Capitulo 33 - Acampamento Sangrento
ㅡ Eu estou bem! ㅡ Berrava Loenna, com uma cumbuca de sopa em mãos. ㅡ Eu consigo mexer todos os meus membros, olhe!
ㅡ Você fraturou o fêmur. ㅡ Dizia Aya, séria. ㅡ Sabe quanto tempo demora para se recuperar de uma lesão dessas? Garanto que bem mais que um mês.
Já se havia passado um mês desde o último ataque do bando de Loenna, em que seus seguidores atacaram uma igreja Kantaa e fizeram churrasco com os ursos que ali estavam. A garota, entretanto, não foi agraciada de muita sorte: Fora atacada por um Kantaa parcialmente desacordado que, mesmo tendo respirado uma grande quantidade de fumaça tóxica, era forte o suficiente para deixá-la em estado grave antes de desmaiar e cair como uma pedra imensa no chão. Aya decidira juntar-se ao bando no momento em que recebeu a líder desacordada em sua casa, sendo bem recebida por Fowillar e os demais seguidores de Loenna. Depois de sete dias cuidando da garota com o mais profundo zelo, Loenna havia despertado e descoberto que seu bando crescera; Eles eram, agora, cerca de sessenta e cinco rebeldes.
Aparentemente, a fratura no fêmur era a sua única, mas no dia em que havia despertado pela primeira vez ela sentira como se cada um de seus ossos tivesse se partido. Jamais presenciou maior dor física em toda a sua vida.
ㅡ Mas eu quero saber o que está acontecendo. ㅡ Loenna cruzou os braços. ㅡ Isso não é justo. Eu sou a líder por aqui, vocês agem por trás dos panos e não me deixam sequer saber o que está acontecendo. Estou sendo tratada como uma criança.
ㅡ Não podemos correr o risco de perdê-la, entenda. ㅡ Aya lavou as mãos em uma bacia de água que havia retirado de um lago nas proximidades. ㅡ Você sofreu lesões graves naquele dia, é arriscado que vá para a batalha agora…
ㅡ Eu não estou pedindo para ir para a batalha. ㅡ Ela afirmou, contundentemente. ㅡ Eu estou pedindo para saber o que está acontecendo.
Aya ergueu uma sobracelha.
ㅡ Você promete que não vai tentar nenhuma gracinha? ㅡ Disse Aya, num tom repreensivo. Loenna quase deixou escapar uma risadinha; Era como se ela fosse uma criança levada e a enfermeira sua mãe.
ㅡ Prometo. ㅡ Mas isso era uma mentira. Imagine! Loenna ignorar o fato de que seu bando estaria indo em uma missão? Era ela uma líder ou não? ㅡ Vou ficar aqui, bem quietinha.
ㅡ Certo… ㅡ Aya abriu um sorriso. ㅡ Eu vou chamar Fowillar. Ele vai saber te dar mais detalhes.
Aya deu em Loenna um beijinho na testa ㅡ Que a fez se arrepiar da cabeça aos pés ㅡ E foi em busca de Fowillar, o líder provisório.
Quando o marido entrou em cena, Loenna percebeu que ele estava bem mais apessoado. Tinha feito a barba, cortado o cabelo e usava roupas limpas, junto com um costumeiro cigarro em mãos; Havia obtido, provavelmente via algum saque de um dos seguidores de Loenna, dinheiro para se aprumar do jeito que gostava. Ela quase emitiu um sorrisinho de canto de boca, notando que havia se casado com um homem realmente bonito. Se não fosse o fato de que Fowillar se interessava por homens, ela poderia até mesmo lhe dar uma chance de verdade.
ㅡ Bom dia, emburrada. ㅡ Quem era ele para falar, afinal? ㅡ Ouvi dizer que você quer saber como andam as coisas por aqui.
ㅡ O bando é meu, caso não esteja lembrado. ㅡ Ela ainda assim tinha que impor respeito. ㅡ Eu DEVO saber como estão as coisas aqui.
ㅡ Certo, certo. ㅡ Ele ajeitou a camisa. ㅡ Não lhe tiro a razão. Aya estava com medo de você tomar uma atitude precipitada e partir para o campo de batalha sem estar totalmente curada, e eu achei que essa era uma hipótese perfeitamente plausível.
ㅡ Eu jamais faria isso. ㅡ Ela certamente faria aquilo.
ㅡ Acredito em você. ㅡ Fowillar definitivamente não acreditava nela. ㅡ Bem, já que você está tão interessada, saiba que eu enviei cerca de vinte de nossos guerreiros para um acampamento Eran.
ㅡ Acampamento Eran? ㅡ Então o bando de Loenna não era o único que gostava de acampar, afinal.
ㅡ Sim. Eles gostam de fazer isso, dizem que é pra ficar em maior contato com a natureza e essas patacoadas todas, mas quem tem um pouco mais de massa cinzenta sabe que é para eles fiscalizarem melhor seus serviçais lenhadores, garantirem que não estão cortando mais madeira do que dizem para eles e vendendo madeira por fora… Enfim. O próximo acampamento ocorrerá no dia 24 de setembro, o que, pelos meus cálculos, é precisamente amanhã.
ㅡ E quantos Eran estarão nessa palhaçada toda? ㅡ Loenna queria saber de tudo, todos os detalhes.
ㅡ Cerca de dez. São poucos, mas eu tenho medo que eles tenham armas de fogo e nós não temos muitas delas…
ㅡ Temos armas de fogo? ㅡ Loenna esbugalhou os olhos.
ㅡ Sim, o pai de Suriyon Wombo trabalhava para os Eran. Temos dois filhos de ex-militares agora. Ele deixou de herança quatro dessas belezinhas, que agora são nossas. Também temos cerca de quinze novos cavalos, cada um de um seguidor diferente. ㅡ Fowillar deu uma pitada em seu cigarro. ㅡ Posso continuar?
ㅡ Suriyon Wombo? ㅡ Loenna coçava a cabeça. Era muita informação para um dia só.
ㅡ Sim, seu novo soldado. ㅡ E assoprou a fumaça, como uma chaminé. ㅡ Enfim. Planejei um ataque surpresa com o nosso bando de vinte, mas para isso alguns soldados teriam que ir à frente para estudar o terreno e o local. Eu pedi para Lenrah Moran, aquele deus grego que apenas uma entidade muito bem inspirada poderia ter esculpido, liderar essa missão. Mas ele tem dezoito anos e, bem, achei que necessitávamos de alguém um pouco mais experiente também. Então permiti que Kledian Steda tomasse a frente junto com ele, embora eu não vá muito com a cara daquele imbecil.
ㅡ Kledian… Steda? ㅡ Loenna já havia ouvido aquele nome antes, mas não se lembrava muito bem onde.
ㅡ É, ele não gosta muito de mim. Diz que é homem demais e cheirou a pederastia no meu corpo. Eu evidentemente neguei tudo, mas acho que não fui muito convincente. ㅡ Fowillar rangeu os dentes.
ㅡ Talvez ele tenha confundido com cheiro de cigarro. ㅡ Brincou Loenna, e mesmo Fowillar soltou uma risadinha anasalada.
ㅡ De qualquer forma, ele é um dos poucos de nós que tem treinamento militar robusto. Ele ganha a vida ensinando jovens Kantaa a lutar, então eu sinceramente não o acho muito confiável. Mas confio em Lenrah e compartilhei minhas desconfianças com Steda com ele. Acredito que ambos vão se sair bem se Steda for vigiado.
ㅡ Você não confia nele porque ele não vai com a sua cara, não é? ㅡ Retrucou Loenna. Fowillar era muito inteligente, mas por vezes não sabia separar o pessoal do profissional.
ㅡ E tem outra razão para não confiar nele? Por Deus, ele é um mulherengo de mão cheia e se incomoda em eu me deitar com homens! Quero dizer, atualmente não estou me deitando com ninguém, mas… ㅡ Fowillar levou novamente o cigarro aos lábios. ㅡ É isto que tinha para lhe dizer. Satisfeita, mocinha?
ㅡ Não. ㅡ Loenna ainda não havia terminado. ㅡ Só vou estar satisfeita quando você me arrumar um cavalo para partir nessa missão atrás dos seus vinte escolhidos.
Fowillar franziu o cenho e Aya deixou cair um pote contendo algum emplastro curativo.
ㅡ Loenna! ㅡ Aya estava parcialmente irritada, parcialmente amedrontada. ㅡ Você prometeu!
ㅡ Você já está curada? ㅡ Perguntou Fowillar. Ele parecia mais otimista com a ideia do que a enfermeira.
ㅡ Não, ela não está. ㅡ Retrucou Aya.
ㅡ Sim, eu estou. ㅡ E Loenna levantou-se da rede em que estava suspensa, desenfaixando seus punhos e seus tornozelos. ㅡ Eu estou perfeitamente bem.
ㅡ Bem, neste caso… ㅡ Fowillar coçou o queixo, mas foi interrompido por Aya:
ㅡ Você não vai endossar isso, vai? ㅡ E apontou para Loenna, já de pé. ㅡ Ela ainda precisa de uns dias para se recuperar totalmente.
ㅡ Aya, isso é uma guerra. ㅡ O semblante de Fowillar tomou um ar soturno. ㅡ Não é o mundo ideal. Não podemos perder tempo, e a figura de Loenna é importante para os nossos guerreiros, já que eles seguem a ela e não a mim. Se ela já consegue ficar de pé, então… Bem… Vou enviar um guerreiro para cuidar dela enquanto estiver com eles.
ㅡ Rhemi? ㅡ Tentou Loenna adivinhar. Fowillar fez que não.
ㅡ Suriyon. ㅡ Ele respondeu. ㅡ Acho melhor envolver Rhemi o mínimo possível nessas missões.
Loenna concordou. Era Rhemi o responsável indireto por sua hospitalização, afinal.
ㅡ Eu vou atrás dele e buscar um cavalo e uma espada para você. Sim, nós temos espadas! ㅡ Fowillar comemorou. ㅡ Tem ainda um velho que está meio reticente em nos fornecer seu animal, mas acredito que se for para você ele irá ceder. Enquanto isso, tente convencer Aya. Ou não, você é quem sabe. Já volto.
E partiu em meio à luz do meio-dia, caminhando triunfante de uma maneira que Loenna jamais havia visto.
Aya, soturna, encarava o chão, visivelmente assustada. Foi naquele momento em que a moça dirigiu-se para uma caixa cheia de coisas de toda a sorte e retirou dela um terço. Agarrou-o com força e mordeu os lábios, murmurando uma oração bem baixinho.
Loenna a observou rezar. Seus lábios se movimentavam vertiginosamente e seus dedos deslizavam pelas contas do terço. E, por incrível que pareça, aquilo chocou a garota; Nunca imaginou que a enfermeira pudesse ser religiosa.
ㅡ Aya? ㅡ Loenna interrompeu. ㅡ O que você está fazendo?
Aya parou uma oração no meio e focalizou Loenna com seus dois belos olhos verdes.
ㅡ Rezando por você. ㅡ E lambeu os próprios lábios. ㅡ Eu fiz isso da última vez. Talvez, se eu tivesse rezado pelos meus pais antes de sua morte, eles não teriam partido. Vou pedir para que Deus te proteja.
ㅡ Você é religiosa? ㅡ Loenna não era exatamente avessa à religião, mas imaginava que Deus não iria querê-la depois de ter descumprido tantos mandamentos. Aya sorriu.
ㅡ Sou católica. ㅡ Ela disse, tenramente. ㅡ Vou à igreja desde criança. Por quê? Você não sabia?
ㅡ Como você lida com… ㅡ Loenna ainda tinha algum receio com aquele assunto. ㅡ Você sabe…
ㅡ Eu soube que gostava de moças desde muito jovem. ㅡ Aya, para sua sorte, era perspicaz e havia entendido exatamente o que a garota queria dizer. ㅡ E nunca foi uma questão para mim, porque eu já conversei com Deus sobre isso, e sempre senti que ele queria que eu fosse feliz. Ele sabe que não vou ser feliz com um garoto, então não vai estar satisfeito se eu estiver com um. Deus me ama do jeito que eu sou.
ㅡ Você acha que… ㅡ Loenna se encolheu. Era muito tímida quando tratava deste assunto. ㅡ Ele quer que nós… Eu e você…
ㅡ Ele quer que eu seja feliz, mas ele também quer que você seja feliz. ㅡ Disse Aya, levando o terço ao pescoço. ㅡ Então a resposta para essa pergunta vai depender de você. Se nós duas quisermos isso, a resposta é sim.
ㅡ Eu não sei se você vai ser feliz comigo. ㅡ Loenna se viu forçada a admitir.
ㅡ Bom, isso quem sabe é Ele. Mas, se quer minha opinião… ㅡ Aya afastou um cachinho do rosto de Loenna. ㅡ Você se cobra demais. Sabe, Loenna, você não foi a minha primeira paixão. Desde adolescente eu tinha devaneios com as garotas do meu bairro, com as meninas da igreja, mas com você certamente o que senti foi mais intenso e mais avassalador. Você é especial e o seu retorno apenas me confirmou isso.
ㅡ Eu… ㅡ Loenna sentiu a garganta ficar seca. ㅡ Por que sou tão especial? O que tem de diferente em mim?
ㅡ Eu não sei. ㅡ E Aya levou sua mão direita às maçãs do rosto de Loenna. ㅡ Talvez apenas Deus saiba. Só tenho certeza de que amo você e não há nada no mundo que mude meu sentimento por ti.
ㅡ Eu gosto muito de você. ㅡ Talvez a palavra “amor” seja, ainda, um pouco forte. ㅡ Eu quero que isso evolua. Mas eu tenho medo de nunca estar preparada para mergulhar de cabeça nisso…
ㅡ Se for para ser, será. ㅡ Aya esboçou um sorriso de canto de boca. ㅡ Eu não acredito que o seu passado vá segurá-la por muito tempo. Se você amadurecer a ideia e decidir que não está pronta para ter algo comigo, eu vou tentar abafar este sentimento, porque a responsabilidade por essa decepção é toda minha. Mas eu tenho fé em nós duas, eu e você.
ㅡ E se eu demorar muito? ㅡ Os olhos de Loenna marejavam. ㅡ Você ainda estará lá para me esperar?
ㅡ Eu só irei parar de te esperar quando você me disser que não há chance alguma. ㅡ Disse Aya. ㅡ Até lá, estarei aqui. Vivi sem amor por vinte e três anos, e vivi bem. Viver no aguardo dele por mais alguns anos não seria tão catastrófico porque, afinal, sou mais do que quem eu amo.
ㅡ Eu… ㅡ Loenna mordeu os lábios. ㅡ Posso te beijar?
Aya sorriu, tomou o rosto de Loenna em suas mãos e deslizou os polegares por toda a extensão de seus maxilares. Encarou a garota com um rosto sereno, parecia anestesiada; Seu olhar era o de uma mulher apaixonada. E, enquanto Loenna se decidia entre beijar a enfermeira e admirar seus belos olhos verdes, Aya tomou a frente e roubou de seus lábios um beijo de tirar o fôlego. A líder sentia seu coração bater e, enquanto as línguas das garotas se entrelaçavam, tudo o que Loenna conseguia pensar era no porquê de não conseguir se permitir a um relacionamento com Aya.
Apesar do beijo ter sido delicioso e lento, Loenna e Aya não puderam dar a ele uma boa finalização, porque em um determinado momento enquanto ambas deleitavam-se com o sabor de suas bocas, um pigarro invadiu a cena.
Era Suriyon Wombo.
— Com licença, senhorita Nalan… — Loenna, de sobressalto, desvencilhou-se de Aya e virou-se para trás no mesmo segundo. Suriyon, um homem alto, forte, já no fim de seus vinte ou início de seus trinta, prostrava-se em pé rente à suas costas. Trazia uma espada em suas mãos e estava enrubescido de vergonha pela cena que tinha acabado de presenciar. — Suriyon chegou em uma má hora?
— Não! — Ele definitivamente havia chegado em uma péssima hora. — Claro que não, Suriyon. Imagine. Fowillar conseguiu um cavalo e uma espada para mim?
— Ambos estão perto da barraca de Suriyon. — Suriyon tentava não encarar nenhuma das duas nos olhos. — Suriyon estará esperando-a atrás da mangueira, senhorita Nalan. Senhorita Gaddard. — E fez uma reverência, retirando-se.
Loenna também estava embaraçada, limitando-se a observar Suriyon desaparecer em meio ao grande mar de verde que os cobria. Aya, no entanto, parecia ser um pouco mais desinibida; Ela tratava os assuntos que tangiam à sua sexualidade com muito mais naturalidade.
Sem que Loenna precisasse desviar o olhar, Aya a abraçou e deu um beijinho em sua bochecha, fazendo com que algumas borboletas dançassem no estômago da garota.
— Boa sorte. — Ela sussurrou baixinho com sua voz doce. — Estarei rezando por você. Fique viva, por favor.
— Vou… — Loenna seguiu o caminho que Suriyon havia tomado e levou a palma de sua mão à bochecha beijada. — Vou ficar. É a meta.
E Aya, sonhadora, se permitiu sorrir, com sua amada partindo para uma missão perigosa.
***
Quando Loenna e Suriyon alcançaram o bando designado por Fowillar, Loenna percebeu que o marido havia acertado nas escolhas. Tivera cautela para assignar para essa missão dois de seus melhores guerreiros — Lenrah Moran e Kledian Steda — mas também se atentou às qualidades individuais de cada um. Haviam homens grandes, e, portanto, fortes; Homens e mulheres menores e, dessa forma, mais ágeis; Um ou dois pareciam ser estudiosos, algo raro na baixa sociedade Carmerri, mas de suma importância numa guerra. O time que Fowillar havia montado era completamente diversificado e, dessa forma, bem qualificado. Era uma equipe sem pontos fracos: Era possível encontrar força, agilidade e sabedoria em um pequeno punhado de 20 pessoas.
O primeiro a reconhecer sua líder foi o jovem Lenrah. Ao apertar os olhos e confirmar a presença de alguém, o guerreiro montou guarda, atento para qualquer mínimo movimento suspeito, como havia de ser. Entretanto, ao notar que o amigo e a líder montavam o cavalo pardo que vinha em sua direção, o rapaz abaixou sua espada e abriu um grande sorriso.
— Suriyon! Senhora Nalan! — E, com seu chamado, todo o restante do bando notou a presença de Loenna em sua tocaia. — Que prazer que é vê-los!
E um homem ao lado de Lenrah também se ergueu e abriu um sorriso de igual tamanho: Kledian Steda.
— Senhora Nalan! — Disse o treinador de Kantaa. — É uma honra conhecê-la!
E Loenna percebeu a razão do homem ser treinador dos ursos. Kledian Steda, como tinha que ser, era um homem gigante. Alto, mais ou menos da altura de Fowillar, mas estúpidamente forte. Seus músculos marcavam-se na roupa que usava, e o corpo de Steda era rico não apenas em volume como também em definição. A garota tinha uma leve impressão de que já o conhecia e, o que talvez fosse um sentimento novo, o achou muito bonito (Talvez “bonito” fosse uma palavra um pouco fraca demais para descrever sua opinião sobre Steda, já que Loenna sentiu uma umidade se formar em suas partes íntimas ao vislumbrar o homem pela primeira vez, mas definitivamente aquele não era o ambiente e a hora adequada para isso.)
— É um prazer revê-lo, Moran. E um prazer conhecê-lo, Steda. — O prazer poderia ser maior se ela o conhecesse de outra maneira. — E, uh… Olá a todos vocês. Obrigada por… Estarem aqui.
— O que a senhora Nalan quer dizer é que admira vossa bravura e coragem. — Bem, felizmente Suriyon havia se adiantado à ela, porque Loenna não era exatamente boa com cordialidades. — Todos vocês são guerreiros e guerreiras incríveis e se arriscaram muito para estarem aqui.
— E o que temos até aqui? — Loenna queria ir direto ao ponto.
— Estudamos o território, entendemos como atacar. Nós dissemos para os lenhadores que somos patrulheiros e eles pareceram não se incomodar muito. — Disse Lenrah, o líder da missão. — Os Eran devem estar para chegar e, quando isso acontecer, acreditamos que estarão desarmados. Pelos meus cálculos, isso deve acontecer mais ou menos…
— Agora. — Respondeu uma garota, apontando para o horizonte ao longe.
Loenna virou a cabeça e, quando espiou por detrás da grama alta que abrigava o bando, viu uma porção de Eran marchando em direção a eles. Eles usavam roupas finas, ternos galantes e calças de cetim, que felizmente não ofereciam resistência a espadas, tiros e facas. Loenna reparou que um dos homens era Orwill Eran, filho mais novo de Monvegar Eran, com apenas dezessete anos.
— Quando devemos atacar, senhora Nalan? — Perguntou a mesma garota, dirigindo-se a sua líder.
— Moran? — Loenna voltou-se para Lenrah. Ele saberia responder àquela pergunta melhor do que ela.
O garoto mordeu os próprios lábios, apertou a empunhadura da espada e, após alguns torturantes segundos, respondeu aos questionamentos de Loenna.
— Um… Dois… Três… — Ele suava frio. — Já.
E vinte e dois cavaleiros partiram em direção aos Eran, carregando nada mais que suas armas e fúria nos olhos.
Fora um massacre. Os Eran, despreparados, sequer tiveram tempo de puxar uma arma da cintura. Lenrah foi o primeiro a levar um Eran para o além; na investida, sua espada o perfurou em cheio. O segundo Eran conseguiu desviar de Lenrah, mas Steda rapidamente cortou sua cabeça sem que ele pudesse dizer muita coisa. Com o sangue banhando o solo, um dos cavalos Eran relinchou e levou mais dois Eran de cerca de quarenta anos ao chão. O cavalo de Kallira e Silena, duas garotas cujos semblantes exalavam valentia, esmagou os corpos destes Eran abaixo de si e Silena selou seu destino dando dois tiros certeiros em suas cabeças.
O quinto Eran tentou lutar, sacando uma adaga da cintura, mas era tarde demais. Loenna já havia lançado a sua diretamente no rumo do pescoço do homem, de forma que sua adaga escapou de suas mãos moles enquanto uma cascata de sangue se formava logo abaixo de seu queixo. A sétima Eran era mulher, e Loenna não gostava de matar mulheres, mas Suriyon aparentemente não tinha problema com isso: Num só ato, fincou sua espada no coração da senhora, que não ofereceu resistência alguma e caiu morta ao chão. Os oitavo e nono Eran tinham armas, de forma que eles conseguiram ferir uma garota nova que errou o golpe de espada, mas o garoto que estava com ela — Seu irmão, Loenna chutaria. — Desceu o machado em ambos, cortando duas cabeças de uma vez. A garota caiu ferida ao chão, com dois tiros no peito, entre a vida e a morte; Talvez a única baixa da batalha.
E restou ele, Orwill Eran. Um rapazote de dezessete anos que, por ser filho de Monvegar Eran, era muito bem treinado. Apanhou a espada da irmã do garoto do machado e se pôs a degladiar com Lenrah Moran, conseguindo evitar seus ataques com maestria. Lenrah suava, percebia que estava batalhando de igual para igual, o choque do metal emitia um barulho ressonante e do embate saíam faíscas.
Até que Suriyon cansou-se da brincadeira e, enquanto o Eran estava distraído com Lenrah, atravessou-o com a espada de ponta a ponta. Orwill arregalou seus olhos, regurgitou sangue e, com seu coração dilacerado por Suriyon Wombo, somente lhe restou o cair mole de um corpo sem vida.
Todos se entreolharam. Suriyon respirou fundo, observou todos os Eran mortos caídos ao chão. O verde da grama já havia se tornado vermelho; Havia carne e vísceras espalhadas por todo lugar.
E, então, ele se permitiu sorrir. Foi seguido por Steda, que por sua vez foi seguido de todo o resto. Haviam vencido! Loenna sorriu ao observar seus seguidores entoarem o urro da vitória. Eram menos dez Eran no mundo e mais um ponto para o bando dos rebeldes.
***
Fowillar estava nervoso. Andava em círculos, parecia desorientado. Mordia os lábios, alisava o cabelo. Não sabia se seu grupo havia obtido sucesso e muito menos se haviam tido baixas. Cada passo era uma pitada em seu cigarro; Era seu terceiro só naquela manhã do dia vinte e cinco de setembro, e o estrategista do bando jamais consumira tantos cigarros num dia só. Eles estão demorando, ele repetia para si mesmo. Mas a estrada é sinuosa, de fato é difícil atravessá-la, respondia. Mas será que a demora se deve somente a isso? E se eles tiverem perdido? retrucou sua mente. Não, Fowillar estava certo de que não podia perder. Aquele bando era sua vida agora, a causa era tudo o que ele tinha. O que ele se tornaria sem o bando? Sem a causa? Sem Loenna?
Quando o ex Saphira viu no horizonte o seu bando caminhar em seus belos cavalos pardos, fora como se um peso tivesse sido tirado de suas costas. Os animais marchavam lentamente, mas aos poucos o rapaz conseguiu focalizar Loenna, Suriyon, Steda… E Lenrah, o homem que Fowillar moveria mundos e fundos para ter.
E seu coração tornou-se mais leve quando o rapaz notou que todos pareciam felizes, à exceção do único garoto que tinha um machado no grupo. trazia um corpo nas mãos que parecia desfalecido; Armariam um funeral digno para a garota, certamente Fowillar faria isso, mas a batalha estava ganha. Um sorriso de canto se formou em seus lábios; Era um grande passo para sua turma.
O primeiro chegar ao acampamento era Lenrah. Ele estava melado de sangue, fedia suor, à primeira vista era como se não tivesse se banhado por três dias. Contudo, seu olhar triunfante não escondia: Lenrah Moran era um vitorioso.
— Senhor Nalan. — Lenrah fez uma reverência.
— Moran. — Manter-se na cordialidade com Lenrah era a última coisa que Fowillar queria, mas não havia um jeito delicado de dizer a ele sobre seu interesse. — Como foi a batalha?
— Foi incrível. — Lenrah levou uma mão aos cabelos. — Os Eran não tiveram a menor chance. Nós vencemos.
— Vencemos graças a você, Len. — Disse Silena, logo atrás do menino de dezoito anos. Fowillar franziu a testa.
— Que nada. — Lenrah não era a pessoa mais sorridente do mundo, mas seu olhar denunciava o orgulho de si mesmo. — Todos vocês tiveram parte nisso. Vocês são todos incríveis.
— Não seja modesto, Len. — Disse Silena, dando um longo e molhado beijo em Lenrah logo em seguida.
E, ao ver aquilo, Fowillar murchou. Deveria estar feliz, pois haviam vencido a guerra, mas seu homem dos sonhos…
Bem, ele jamais achou que Lenrah fosse um pederasta como ele. Longe disso, Lenrah era masculino, forte, tinha feições de homem; Tudo o que Fowillar não tinha. Mas ainda havia um pedaço de si que queria se iludir, e ter a confirmação da verdade não era nada agradável.
Talvez ele devesse esquecer Lenrah. Loenna estava certa, ele gosta de garotas. Jamais haveria um futuro para Moran e Fowillar.
— Senhor Nalan? — Lenrah juntou as sobrancelhas. — Está tudo bem?
— Está, Moran. — Com o coração partido, Fowillar optou por tratar sua decepção amorosa somente na formalidade. — Por que não estaria? Vencemos a batalha...
E, enquanto seu bando comemorava a vitória, Fowillar se retirou para a sua barraca, pensando no banho de água fria que acabara de levar. Não sentiriam sua falta, afinal. Ele era apenas o estrategista chato e reclamão apaixonado pelo soldado que se interessava por garotas.
Fim do capítulo
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