gatos no condomínio e descobriram que foi ele. Nada aconteceu.

O mesmo quando ele empurrou a atendente da parte externa de alimentação daqui e ela quebrou o braço. Ele sorriu. Não aconteceu nada.

O mesmo sorriso que ele está dando ao me encarar.

Nós vamos morrer aqui, e ele vai sorrir. E seremos só mais um.

Ele passa o taco pelo contorno do meu rosto, mas me mantenho impassível. Olho para Fernando, que ainda sangra ali jogado no gramado enquanto João grita e continua com seu sorriso maníaco em minha direção. Continuo sério.

Não percebi quando a primeira tacada me acerta e me leva para o chão, mas quando vejo, já estava nele e alguém me segura firme contra o gramado, com meu rosto para o chão, quase me sufocando, ainda mais quando atingem minha costela, me tirando o ar.

— Eu tenho nojo de gentinha como você. Gentinha como essa achando que é gente – Igor puxa meu cabelo, levantando meu rosto – Acha mesmo que é gente? Olha isso, César.

Ele desvia o olhar, enquanto meu rosto é esfregado no chão de volta. Quando estou quase perdendo o ar, ele me traz de volta, rindo.

— Faz um favor, César – Igor disse rindo, apontando para mim – Segura esse viado de merd* enquanto eu dou um jeito nele.

— Não, Igor, deixa eles em paz.

Olho para ele, que me encara com pesar, mas só vejo Igor tirando da cintura uma pistola, apontando em sua direção, preparando o gatilho.

— Ou você faz o que estou mandando, ou faço o mesmo contigo.

César me olha como se eu tivesse a resposta para isso. O que posso fazer por você com um cano frio contra sua testa?

Ele vira o rosto, e, com os olhos marejados, segura meus braços. Igor pisa na minha cara, mas ainda assim procuro por João, que com a cara repleta de sangue e com ossos quebrados, é segurado por Renato enquanto pega Fernando, que ofega sem ar.

Meu impulso é de gritar e ir em direção a eles, mas prendem meus pulsos com força e minhas calças são abaixadas.

César não olha para mim. Ouço seu murmurar, de olhos fechados, ignorando o que está acontecendo a qualquer custo. Já os outros riem contra o grito desesperado abafado pelas inúmeras agressões contra os rostos dos meus amigos.

Deus, meu santo protetor, me protejam e façam com que isso não demore, por favor, por favor, por favor... Porque eu sei o que vai acontecer comigo. Não façam com que eu sofra, eu não quero sofrer, eu não...

E vou para longe dali. Não lembro por quanto tempo durou, mas quando abri meus olhos, vi que Fernando estava acordado, com lágrimas caindo de seus olhos.

Eles riram durante todo o ato. João gritou de desespero e logo se calou com outro ataque deles, eu sei, mas não queria abrir meus olhos pra confirmar isso. Eu fugi pra qualquer outro lugar da minha cabeça, e ali eu fiquei. Só saí dali quando soube que eles tinham ido embora, sem antes nos atacar ainda mais, com Igor dando tiros para o ar.

Me levanto zonzo e me visto sem dizer uma palavra.

Fernando chora e se treme como uma criança assustada. Seu rosto e corpo coberto de sangue, as roupas rasgadas, o que restou dele ali me ajudou como pôde a carregar João, desacordado, no que torcia profundamente para não estar morto.

Fomos a passos lentos para casa. Ao nos ver, minha mãe grita desesperada, correndo em nossa direção.

— Meus filhos, o que aconteceram com vocês? – ela diz aos prantos, nos acudindo – Antônio, Antônio!

Meu pai vem da cozinha com as mãos na cabeça, indo segurar Fernando que, nas últimas, caiu no chão.

Sento e os vejo cuidando deles, ligando para a emergência.

Não se preocupem comigo, eu estou bem. Provavelmente com um dente trincado e uma luxação, o gosto de sangue da minha boca está forte, mas estou bem.

Ouço um zumbido na minha cabeça, e cerro os dentes com toda a força possível, como se a ficha começasse a cair lentamente.

Não consegui dormir à noite toda, repassando o que tinha feito de errado, o que nós três tínhamos feito de errado para merecermos aquilo.

O que eu fiz pra ter sido tratado daquele jeito? Eu sou descartável, usável, sou inferior? Fiz alguma coisa horrível pra alguém em algum momento que justificasse aquilo?

Ao ver a manhã chegar, chego em uma conclusão: nós não fizemos nada.

Insone, vou para a cozinha e minha mãe, preocupada, se questiona o que realmente aconteceu.

— Pedro, meu filho... – ela segura minhas mãos – o Fernando está internado e o João, ele já está em casa, mas...A mãe dele veio me falar que não acha que ele está bem.

Fico em silêncio.

— O que aconteceu com vocês? – ela diz com temor – Sabe que pode falar com sua mãe, ou até mesmo com seu pai, mesmo ele sendo do jeito que é... Estamos preocupados.

— Eu sei, mãe, mas... – digo dando um gole no café amargo – são só os garotos de sempre fazendo as coisas de sempre.

— Foram aqueles marginais, não foi? – ela fala devagar, sinal de que ela está enraivecida – Ah, eles vão ver uma coisa...

— Não se preocupe, mãe – pressiono minhas mãos com a dela – eu vou resolver isso logo, logo.

— Tem certeza, meu filho? – ela pergunta preocupada.

— Tenho, mãe. Tenho certeza.

❖   

O silêncio foi sepulcral quando nos encontramos, com a saída de Fernando do hospital. Sentados no banco em frente a casa de Fernando, sem trocar uma palavra desde o ocorrido, João pigarreia.

— O que a gente faz?

Silêncio mais uma vez. Encaro Fernando, com o rosto repleto de pontos e uma cicatriz considerável na sobrancelha, a respiração lenta, encostado na árvore debaixo de nós, e o rosto de João roxo, os dentes faltosos, as marcas das agressões contínuas...

— O que você quer fazer?

Ele respira fundo, e seu rosto muda conforme é tomado pelo ódio.

— Matar cada filho da puta daquele.

— Está falando sério, João? – Fernando diz com dificuldade, e João assente.

— Vocês não querem isso também? – os lábios de João tremulam, e ele respira fundo, com lágrimas nos olhos – Ninguém liga pra gente, aconteceu o que aconteceu e... Porr*, não acontece nada! – ele bate com força contra as pernas, e começa a lagrimar – Nunca acontece nada com gente como eles.

— O João tem razão, Pedro... – Fernando dá uma leve tossida – não tem um dia que eu não imagine todos eles mortos.

— Vocês falam como se fosse simples assim... – Digo entre os dentes – matamos eles, vamos preso e depois vamos pro Inferno, é esse o plano?

— Eu já estou no inferno desde aquela noite, Pedro – Fernando comenta, me encarando com seus olhos brevemente inchados – eu realmente não me importo. Você se importa, João?

— A única coisa que me importa é de ver cada um deles na poça do próprio sangue pedindo pela vida...

A verdade é que estamos destruídos.

E ninguém além dos nossos pais se importaram com o que aconteceu, do nosso sumiço, ou de terem visto aquelas aberrações que se dizem gente com sangue nas mãos que não eram deles.

Se ninguém se importa conosco, por que temos que nos importar com eles?

Eu já estou morto por dentro.

— Se estiverem falando sério – olho para cada um – temos que levar isso até o fim.

E estendo minha mão, com eles a tocando por cima.

O pacto fora selado.

❖   

O plano consiste em basicamente entrar no festival aberto ao público que ia acontecer na área do condomínio. Usando nosso conhecimento, entramos na parte de trás, longe da segurança e quando subir a primeira atração, procuramos na primeira fila, afinal a família deles eram umas das patrocinadoras e atiramos em cada um.

 A ideia foi de João, como um modo de mostrar que temos poder pra revidar tudo o que fizeram com a gente. Na cabeça dele, iam investigar a fundo até descobrir os horrores cometidos a eles.

Pessoas como eles não mereciam viver.

Se fizeram isso com a gente, fariam com mais pessoas, isso se já não faziam e usavam do dinheiro que tinham pra acobertar.

Mas agora, não mais.

E mesmo se falássemos, quem ia acreditar em nós? Seria mais fácil nos culpar pelo ocorrido, ou por estar no local errada, na hora errada, ter falado alguma coisa fora do lugar, eu não sei, mas sempre a culpa era nossa.

 A única coisa que nos levanta da cama é a vingança, que supre o vazio dentro de nós desde aquele dia.

Se somos os lixos a serem descartados, eles que serão primeiros.

Todos. Eles.

Eu não sei mais se estou certo ou errado, mas aquele dia não sai da minha cabeça, nem mesmo quando fecho os olhos. Na verdade, piora sempre antes de dormir. Os risos, os atos, o choro, os gritos, tudo, tudo se repetindo como um filme de terror sem fim.

Eu quero o fim disso.

Não consigo mais encontrar paz dentro de mim, e eles seguem a vida normalmente?

Onde que isso é justo?

Eles não podem mais continuar fazendo o que fazem, e somos nós que temos que pará-los. Se ninguém faz nada, nós fazemos.

Não me importa mais o que vai acontecer depois disso, eu só quero fazer.

Papai, mamãe, me desculpem, mas só a sombra do seu filho existe aqui.

❖   

Encaro o pequeno altar de casa enquanto me visto.

É hoje.

Deus, você vai me perdoar pelos meus pecados se hoje eu for ao seu encontro? E se não, as pessoas vão entender porque cometi esse pecado? Não estou fazendo só por mim, estou fazendo por todos. Não dizem que há males que vem para o bem?

Eles vão nos agradecer depois.

Não foi difícil achar a arma pra isso. Meu pai deixa arma de cano serrado dentro do baú, e foi só uma procura rápida para achar munição suficiente para encher a pequena bolsa que levo. Ele não precisava esconder, sabia que ninguém pegaria nela.

Ninguém em outras circunstâncias, eu diria.

Vou até o baú, encaro a arma por alguns instantes antes de guardá-la na mochila e encontrar João e Fernando no local marcado. Pelo que sei, João está com duas pistolas na mochila, ambas do pai, que é vigilante e Fernando pegou a carabina de caça montável do avô em uma bolsa maior, de mão.

Treinamos durante a última semana, toda noite, para hoje. Munição suficiente para fazer muita coisa segundo João, mesmo que nossos alvos sejam só quatro.

Já está perto da hora da atração principal. A tarde está quente e ensolarada, e o espaço cada vez mais lotado.

A plateia será grande, pelo visto.

Não consigo sentir medo. Eu não deveria estar com medo na medida que caminho até o palco? Nenhum dos dois parece estar também, e provavelmente é isso que esteja me deixando calmo.

— Eu preciso perguntar uma coisa antes – João murmura enquanto caminhamos – Alguém tem algum arrependimento? Ainda dá pra voltar atrás.

Nego, e Fernando também.

Paramos próximo do palco, e sinto a mão de João tocar meu ombro.

— Pedro, se tudo sair do controle, você sabe o que fazer, certo?

Concordo, e nos abraçamos. Talvez seja a última vez que nos abracemos.

Olhamos ao redor, e não tem ninguém. João respira fundo enquanto Fernando monta com agilidade a arma e cada um de nós as munições.

Então pegamos nossas armas.

Meu corpo é tomado por um arrepio. É como encarar um abismo e se jogar dele a cada passo dado nas escadas até chegar ao palco.

Eu tenho certeza que não volto para casa. As pessoas estão tão focadas nas atrações que esqueceram dos bastidores, e por isso não é difícil a multidão nos olharem curiosos, possivelmente pensando que somos parte da atração.

Antes que os seguranças cheguem, procuramos por nossos algozes, que como esperado, estão na frente.

João procura por Daniel, que olha assustado pra nós. Ele aponta a arma em sua direção tão rápido que mal dá tempo de reagir.

— Te encontro no inferno.

E o barulho do tiro na cabeça.

As pessoas correm e gritam, se amontoam a ponto de quem está na primeira fila não conseguem sair, presos, como o esperado. Quebramos as travas na noite anterior para que eles não fugissem.

Eu só tenho olhos pra um.

E ele tão sabe disse que é o mesmo que a todo custo corre, mas não consegue. Enquanto o mar de gente vai para uma direção, eu vou na contrária, e para minha sorte, ele fica ali.

— Não cara, não! – ele grita conforme os tiros e gritos se acumulam – Me desculpe, não, cara, eu... – Igor chora – Por favor, não me mata, eu...

Aponto a arma em sua testa. e mantenho meus olhos injetados nos desesperados dele.

— Me perdoa cara, por favor, me perdoa... – ele se ajoelha, pedindo perdão entre os gritos misturados dos demais – eu faço qualquer coisa, qualquer coisa, mas, por favor...

Só um tiro direto na sua testa foi suficiente para mata-lo, caindo sem vida no chão. Dou mais dois tiros contra seu peito porque um não é suficiente. Olho ao redor, e fiquei tão focado na minha vingança pessoal que não percebi que ali tinha se tornado uma verdadeira chacina. A senhora está aqui? Ela se machucou? Não a vejo em canto nenhum, ainda mais em meio a essa bagunça.

Os quatro estão mortos, jazidos no próprio sangue, os olhos abertos encarando o nada, a cabeça parcialmente destruídas devido ao impacto das armas.

O problema é que não eram só os quatro. Dezenas de pessoas no chão, o cheiro metálico do sangue se tornando ainda mais pesado...Corpos desconhecidos enquanto outros caem. João e Fernando descarregam toda a munição em pessoas que gritavam diante da multidão que lutavam para se dissipar.

— Ei, o que vocês estão fazendo? – grito para eles, que já estavam no meio da multidão. João parece estar hipnotizado com aquilo, e meu coração é tomado por um aperto – Parem com isso! Já acertamos quem queríamos!

— Eu sei – ele diz com um sorriso no rosto – mas estou passando o recado antes de ir.

— Irmão, que porr* você está...

Mais alguém cai sem vida, outros gritam, são dezenas de pessoas as quais sequer posso contar. João para, respira fundo e se volta pra mim.

— Até a próxima, meu amigo.

E coloca a arma debaixo do queixo, dando um tiro certeiro. Seu sangue respinga por meu rosto, e sua cabeça desintegrada cai junto ao corpo na minha frente.

Deus, o que está acontecendo? Procuro por Fernando que continua atirando e ouço a polícia se aproximar. Corro desesperado até ele, que me olha de relance.

— Fernando, o que...o que está acontecendo?

— Relaxa, Pedro – ele fala em seu tom calmo – você fica pra contar a história.

— Eu ficar? Como assim ficar? Eu não estou...

E vejo seu sorriso torto antes dele pegar a carabina e ir contra a polícia até ser atingido e morto.

Corpos estirados, um banho de sangue entre cadeiras quebradas e sirenes, inúmeras delas, seja da polícia ou das ambulâncias. Largo minha arma e encaro minhas mãos manchadas de um sangue que não é meu, e meus amigos como mais um no meio da multidão de mortos.

Fico estático enquanto policiais temerosos apontam armas em minha direção.

O que me resta mais a fazer?

Deixo que me derrubem no chão e me prendam com algemas enquanto vários deles me levam para dentro do camburão. Os gritos desesperados ainda ecoam, os choros se acumulam e o cheiro de morte ainda mais presente.

Não consigo sentir nada. Felicidade, culpa, remorso, nada.

Deveria sentir alguma coisa?

Tudo é um grande e infinito nada.

 

 

Fim do capítulo


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Comentários para 1 - Prólogo:
Rita Santos
Rita Santos

Em: 05/12/2023

Que triste!

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Lea
Lea

Em: 25/08/2022

Super amando!!

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Lea
Lea

Em: 23/08/2022

Nossa, impactante!

O que era para ser uma vingança,tomou outras proporções!

Pedro perdeu os amigos e a liberdade,por causa de uns merdinhas que se acham superiores!

*

Boa tarde,shoegazer!


Resposta do autor:

Boa noite, Lea! Agradeço por ter dado uma chance pra história, está curtindo?

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patty-321
patty-321

Em: 16/07/2022

Gente!  Que forte. Muita violência.  Nossa! Coitado do Pedro.


Resposta do autor:

Concordo, foi um capítulo difícil de escrever por conta do teor dos acontecimentos :( mas vai se mostrar necessário lá na frente da história na relação com as protagonistas

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