Único.
Amanhecia um novo sábado, e os fantasmas não a deixavam dormir. Rolava para lá, rolava para cá. Barulhos estrondosos em meio ao silêncio; nunca sabia se eram reais ou apenas uma recordação. Com o tempo, ela entendeu o que era ser uma pessoa traumatizada. Mais profundo ainda, uma mulher traumatizada.
Desde cedo, foi ensinada meios de não chamar atenção. Roupas maiores que não mostrassem tanta pele. Isso poderia ser plausível, se ela não tivesse somente 7 anos. Com 7 anos, o que uma menina tem para esconder?
E assim foi crescendo, entre esconder-se e ficar atenta aos olhares. A mãe ensinou autodefesa em seus primeiros anos, dentro de brincadeiras. “Bate aqui!”, “Muito bem, filha. Com mais força, neném!”. E a pequena nem percebia que essa era a maneira de sua mãe lhe preparar para a vida.
Seu pai. Aqui não falaremos de um pai abusador, algo que ela teve sorte. Ele era amoroso, protetor e presente. Novamente… Algo que ela teve sorte. Enquanto brincava segurando sua filha pulando de um lado pro outro da cama, insistentemente falava: “Acerta aqui! Mesmo no olho, tá? Ou um chute no meio das pernas, ouviu princesa?”. E assim, mesmo o machucando, ensinou sua menina a fugir.
Mas nada disso; nem a mãe ensinando para que ela fosse mais uma guerreira, ou o pai se esforçando para que ninguém a machucasse. Nenhum dos dois a protegeu do mundo.
Nenhum dos dois abafaram os barulhos de uma noite chuvosa. Nem a impediram de conferir a tranca da porta duas vezes antes de dormir. Ou, talvez, a fizeram se sentir limpa, e não precisar esfregar com força a bucha em seu corpo, até marcar e sangrar.
E mesmo vindo o amanhecer, ela não tem descanso; precisa ficar alerta um outro dia.
Mas eles nunca saberiam… Nunca saberiam os traumas que carregam uma mulher.
Fim do capítulo
Ontem comecei a ler " A Bruxa não vai para a fogueira nesse livro", e percebi pensamentos e situações tão similares da vivência de nós, mulheres. Isso me fez refletir sobre o que vivi, e sobre o que minhas amigas/companheiras me relataram ao decorrer dos convivios. Daí surgiu a necessidade de "vomitar" (de maneira rápida e crua) tudo que se formou em minha garganta.
Espero que gostem e se agradem.
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caribu
Em: 05/03/2022
Um vômito difícil de engolir.
Mas vomite sempre! <3
Mto se cura com a escrita!
Beijos!
Resposta do autor:
A escrita cura, além de reconhecer dores desconhecidas. É o rémedio mais simples, porém doloroso.
Que continuemos vomitando tudo que esteja engasgado, haha.
Uma ótima noite.
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