Capitulo 1 - Naquela mesa
São Paulo, 20 de outubro de 2011
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Estava tremendo quando ouvi a chave girando na porta do quarto do hotel onde estávamos hospedadas, Júlia tinha uma reunião de negócios e vim acompanha-la, meu plano era passar o dia no Bairro da Liberdade enquanto ela trabalhava, aproveitando para pôr as ideias no lugar, sentia que meu casamento estava naufragando e essa viagem me encheu de esperança, era a chance que tinha de tentar resgatar a nossa história, me sentia feliz porque combinamos que no final da tarde sentaríamos em um delicioso café para conversar e pontuar o que podíamos fazer para melhorar nossa relação, na minha cabeça estava tudo esquematizado, mas, como fiquei enjoada só me animei para dar uma volta perto da hora do almoço.
Quando ela chegou já estava bem, meu coração até acelerou quando olhei seu sorriso acolhedor ao entrar, nem a deixei falar, fui logo puxando minha mulher pela mão para sentar no sofá.
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- Oi, amor, tenho uma notícia excelente para nós.
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Ela sorriu mais aberto, desabotoou um dos botões da blusa de seda deixando à mostra o começo dos seios alvos salpicados de sardas, depois tirou o terninho para jogar em cima da mesa, mordiscando meu ombro até chegar ao pescoço para dizer – Então, posso saber qual o motivo dessa tremedeira toda?, se estava com tanto tesão, podia ter me chamado, com certeza teria dado um jeito de encerrar a reunião mais cedo.
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- Não é nada disso – Falei esgueirando o corpo, me posicionando de frente, deixando à mostra o dispositivo rosa.
- O que é isso?, um termômetro?.
- Não amor, passei a manhã enjoada, nem me animei para sair, na hora do almoço comi apenas uma saladinha com peixe, vomitei tudo, então fui até a farmácia por conta de uma desconfiança que me segue há dias.
- E?. – Ela respondeu com uma certa expectativa.
- Deu positivo amor, estamos grávidas, a inseminação deu certo.
- Hum, então é isso? – Ela estava lívida, parecendo que o sangue havia sumido da boca, depois respirou fundo para continuar a fala – Sim, verdade, nem lembrava mais da inseminação...Bom...percebo que devo dizer algo nesse momento, então, parabéns para nós?.
- Você não está feliz.
- Estou Anna, só não esperava que desse certo de primeira. Me deixa pensar, vamos consultar a Dra. Rosa antes, não confio em testes de farmácia, precisamos confirmar essa gravidez, ai sim, podemos comemorar do jeito que merece. Amor, agora tenho que me arrumar e sair.
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Ao terminar a frase, ela levantou dando um nó nos cabelos loiros, então, abriu a bolsa, jogando uma caixa dourada em cima da mesa.
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- O que é isso?.
- Ah, um presente que ganhei, é um Iphone 5, legal, né?.
- Mal chegou e já vai sair novamente, pensei que fosse ficar comigo.
- Minha vida, amaria ficar contigo para comemorar a vinda do Rodrigo ou da...como é mesmo o nome que escolhemos se for menina?.
- Alice – Falei com a réstia de voz que me sobrou.
- Mas, não me olha entristecida assim, preciso ir, sabe como é, preciso me firmar no meio, e laços políticos são importantíssimos, não poderia jamais recusar um pedido de uma senadora, não é verdade?.
- Tens toda razão. – Respondi de uma forma entre tediosa e debochada.
- Olha, sabe o que descobri?, tem um café maravilhoso no Jardim Amália Franco, vou deixar o endereço, pelo que vi vai ter o lançamento de uma escritora lésbica, a Kayra Montenegro, vai ser bom se distrair, vou deixar o meu cartão para comprar o livro dela e comer as delícias de lá, espero que se divirta. A noite me espera que jantamos onde quiser, prometo te recompensar minha musa platinada.
- Obrigada, não precisa deixar o cartão, aliás, não vou precisar de mais nada, se não se importa nem um pouco que vá a um café cheio de lésbicas, acredito que devo curtir o “Vale Evening” que me deu.
- Claro que não me importo, confio totalmente no meu taco e no amor que sente por mim, depois você está toda emocionada achando que está grávida, e por fim, quem vai querer uma mulher grávida de outra?, ai que não vou corro perigo mesmo. Hahahahah. Com licença querida, vou me arrumar, te amo, viu?, coisa mais linda da Júlia. – Ela falou para depois beijar meus lábios saindo em direção ao chuveiro, deixando a roupa espalhada no chão.
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Meus olhos negros refletiam relâmpagos quando a vi sair, estava linda com um vestido floral, elegante e discreto, deixando no ar seu sorriso envolvente, um beijinho que jogou para mim e o cheiro delicioso do seu perfume, tomei um banho rápido, tentei passar o hidratante corporal, mas, o cheiro me deixou enjoada, depois abri a mala escolhendo uma calça jeans justa, uma bata bordada branca com delicadas rosinhas vermelhas e scarpin.
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Café Pigalle, Jardim Amália Franco
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Assim que o táxi estacionou na calçada, me encantei com a fachada inspirada nos bistrôs franceses, o lugar era lindo, encantador, diria. Quando entrei me surpreendi com a decoração em estilo provençal, tudo ricamente ornamentado em todos os detalhes, de fato o clima remetia muito à Paris. Sentei e uma moça bonita com os cabelos negros cortados em chanel e delicados olhos amendoados veio até a minha mesa.
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- Bonjour!, seja bem vinda ao Café Pigalle.
- Bonjour?, já são 17h...
- O “Bonjour” em Paris, aliás, na França e nos países de idioma francófono é tão usual quanto um “oi” ou um “olá” usado na língua portuguesa. Onde quer que você chegue, é de bom tom começar a conversa dessa forma. – Ela explicou sorrindo com um charmoso sotaque parisiense.
- Desculpe, não sabia.
- Tudo bem, você não tem obrigação nenhuma de saber os pormenores de uma língua que não é a sua. Muito prazer, sou Sophie, criei esse espaço há sete anos quando casei com uma brasileira, trazendo um pequeno pedacinho da França para São Paulo.
- Sou Anna.
- Então, o que deseja?.
- Primeiro gostaria de comprar o livro da escritora Kayra Montenegro, vou ficar para autografa-lo, depois queria dar uma olhadinha no cardápio.
- Claro, um instante.
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Ela voltou com o livro e o menu com as iguarias francesas, olhei a rua sombria da capa, lendo baixinho o título em letras elegantes “Jogo duplo”, em seguida meus olhos passearam pelo cardápio, todo em inspiração francesa, com muitas opções de chás, salgados, cafés, doces e também alguns pratos quentes. Fiz minha escolha, torcendo para não enjoar, acenei a Sophie que veio com um bloquinho.
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- Escolheu?.
- Sim, um Café de Flore e um Croissant le deux magots. S’il vous plaît.
- Vou providenciar Mademoiselle Anna. Excusez-moi!.
- À tout de suíte...
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Sem atentar ao passar das horas comecei a folhear o livro, ficando hipnotizada pelo enredo envolvente e misterioso, estava absorta quando me senti observada, levantei os olhos em direção à mesa, foi ai que a vi, os olhos cor de mel brilhavam realçando a pele branca e os cabelos cacheados cor de chocolate com mexas douradas que caiam em seus ombros, retribui ao seu sorriso metálico por conta do aparelho, achando divertido as liguinhas cor de rosa, ela deixou as amigas para traz caminhando até onde me encontrava.
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- Posso?.
- O que?. – Perguntei abrindo um enorme sorriso.
- Sentar?, não acho confiável deixar uma mulher tão bonita ao alcance de gaviões.
- Acha que estou correndo perigo?. – Respondi de forma bem humorada.
- Talvez, nunca se sabe...
- É, sente-se, em minha atual condição, acho que preciso mesmo de sua proteção.
- Acontece alguma coisa?.
- Nada, estou grávida...
- Grávida!!!, que maravilha, parabéns, uma criança sempre é motivo de uma enorme alegria, já sabe o sex*?.
- Não, ainda é cedo – Sorri pensando que até uma desconhecida ficou mais animada que Júlia, então constatei que a vida é muito louca, mas, não tive disposição para comentar o fato.
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- Espero que puxe esses cabelos prateados, desculpe perguntar, são naturais?.
- Sim, pratearam quando fiz três meses, mas, o bebê não vai ser nada parecido comigo, os óvulos são da minha esposa.
- Podia ter implantado um óvulo seu, é muito bonita, aliás, não tive a chance de me apresentar, sou Samir.
- Nome bonito e incomum. Prazer, sou Anna.
- Também um lindo nome...
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Conversávamos como se nos conhecêssemos há anos, ela me olhava com tanta bondade e carinho que me senti completamente à vontade com aquela desconhecida de sorriso ladeado por um par de covinhas, três pintinhas perto da boca e ideias mirabolantes sobre a vida em sua cabeça, ela estava falando animada dos seus gatos quando foi interrompida.
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- Com licença, Samir, vamos?. – Olhei em direção a voz e sorri olhando a amiga que a interpelava.
- Oi, sou Anna.
- Prazer Lu, essas são Gisa e Rose, minha mulher, e uma amiga nossa. Samir, estamos cansadas, vamos?.
- Vamos sim, foi um prazer Anna, toda sorte na gravidez, que o bebê venha cheio de saúde e amor, toda sorte no casamento também. Até qualquer dia.
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- Até, obrigada pela companhia Samir.
- Te digo o mesmo, Anna.
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Quando ela saiu senti uma pontada estranha no coração, como se tivesse me despedido de alguém muito próximo, balancei a cabeça sem entender, ainda mais quando uma lágrima escorreu pela minha face morena. De repente um burburinho tomou conta do ambiente, a escritora havia chegado ladeada por sua agente, uma fila gigante rapidamente se avolumou, paguei a conta e sai caminhando até o lugar onde pegaria o autógrafo no livro, quando o telefone tocou.
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- Anna?, quem fala é a Senadora Andressa de Toledo e Jordão.
- Um minuto. – Falei me afastando para um local mais silencioso, colocando o livro em cima de uma mesa.
- Pode falar.
- Ocorre que sua mulher teve uma intoxicação por bebida alcoólica, e além de não ter tempo hábil para resolver o problema, não quero que meu nome intocável apareça em um caso desse tipo, então, peço que vá encontra-la no seguinte hospital...
- Ok. – Anotei rapidamente o endereço, saindo para pegar um taxi, esquecendo o livro comprado no café.
- Ah, e não se preocupe, a conta já está paga integralmente. – Diante da fala sem empatia alguma, resolvi calar.
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- Só mais uma coisa Anna.
- Pode dizer...
- Peça a sua esposa que esqueça meu número, não gosto de excessos, de nenhum deles.
- Pode deixar que darei o seu recado. – Foi assim que segui em direção a minha vida.
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Ilha Verde, 20 de outubro de 1982.
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- Anna??, acorda filha, vai se atrasar para a escola, você tem prova de Matemática, lembra?.
- Mas mãe, é meu aniversário, me deixa ficar em casa – Respondi abrindo a boca ainda sonolenta – Sabe que sonhei que era adulta e estava grávida, o que isso significa?.
- Que está assistindo novela demais, espero que esse sonho não se realize por agora Anna, fez apenas onze anos hoje mocinha, mas, vou torcer que encontre um bom rapaz, quem sabe também faço um ritual quando estiver maior, hein?.
- Ah, para, foi só um sonho e fiquei curiosa para saber o que queria dizer.
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Dias atuais...
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Não posso esquecer desse dia, sai irritada com o comentário da minha mãe, achando que ela era a mais cega e insensível de todo o universo, como já havia tentado conversar inúmeras vezes sobre as dúvidas que carregava no peito, e para ser bem franca, nunca encarada com sinceridade pela minha figura materna, me sentia só, abafada pelo turbilhão de sensações e sentimentos tão comuns a pré adolescência, esperava apenas que ela me abraçasse dizendo que tudo isso ficar bem, no entanto, nem o abraço e nem as palavras nunca vieram, então, naquele ano preferir silenciar e guardar o que estava sentindo comigo. O sonho?, bom, ele foi apagado com o passar das folhas do calendário, retornando a minha memória apenas quando os fatos aconteceram, cocei a cabeça pensando “e Samir?”, gostaria tanto de saber como anda a sua vida.
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- Mamãe?
- Oi Amélia, o que foi?.
- Estava chorando?. – Me preparei para responder um não, mas, não quis repetir um dos comportamentos de minha mãe, então, resolvi ser sincera.
- Sim amor, a mamãe estava chorando.
- Aconteceu alguma coisa?.
- Não querida, estava apenas lembrando do passado, coisa de adulto.
- Do jeito que vocês falam nunca eu quero crescer, cruzes, deve ser muito ruim.
- É difícil, mas, tem suas vantagens...
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Amélia e Alice encostaram as cabeças em meu colo e passei a alisar os cabelos loiros pedindo que o tempo fosse devagar e gentil com minhas filhas. Enquanto isso, ao longe, ouvi uma música que veio da casa contigua.
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Quando Fevereiro chegar
Saudade já não mata a gente
A chama continua
No ar
O fogo vai deixar semente
A gente ri, a gente chora
Ai ai, a gente chora
Fazendo a noite parecer um dia
Faz mais
Depois faz acordar cantando
Pra fazer e acontecer
Verdades e mentiras...
Fim do capítulo
Este é para você...
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HelOliveira
Em: 16/06/2021
Amiga o que falar....já sabe que foi uma delícia ler esse conto e que delícia esse encontro da Anna com a Samir....mas já quero saber desse ser que com certeza é de Luz.....Júlia sendo Julia e fico feliz em o quanto ela mudou ...e maias feliz ainda em saber que voltar ao farol ...
Beijo e fique cada melhor sua leitoras morrem de saudades de vc.
Resposta do autor:
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Ah Helena, fico feliz que tenha gostado do conto, tenho um carinho especialpor ele, acho que Samir deve retornar já que tantas gostaram da química dela com Anna.
Obrigada pelo carinho e por acompanhar minhas meninas.
bjs
Rosa Maria
Em: 16/06/2021
Brina...
Que maravilha esse spin off sobre Anna, que encontro meigo e encantador, repleto de charme definitivamente você tem uma mente extremamente privilégiada, parabéns. Num futuro dá até um outro conto não é mesmo? kkkk
Beijo
Rosa
Resposta do autor:
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Ahhhh Rosa,
Com certeza devem vir mais histórias desse spin off. Pode contar com isso.
Estou novamente empolgada com a escrita.
bjss
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florakferraro
Em: 16/06/2021
Linda,
Parabéns por esse Spin off maravilhoso, amei esse encontro.
Espero que esteja melhor e volte a escrever "O Farol", pois estou com muitas saudades das meninas.
bjuuuuuuusssss
Resposta do autor:
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Estou melhor, obrigada, aos poucos voltarei.
bjs
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thaloren
Em: 16/06/2021
Sazinha,
achei esse conto muito envolvente, que beleza de encontro, achei lindo a forma com que descreveu Anna e Samir, também adorei perceber como Júlia mudou.
A mãe de Anna nojenta desde sempre.
Ah, obrigada por nos ajudar naquele problema,você é uma amiga especial para nós.
Te amamos,
beijinhos mil
Resposta do autor:
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Valeu, obrigada por comentar, fico feliz que tenha gostado tanto das minhas meninas.
A mãe de Anna é um caso sem solução.
Quanto a você e Gaby, que é isso, não tem nada a agradecer.
Também amo vocês. bjsss
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Gabriella Herculano
Em: 16/06/2021
Bom dia amiga,
Amei esse conto, mas, quero reivindicar minha presença nas suas histórias, fiquei com ciúmes da Lu, Gisa e Rose. Bricadeira a parte quero te agradecer pela presença em minha vida, até em meus dramas intermináveis e sem sentido, valeu mesmo, você é amiga para todas as horas, e mesmo com os problemas tão mais sérios sempre para e me escuta, obrigada por tudo.
Agora em relação ao conto eu amei, pelo visto acabou o descanso, volte ao Farol amiga, e Anna,hein?, que encontro maravilhoso com essa Samir, mesmo não tendo rolado nada, agora achei ótimo ver a mudança de Júlia, e olha por pouco ela não conhece a Kayra nesse dia. Parabéns.
beijossssssss
Resposta do autor:
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Ciumenta kkkkkkk
Voltarei ao Farol amiga, estou melhorzinha, não consigo escrever quando não estou bem.
Que bom que gostou desse conto, um spin off é ótimo para aprofundar os personagens.
beijosssss
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Lara Lefevre
Em: 16/06/2021
Sabrininha,
Que conto mais lindo, fiquei encantada com ele, que delicadeza o encontro da Anna com a Samir, espero que essa personagem volte no enredo, que química linda e que encontro de almas que elas tiveram.
Parabéns, vejo que escreveu com o coração, agora vai voltar ao Farol?.
xêro
Resposta do autor:
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Obrigada Lara,
Fico feliz que você tenha gostado tanto da história e das meninas, elas vão voltar.
Quanto ao Farol em breve eu retorno com a história.
beijoss
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