Alice

Ela é tão linda! Tão forte! Poderosa.

Enquanto todas à mesa são servidas pelo chef do hotel, a observo comandar tudo apenas com seu olhar intimidador. Daqui do canto da sala onde estou, sentada na minha super cadeira de rodas, é possível vê-la de frente e de costas, através do espelho que está logo atrás da mesa em que está sentada à ponta.

De frente, uma mulher negra linda, com traços marcantes, olhos grandes e pretos como amoras maduras, cílios longos, sobrancelha perfeitamente delineada com micropigmentação, boca volumosa com lábios grossos, desenhados pelas deusas, decote avantajado à mostra num vestido de alça, rosé. No espelho, costas largas com músculos definidos, enfeitados com seus cabelos crespos e armados, presos em um rabo alto. Que retrato. A perfeição dos mais altos céus. Quisera eu poder pintá-la nesse momento e guardar para sempre essa imagem.

Nossas duas últimas noites foram de tirar o fôlego. Não consigo expressar o quanto tem sido diferente e encantador me re-descobrir enquanto mulher e pessoa. A insegurança tinha sido minha fiel companheira desde que voltei do coma e soube que não sentiria mais nada da cintura pra baixo. Me lembro, com amargura na alma, do momento em que ouvi da Tati, ex da Laura, que de acordo com os exames, meus movimentos e sensibilidade estavam comprometidos e isso seria passageiro, no entanto, não poderia precisar quanto tempo demoraria. Imediatamente pensei na impossibilidade de andar, saltar de paraquedas, pilotar minha moto, goz*r, ser independente. Todos os outros dias subsequentes, a cada momento que olhava para Laura, lembrava que a possibilidade de nunca mais sentir e dar prazer para aquele monumento de mulher, era real. Dadas tais circunstâncias, seria no mínimo egoísta da minha parte eu insistir para que ela continuasse comigo. Ela é linda, famosa, milionária. Pode ficar com quem quiser e que seja perfeita para a satisfazer em todas as necessidades, anseios e desejos. Isso me acompanhou minuto a minuto que estive no hospital. Quando recebi alta, a liberação de endorfina foi tanta que fui dominada completamente pela felicidade e anestesiada dessa amargura. Não pensei em mais nada a não ser pedir minha Amora em namoro e a contagiar também com a felicidade que estava sentindo. Apenas mais tarde, quando já estávamos no hotel e Laura me levou para o quarto, que recobrei a amargura e insegurança de como fazê-la se sentir mulher amada e desejada, sabendo que estávamos com saudades disso e que, conhecendo o tanto de tesão que essa mulher tem, não passaria a noite sem pegação, no entanto, não me ative a quem estava comigo. Exatamente! Não sei em qual momento me esqueci que ela é a super Laura Indomável Implacável Decidida Mulherão da Porr* Veigas. Nada a interpela. Ela é inatingível. Antes que eu pudesse pensar em como fazer, ela já estava fazendo. Fez questão de me amar e me encantar em todos os sentidos. Me carregou em seus braços fortes, torneados. Me beijou com paixão e desejo. Me tocou em todos os lugares do meu corpo, onde sinto e onde não sinto mas, vejo e, de alguma forma única, senti mesmo sem as sinopses neurais completarem a função cerebral. Uma explosão de sentimentos e sensações nunca sentida antes. Uma explosão muito mais forte e potente do que a explosão que quase me matou. Essa por sua vez, me devolveu a vida e a vontade em viver a aproveitar cada segundo ao lado dessa outra explosão que é essa mulher encantadora que o universo me presenteou com a honra em estar em sua companhia. Redescobrir o que me excita, não necessariamente do jeito que conhecia, o que me faz chegar ao ápice do que hoje para mim é prazer, tem sido encantador.

Me lembro da Laura falando que quando me viu palestrar, teve orgasmos acadêmicos e posso dizer que hoje, tenho provado a gostosura de ter orgasmos visuais, sensoriais, imaginários, arrepiantes e inebriantes. Essa mulher é definitivamente a explosão mais incrível que já existiu nesse planeta que alguns dizem ter nascido de uma explosão. Uma metáfora seguida de uma analogia impressionante para tentar entender esse espetáculo de mulher que consegue com sua existência, me fazer existir. Eu a Amo além de mim. Amo cada célula que a compõe. Amo tudo o que ela representa. Amo todo o seu jeito de ser sem tirar nem por,absolutamente nada. Amo suas qualidades e defeitos. Amo seu cheiro, seu toque, seu olhar. Amo como fala e gesticula ao falar. Amo as covinhas que aparecem quando ela sorri. Amo o alinhamento perfeito que seus dentes tem e aparecem quase em sua totalidade quando seu largo sorriso se abre. Amo como ela pisca e seus olhos grandes e pretos, são direcionados de forma profunda a tudo o que vê. Amo ainda mais quando ela me olha e todos os meus poros reagem ao seu olhar, com piscada lenta e pesada, e seus olhos reviram-se num charme único que me fazem sorrir. Amo o perfil do seu queixo, levemente quadrado que segue numa linha perfeita até a orelha, e amo passar a língua por essa linha a fazendo sorrir e se arrepiar. Amo seu colo que expõe seu decote avantajado. Seios fartos, perfeitamente delineados. Amo seus ombros esguios e definidos de músculos. Amo seus longos e fortes braços. Amo sua melanina. Amo suas mãos grandes e dedos longos. Amo a cor da palma da sua mão, que contrasta com a cor da sua pele. Amo as linhas da sua mão, em outra coloração da pele da mão. Ela é perfeita. Amo seus cabelos que se compõe em inúmeros cachinhos que puxam outros e outros e outros num emaranhado macio e lindo, onde amo perder minhas mãos entre eles. Meu Deus! Como amo cada detalhe dessa mulher. A amo desde menina. Nunca deixei de amá-la e tenho certeza que, se existir outras vidas, já a amei e tornarei a amá-la.

Ontem ela teve que se ausentar do apartamento para resolver questões empresariais e, a falta dela, me deixou triste. Foram muitos dias, nos vendo o tempo todo. Estou praticamente dependente da sua presença. Preciso trabalhar isso em mim. Sei que daqui a poucas horas estaremos retornando ao Brasil e nossa vida voltará a ser corrida como antes, e tenho que aceitar isso, apesar de ser difícil a ideia de a dividir com seu império empresarial. Quando penso em seus negócios, tenho feito um esforço para me lembrar de algo que sinto que tenho que contar-lhe, mas ainda não consegui. Sei que é algo relacionado ao imprestável do Joseph e, exatamente por ser sobre ele e não conseguir recobrar a memória, me angustia.

Meus pensamentos me dominaram e não percebi a hora passar. Infelizmente fui trazida de volta a realidade do momento com a Carol estalando os dedos quase dentro dos meus olhos e a fuzilei com o olhar. Ela sorriu e me beliscou ao mesmo tempo.

- Já achei que estava tendo um piripaque. Está aí parada, olhando para a Laura um tempão e nem parece que está nos ouvindo.

- E não estou mesmo - sorri ao responder - Estava refletindo sobre a vida.

- Ah, vai ter onze horas de vôo para pensar na vida - gargalhou e deu a volta por trás da cadeira me empurrando até a porta de saída - Vamos embora desse lugar, lindo, mas que não foi feito para nós.

- Já está na hora?

- Sim! Os carros chegaram e fui escalada para te levar - me deu um beijo no rosto e continuou a empurrar a cadeira - Sua mãe, Didi e Chica ainda querem levar croissants, então a Laura pediu para que entregassem aqui e elas vão aguardar chegar. Eu e você já vamos na frente - ela se inclinou e me olhou com a testa franzida - Onde estava que não ouviu nada disso?

- Já disse - sorri - Pensando na vida.

- Na vida né?! Sei - sorriu - Não esqueça que minha suíte era do lado da sua.

- Carol!! -retruquei com sua fala e gargalhei.

- Que é?! Eu hein - gargalhou - Isso prova que você está vivíssima amiga. Só não está andando, mas pra dar não precisa andar - gargalhou mais uma vez e me apertou as bochechas - Vamos embora que eu também quero dar logo. O Léo que me aguarde. Agora sou uma namorada quase parisiense, vou gem*r em francês - gargalhou alto - Oui Oui Léo - imitou o sotaque francês.

Gargalhamos com a referência à língua e fomos surpreendidas com a minha amada Laura que chegou de frente, segurou a cadeira com as duas mãos e se abaixou para me beijar.

- Nos vemos daqui a pouco!

- Oui mon amour - respondi gargalhando - Oui! - e a beijei.

- Nem vou perguntar o motivo dessas risadas de vocês pois deve ser uma das bobeiras exclusivas de Alice e Carol - falou revirando os olhos e sorrindo.

- OUI! - respondemos juntas às gargalhadas - OUI!

Laura sorriu e balançou a cabeça, se divertindo com nossa diversão.

- Não demorem! - falou Carol - Meu piloto não esperará por muito tempo.

- Oui m’dame - respondeu sorrindo Laura - Por favor peça ao seu piloto - revirou os olhos ao dizer, sorrindo - Que nos aguarde ou não daremos gorjeta.

- Oui - falou Carol ainda gargalhando - Com certeza vou ter o prazer em falar isso.

Ela se abaixou mais uma vez e me beijou com carinho.

- Te amo! - falei no final do beijo.

- Te amo, gostosa da minha vida - cochichou em meu ouvido, me fazendo arrepiar as costas e pescoço.

- Vocês duas não podem segurar o fogo? - falou Carol - Até eu ver o Léo vai demorar. Puta falta de respeito com as sozinhas - e começou a empurrar a cadeira, na tentativa de afugentar a Laura que foi andando ao lado, acompanhando a cadeira e me dando beijinhos rápidos, sorrindo e dizendo me amar até que entramos no elevador e ela ficou acenando na porta, como se fôssemos nos demorar a rever.

- Aff!! Que diabete! - brincou Carol assim que as portas se fecharam - Mas diz aí miga, essa Laura faz até quem não é bicha, virar hein.

- Demais né, miga - respondi sorrindo - Um espetáculo né?!

- Oloco! Ela é linda e elegante o tempo todo. Poderosa. Olha esse lugar que estamos, ela arranjou isso aqui com uma ligação - falava espantada - Mesmo sabendo que ela é foda, a gente ainda se surpreende né?!

- Sim! - respondi sorrindo apaixonada - E é toda minha.

- Tu é bichona viu! Dar conta desse mulherão não é pra qualquer uma não - sorriu - Tá de parabéns hein.

- Obrigada! - sorri - Eu tento pelo menos.

As portas do elevador abriram e a SUV com rampa já estava à espera, com dois seguranças ao lado que prontamente me ajeitaram dentro do automóvel e o mais breve possível, saímos rumo ao aeroporto.

Carol, foi o trajeto todo enaltecendo as conquistas e feitios da Laura, encantada com sua garra e determinação em dominar todos os mínimos detalhes.

A viagem até o Brasil aconteceu da forma mais confortável possível. A energia que eu e Laura estamos emanando, provavelmente domina toda a atmosfera do ambiente, pois diversas vezes fomos abordadas com comentários engraçados em relação aos nossos olhares e jeito carinhoso de nos tratar. Ela definitivamente faz isso comigo.Me deixa com cara de boba e completamente entregue ao nosso amor.

Após onze horas de vôo, pousamos em São Paulo. Que emoção! Saber que estamos de volta ao nosso canto, me causa uma sensação de aconchego e bem estar. Mesmo sabendo de todos os intempéries que serão enfrentados a partir de agora, nada se compara a felicidade de estar em casa. Laura, mais uma vez nos surpreendeu com um esquema pesado de segurança. Definitivamente ela não está para brincadeira. Saímos do aeroporto de Guarulhos em carro blindado e escoltadas. Um mar de gente nos aguardava na saída. Pra falar bem a verdade, uma situação um pouco assustadora, ainda mais considerando que fiquei praticamente isolada da sociedade por alguns meses. De repente, ver um tanto assim de pessoas, me causa até suor frio nas mãos.

Passado toda a perseguição e após um caminho corrido pelas ruas da capital paulista, minha tão amada “Sampa” com suas luzes verticais e iluminar nossos olhos, entramos em um condomínio de luxo. A cada casa que passava, o padrão só aumentava. Quando a Carol me falou que a Laura tinha comprado uma casa e mandado adaptar tudo para minha atual situação, não me ative a qual seria o nível, mesmo sabendo que a Laura não é absolutamente nada básica, de fato, não me ocorreu o quanto poderia ser deslumbrante essa tal casa, por isso, ainda me surpreendi.

Enquanto esperávamos o portão da garagem se abrir, senti sua mão segurar a minha e seu sorriso de abriu. Ela está radiante! Eu também.

Ao entrar na garagem, não sabia para onde olhava primeiro. Todos os seus carros devidamente enfileirados, em ordem de marca e tamanho começando pelos Porsches, passando pelas Audis, Mercedes e acabando com os Volvos. Um salão extenso, com teto em madeira envernizada e várias janelas. Na lateral, uma parede toda em vidro onde é possível ver o amplo interior da casa. Corri os olhos e nenhum luxo ali exposto se igualou ao poder arrebatador dos olhinhos verdes escuros da menina Mirela. Tomada pela emoção do reencontro, acelerou os passos em minha direção a ponto de, em alguns milésimos de segundos, a distância de quatro metros ser inexistente e eu sentir seu abraço forte me envolver.

Nossos corações sofridos e pertencentes a um lugar só nosso se reconheceram e as lágrimas brotaram, lavando toda a amargura e tristeza deixada no rastro da dificuldade e injustiça. Céus!! Impossível descrever a emoção desse momento.

- Obrigada! Obrigada! Obrigada! - dizia repetidamente enquanto me apertava forte contra o peito - Obrigada!

- Mirela, minha pequena - afaguei seus cabelos, agora cortados curtos na altura dos ombros - Você conseguiu! Que alegria te ver.

- Obrigada! - continuava a repetir.

- Deixa eu te ver melhor - pedi entre sorrisos e lágrimas.

Ela se afastou do abraço e ficou me olhando bem de perto, me acariciando o rosto. Limpamos uma as lágrimas da outra, nos olhando profundamente e sentindo o sorriso teimar com o choro em quem se faria mais presente. Alguns segundos quase eternos de apreciação facial, para através de nossos olhos, enxergamos nossas almas. Minha pequena guerreira. Que orgulho dessa menina forte. Ela conseguiu vencer todas as atrocidades. Sobreviveu a um sequestro. Foi vítima de tráfico humano. Passou por lugares impensáveis e por situações dignas de lhe tirar toda a humanidade, todavia, permanece mais doce do que uma manhã de verão e com mais brilho que as estrelas do oeste.

- Tenho tanto orgulho de você! - falei, beijando-lhe a testa - Eu que agradeço por me manter sã e com esperança de voltar à vida.

Voltamos a nos abraçar. Ao sair do abraço, agora de um jeito faceiro que muito me lembrou sua irmã, deu um pulinho para trás já se colocando em posição de me guiar e falou alegremente:

- Vamos entrar! Quero te apresentar minha irmã e minha cunhadinha.

- Quer me apresentar? - perguntei sorrindo da sua empolgação.

- Sim! Venha - e começou a me empurrar.

- Calma! Antes quero que você conheça a minha namorada - estendi a mão para Laura que nos olhava com ternura, limpando as lágrimas que também a visitavam - Essa é a Laura.

- Prazer Laura! - Mirela a abraçou espontaneamente.

- O prazer é meu, Mirela - respondeu, docemente Laura, segurando a mão da jovem - É uma honra te conhecer.

-Mesmo que eu passe minha vida inteira te agradecendo por tudo que fez por nós, ainda será pouco - falou Mirela, novamente emotiva - Você e a Alice, salvaram nossas vidas. Falo em nome de todas as meninas. Obrigada!

- Imagine querida - a abraçou novamente Laura, e dessa vez a menina Mirela aparentou ser menor do que é, já que sua cabeça ficou na altura dos seios da Laura e ela envolveu seus braços em sua cintura - Pelo que vi, agora é nossa afilhadinha. Você cuidou do meu bem mais precioso quando eu não pude - Laura me olhou e piscou - Agora cuidaremos de você.

Num piscar de olhos, enquanto as contemplava envolvidas nesse abraço gostoso e sincero, não percebi que a invasão do momento estava prestes a acontecer. De repente, o abraço de duas, se fez de três, quatro, cinco, seis, sete e oito. Sorri com o montinho humano que se formou e em fração de segundos, as oito se deslocaram imediatamente para cima de mim e o abraço montante foi na minha pessoa.

- Bem vinda de volta, Aliceeeee! - falaram em coro e saltavam abraçadas.

Que energia! Não existe nenhum poder mais forte que o do Amor.

O Amor cura, salva, protege, constrói, emana. O Amor, em todas as suas formas, entrelaçados em um abraço forte, feminino, crucial e poderoso. Simples. Puro. Amor.

Fim do capítulo