Paraquedas
Laura
Deixei meu prédio acompanhada do senhor Pedro, completamente atônita com o que acabara de ouvir.
Ninguém nunca me chamou de "menina dos olhos de amora", além da minha menina dos olhos de amoras verdes. Esse é um segredo extremamente particular que nunca contei a ninguém.
Já se passaram três décadas desde o "casamento" embaixo da amoreira e eu ainda me lembro daquele momento com muito carinho. Mas qual a ligação da dona Chica com o ocorrido?
Tento me lembrar do dia, das pessoas que lá estavam, no entanto é uma tarefa quase que impossível. Acredito que me recordo apenas do momento por ter sido tão marcante. Como diz a poetiza Adélia Prado: " O que a memória ama fica eterno" - e aquele momento ficou eternizado em mim.
Cheguei em casa mais cedo que o planejado. A Márcia e o pessoal da manutenção externa ainda estão por aqui. Apenas os cumprimentei e subi para minha suíte.
- Tenho tanto a resolver, mas por hoje, só consigo me banhar e descansar - falei-me ao ver minha imagem refletida no espelho.
Tomei um bom banho, fechei as cortinas e me deitei.
Ainda ouço os sons na parte inferior da casa, mas sinto minha mente se desligando..
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Alice
Saí do escritório de Joseph tomada por uma fúria imensurável. Aquele moleque conseguiu aniquilar minha paciência.
Bati mesmo e ainda foi pouco. Bati por mim, pela Laura e por todas as outras mulheres que nem o conhecem, mas que não são dignas de habitar o mesmo planeta que ele. Absurdo! Onde já se viu, ter a Laura como uma presa? E ainda me falar que sou lésbica pois nenhum homem nunca me pegou de jeito?! É muito ridículo mesmo.
Enquanto piloto sentido minha casa e a adrenalina do momento vai diminuindo, sinto minha mão arder devido os golpes proferidos contra ele.
Eu jamais entraria em uma disputa por mulher alguma, menos ainda por Laura Veigas. Mas ouvir aquelas palavras de um ser tão desprezível quanto Joseph, me fizeram até falar tamanha besteira.
Laura é o que de melhor existe em pessoa! Arrependo-me profundamente por ter dito a Gordon tais palavras sobre duelo. Peço perdão a ela no íntimo da minha alma. Não encontraria capacidade de encará-la novamente sob tais circunstâncias.
Chego em casa e solicito alimentação por aplicativo de delivery e entro para o banho. Deixo a água que escorrer pelo meu corpo e levar embora esse vil sentimento que por segundos me habitou. Preciso me retomar a consciência e organizar meus compromissos.
Enquanto aguardo a alimentação, agendei os horários com a Bia sobre nosso sábado de aventuras. Espero que seja um dia de diversão e de possibilidades em conhecer um pouquinho dessa linda garota que já me proporcionou bons momentos de prazer.
Minha alimentação chega e após me alimentar, opto por ficar reclusa em meu lar repondo minhas energias. O dia já teve emoções suficiente.
-- x --
Sábado de sol com céu sem nuvens. Apenas um azul infinito que preenche os olhos e as entranhas. Perfeito para sentir o coração bater fora do peito em um dia repleto de aventuras.
Acordei animada e ansiosa. A última vez que levei alguma ficante para minhas aventuras, foi um fiasco total. A mulher reclamou do início ao fim do rolê o que deixou o dia chato e eu não tive mais tesão em continuar com a referida. Espero de coração, que a Bia não me cause esse desgosto. Ao menos ela pareceu tão animada a ponto de chamar outros amigos para ir junto. Só me resta aguardar.
Me arrumei vestindo uma roupa leve, boné e protetor solar. Chegando em frente ao apartamento da Bia, encontrei-a só. Estava encostada no muro do condomínio. Como de costume, lindíssima. Vestia um agasalho esportivo branco, com top preto e tênis igualmente branco. Óculos de sol e mascava chicletes. Ao vê-la, tão linda e despretensiosa, lancei-a um sorriso que foi retribuído igualmente. Me deu um macio beijo nos lábios e um leve abraço.
- Cadê o restante do pessoal que você chamou? - a perguntei
- Desmarcaram! - e deu de ombros - Vamos? - respondeu-me já subindo na garupa da moto
- Então tá. Vamos !- estranhei as poucas palavras e a pressa em partimos, mas não me demorei em estender o assunto.
Ela me abraçou a cintura e assim seguimos viagem rumo ao interior. Pouco mais de uma hora chegamos ao centro de paraquedismo. Meu coração estava acelerado de emoção.
Eu amo a sensação que os esportes radicais me proporcionam. Me sinto viva, independente.
Bia continua com poucas palavras e expressão misteriosa. Tenho a impressão de que está com o pensamento em outro lugar. Pouco me dirige o olhar e quando o faz, não está o mesmo de quarta-feira, cheio de brilho e entusiasmo.
- Sejam bem vindas!! - nos disse Augusto, o instrutor de saltos - Quanto tempo, Alice!
- Bom dia, Guto!!! - o respondi abraçando-o - Não seja exagerado. Não faz nem um mês que vim aqui - sorrimos - Essa é a Bia!
- Prazer, Bia. Espero que tenha um lindo dia, tão lindo quanto você - falou Augusto fazendo-a ruborizar
- Obrigada! - limitou-se em responder Bia
Continuei estranhando seu comportamento. Ela não se parecia em nada com a moça que conheci dias antes e chegamos até trans*r. Estava com expressão de poucos amigos, aparentando que nada estava a seu gosto.
- Vamos aos preparos?? - falou animado Guto, esfregando as mãos agitado
- Demorou!!! Vamos!!!- o respondi igualmente agitada - Preparada, Bia?
- Eu não vou saltar. Só vim te acompanhar - respondeu-me secamente
- Jura? - a respondi em surpresa - Achei que estava animada também!!
- Não gosto dessas coisas. Serei comissária de bordo porque meus pais querem, mas não gosto dessas coisas. Pode ir se divertir, estarei aqui. Não tenho pra onde fugir - respondeu-me com expressão de desdém
- E por que não me falou? - a indaguei franzindo o cenho - Apenas te convidei. Não era obrigada a vir.
- Achei chato dispensar o convite - me respondeu olhando seriamente
- Ah! Sim. Daí aceita o convite de mal gosto para vir emburrada?! - respondi ironicamente - Legal!!
- Aí, Alice. Vai se divertir! Estarei aqui. Vou ver você saltar e cuidarei de suas coisas - me falou, dando-me um beijo no rosto e saiu andando em direção oposta
Respirei fundo, certificando-me de que eu me divertiria, independente da presença dela.
Enquanto me preparava, a vi ao longe conversando e rindo com alguns pilotos e outros homens com macacões sujos de graxa. Eles a olhavam com olhares maliciosos e ela parecia gostar da situação. Sentia meu rosto queimar de vergonha pela situação que estava me permitindo viver. Isso de certa forma me desconcentrou do preparo para o salto.
- Preparada, Alice? Estaremos no próximo vôo - me falou Augusto, ajeitando a mochila nas costas e fechando o macacão.
- Estou sim, Guto. Só preciso ter uma palavrinha com a Bia antes de subir - o respondi direcionando o olhar para onde ela estava. Ele olhou também e sorriu
- Deixa ela, Alice. Você é mulher demais pra aquela garota. Foca no que você ama fazer e deixe-a se divertir também - falou-me tocando a mão em meu ombro e saindo em direção ao avião.
Fechei meu macacão, prendi a mochila e fui em direção a ela. Pude ouvir ela combinando algo com aqueles homens. Cheguei até ela e a abracei na cintura, dando-lhe um beijo nos lábios o que a deixou constrangida.
- E esse rolê que está combinando, eu posso participar? - perguntei direcionando o olhar a ela e aos outros homens que participavam da conversa
- Não será possível. Você estará nas alturas - respondeu se libertando de meus braços que a envolviam e apontando com o dedo indicador para o alto, fazendo charme
Os homens riram e eu percebi que riam de mim. Sorri sem vontade e com falta de palavras. Ouvi o Augusto me chamar pois era chegado nosso momento de levantar vôo.
Deixei-os com um leve sorriso e fui em direção ao avião que me aguardava. Minha mente estava confusa. Por qual razão a Bia estaria fazendo aquele joguinho? Me deixar com ciúmes? Fazer eu passar por papel de trouxa? Infantilidade? - refletia enquanto o avião alcançava altura e o barulho do motor causava tremor no corpo.
Quando chegamos aos pés ideais para salto, Guto me fez sinal com as mãos de que pularíamos. Consenti com a cabeça e me dirigi à porta. Sentia o vento e o coração disparado.
Me joguei. A sensação de liberdade me fez esquecer todos os problemas da semana. Só meu corpo e o ar. Eu e os céus. Em queda livre. A adrenalina tomando conta do meu ser. O horizonte sendo a paisagem contemplada. Sentia meu corpo sendo carregado pelo vento e aquilo era tudo o que queria sentir no momento.
Vi quando o Guto soltou o paraquedas dele e também o fiz. O impacto que a abertura contra o vento causa, nos faz sentir um gelo no estômago. Sorri pela sensação que preenchia minha alma. Eu realmente amo essa sensação.
A terra foi se aproximando e assim fizemos um belo pouso. Eu estava radiante!! Que delícia!! A vida pulsava dentro de mim!!
Augusto e eu comemoramos nos abraçando.
- Mais um salto maravilhoso!!! É isso aí, Alice - me dizia empolgado empurrando-me levemente e sorríamos
Recolhi o paraquedas e fui me dirigindo em direção ao galpão, procurando pela Bia em vão. Ela não estava por ali.
Retirei a mochila e o macacão, guardei-os e sai em procura dela. Entrei na garagem de aviões e ao fundo do pavilhão, esfreguei os olhos para acreditar no que via.
Bia era dividida por dois homens que disputavam seus lábios. Um estava na frente e acariciava seus seios e outro em suas costas, passava a mão por sua bunda e coxas. Ela beijava na boca de um e depois do outro. Ambos riam maliciosamente e diziam palavras de baixo escalão. Ela sorria maliciosamente enquanto pegava nos cabelos do que estava a sua frente e deitava a cabeça no ombro do que estava atrás e era beijada no pescoço.
Eu assistia àquela cena e lembrava da dona Chica me falando: " Cuidado para não cair no colo de quem não presta". Ela tinha razão. Eu caí numa cilada. Aquela garota, definitivamente não é a mulher que desejo e mereço. Suspirei tão fundo que minha respiração foi ouvida por eles.
- Oi , moça bonita! - falou-me aquela garota maliciosamente - Faz tempo que está aí? Venha se juntar a nós - e esticou as mãos me chamando
- Obrigada, Bia! Isso não faz meu tipo - a respondi secamente
- Deixa de ser careta. Venha!!! - e veio em minha direção me segurando na cintura.
Aqueles dois homens nos olhavam como se fôssemos um prato de comida recém preparada. Estavam desabotoando seus macacões sujos de graxa de avião com suas mãos grandes. Cheguei ter náuseas daquela imagem.
- Bia, eu não vou participar disso. Não quero e não gosto - a falei segurando pelos braços e olhando em seus olhos amendoados, contornados por rímel e lápis - Fique a vontade e peça um táxi para ir embora.
Saí do galpão a passos largos em direção a sala de preparo para pegar minhas coisas e ir embora. Ela vinha atrás falando alto:
-Ah! Mas você não vai mesmo. Você me trouxe até aqui e eu nem queria vir. Eu vim e estou me divertindo. Você não vai embora sem mim.
Eu fingia não a ouvir. Estava focada em ir embora o quanto antes. Sentia meu rosto queimar pela vergonha, ao mesmo tempo que a raiva habitava minha alma.
Peguei minhas coisas e me dirigi até a moto. Ela veio atrás. Antes de eu me sentar na moto, me empurrou, fazendo com que eu quase caísse juntamente com a moto que é bastante pesada.
- Bia, não me faça ser estúpida com você, por favor - a falei educadamente enquanto suspirava fundo procurando por paciência - Me dê licença.
- Você não vai embora sem mim - esbravejava-se e tentava me impedir
- É dinheiro que você precisa? - perguntei colocando a mão dentro da jaqueta e pegando minha carteira - Vou pegar aqui!
Ela bateu as mãos na minha carteira, fazendo cair no chão e derramar os documentos e as notas de dinheiro.
- Eu não quero seu dinheiro, sua vaca!! - gritava comigo - Eu só queria me divertir.
Desliguei a moto. Desci e fui pegar minhas coisas do chão. Ela gritava histéricamente. Pude ver que Augusto vinha em nossa direção, juntamente com outro instrutor. A seguraram pelos braços enquanto eu pegava as notas espalhadas pela grama.
- Pode ir embora, Alice! - me falou Augusto - Vá sem se preocupar. Meu pessoal levará a Bia embora depois.
- Obrigada, Guto - o respondi, direcionando meu olhar para a Bia que se mexia tentando soltar-se das mãos de Augusto e do outro instrutor
- Você me paga por isso, Alice!!! - gritava ela - Eu vou acabar com sua vida!!!!
Eu estava brava demais e desgostosa demais para tentar falar alguma coisa. Apenas cheguei perto de seu rosto, a olhei com desdém, meneei a cabeça. Voltei pra moto e saí.
Enquanto pilotava em direção a rodovia, ouvia-a a gritar palavrões e pelo retrovisor a vi correr na tentativa de me alcançar.
Fim do capítulo
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