Cena 2
Ouvimos uma sirene e começavam os efeitos cênicos. Ligaram as mangueiras e começou a chover de mentira.
--Ei!!! Estamos aquiiii!!! Desliguem issooo!!! Desligaaaaa!!!
--Calma, calma! Apenas começou a chover! Vamos sair dessa chuva!
Ela tentava me acalmar. A chuva caia forte nos molhando, os papéis artificiais em minha mão estavam encharcados, que sorte eram a prova d’água.
--Não, você não está me entendendo...
Quando ela estende a mão para segurar a minha. Olho para o seu rosto onde as gotas de chuva escorriam, olho para as suas mãos, a ação se congela, ocorreu um freeze frame! A mão dela a alguns centímetros da minha mão e as gotas de chuva pararam no ar. Tento me lembrar, mas não consumi nada alucinógeno no café da manhã, então estava ficando insana mesmo, só podia ser isso.
O que estaria acontecendo? O quadro estava congelado por uma fração de segundo e minha mente tenta entender o que estava acontecendo ali. Graças!!! Que existem os recursos dramáticos! As sensações e sentimentos são exacerbados e eu consigo perceber melhor o que se passa ali. Olho o display wearable do computador implantado em meu corpo, são 5:55 PM. A heroína teria saído do filme e vindo para o mundo real? Seria eu como a Cecília da “Rosa Púrpura do Cairo”? Presa em um mundo opressor, violento, triste e sem graça, tentando escapar para um lugar mais acolhedor? Está certo, nem tão acolhedor, neste episódio há duas laudas com a cabeça da capitã Aramis sendo degolada com uma foice turca pelos traidores nas forças dos Aliados. Mas, a ficção por mais terrível que seja, sempre podemos fechar os olhos, encerrar o display, fechar o livro, sair da sala de cinema e... isso é acolhedor se pensarmos assim.
Cecília grita perdida no parágrafo anterior. “Ei, estou aqui!!!”. Desculpa Cecília, desculpa. Sim, seu herói arquetípico saiu da tela e declarou todo o seu amor e bem querer. Está certo que os outros personagens do filme não gostaram nada disso e bagunçou a ficção, porém não mais que a realidade.
Mas por que não pensei nisso antes? A equipe! Olho para o display do computador pessoal no braço.
-- Equipe! Por que foi acionado o efeito de chuva agora? Estou aqui no set!
O display mostra um conjunto de bolinhas alinhadas em uma circunferência girando, girando, girando e abaixo: “Por favor, aguarde”.
A cena se descongelou e a mão dela rapidamente agarrou a minha mão, apesar do frio daquela chuva fake, a mão dela estava quente e o toque foi... surpreendente. A força que ela tinha era singular, puxou-me daquele estado de incredulidade e surpresa. Foi bastante inesperado. Ela correu em direção à porta semi abaixada me arrastando junto. Não sei se algum papel caiu naquele sprint, pareceu algo assim, foi de uma intensidade, o movimento de fuga. Não meu, já que eu estava em uma espiral ilusional, nem imaginava o que poderia estar acontecendo, se não uma grande piada da equipe. E nem era o dia do meu aniversário.
--Espera, espera. Vamos bater com a cara no tapume!!! É só o cenárioooooooo!
Ela se abaixou sob a porta de metal e abriu a porta de madeira com motivos arabescos. E a porta... se abriu !!! Lá dentro um grande salão com mesas e cadeiras, estava à meia luz, algumas luminárias aqui e ali permitiam ver o clima do lugar. O importante, ali o lugar era muito seco!
Queria enxugar os olhos de tanta chuva com as mãos, mas uma estava sendo segurada por ela e a outra tentava agarrar todas as folhas de papel. As imagens estavam turvas e dançavam um pouco.
Havia um delicioso cheiro de fumo amadeirado e doce, como esses de cachimbo, sabe? Esse aroma, a luz tênue, a decoração com tapetes persas pendurados em algumas paredes, o veludo das cadeiras, objetos colocados sobre as mesas, tudo isso dava um ar que aquecia meu corpo gelado.
Ela colocou os papéis que segurava sobre uma das mesas ao centro, disse para eu ficar ali e soltou a minha mão. Finalmente? Enfim ela soltava a minha mão e ao invés de alívio, senti algo parecido com... um desamparo? Era isso mesmo? Não! Eu estava MUITO confusa com aquela situação irreal e minha percepção estava toda bagunçada. Ainda mais aquilo seria um grande e imenso clichê.
Ela foi até o balcão e tocou uma campainha, não demorou muito e um homem com roupas brancas e um chapéu vermelho saiu por trás das cortinas que ficavam atrás do balcão. Ele a reconheceu e a cumprimentou novamente. Ela lhe disse que tínhamos pegado a chuva e pediu se havia algo para nos secarmos e uma bebida quente.
Envolta numa toalha sequinha, aquecida por dentro e por fora, já que havia dado alguns goles naquele chá delicioso, me sentia reconfortante, quentinha, aconchegada. Estávamos à mesa, o homem trouxe também alguns docinhos para que comêssemos. Estava me sentindo muito confortável diante da xicara de chá quente e daqueles olhos expressivos.
--Sam, você veio resgatar ex-agentes perdidos do exército americano, é isso? Você não acha perigoso dizer isso a qualquer pessoa no Tanger? Só estas palavras já poderiam lhe custar a vida!
--Você não é do grupo de apoio? A instrução é que haveria uma turista com cara de perdida no local para dar apoio.
Eu?!? Cara de perdida, bom... pode ser. Mas isso não estava no script! Jones deve ter mexido de novo. Mato aquele magrelo descabelado! Já estava agindo como se participasse da trama, isso não era nada bom.
--Deve estar ocorrendo algum engano.
--Oh! Sinto muito. Por favor, me perdoe pela confusão, é que estamos aqui fazendo o ensaio de um filme e deveria encontrar com uma agente de apoio, disfarçada de turista perdida. Não é nada sério, é apenas um ensaio. Eu preciso sair e continuar o ensaio. Por favor, me desculpe pela confusão. Preciso me apressar.
E fez menção de se levantar. Então eu lembrei que saindo do café com meia porta abaixada, Sam corria grande perigo.
--Você vai correr muito perigo! Não deve sair por esta rua.
Deixei escapar! O que eu estava fazendo?!? Ela me olha bastante confusa.
--Como sabe? Quem é você? Como sabe que corro perigo?
Agora realmente ficou complicado. O que se responde à criatura quando ela pergunta à sua criadora “Quem é você”?
Olhei o relógio analógico na parede azul niger, aqueles ponteiros, hum... deve ser 11:11 pelos meus cálculos, o ponteiro grande sobre o 11 e o pequeno passando um pouquinho do 2. O tempo passou tão rápido e me dou conta que alí era o tempo da série e não do tempo da vida real.
-- Eu sou a...
Fim do capítulo
Espero que tenha gostado desta coisa de entropia. Beijo!
exquise.m@gmail.com
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keique
Em: 20/06/2021
Oi autora.
Viajei aqui viu...kkk
Fui parar na banda A-ha no clip 'Take On Me"
Acho que não é do seu tempo...
Boa sorte.
Abraço
Resposta do autor:
Prezada keique, fiquei feliz com o seu comentário!
A-ha? Prometo que vou pesquisar o clip para entender o que vc quis dizer exatamente rsrsrs.
Vou precisar de boa sorte mesmo, preciso conseguir terminar isso em que meti ao aceitar o desafio.
Continue viajante, viajaremos juntas.
Obrigada!
Beijos.
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