Tive que pesquisar várias coisas para esse capítulo, adorei! Haha
Pinus Glabra
Capítulo 6 – Pinus Glabra
"Esperança nas Adversidades"
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Passei o restante do dia anterior deitada preguiçosamente no chão atrás do balcão da floricultura de Clara. Deitada lá, não incomodo o trânsito de pessoas na loja, apenas Clara, mas ela desvia de mim sem se imcomodar , vez ou outra abaixava-se para acariciar atrás de minhas orelhas ou afagar minha cabeça, abanava o rabo em resposta. Saí do meu lugar apenas uma vez, para pedir que Laima encontrasse Alex para perguntar se o mesmo teria um barco e ferramentas de pesca.
A noite, jantamos um belo arroz temperado com frango e nos deitamos cedo. Dormi no tapete aos pés da cama, observando Clara ler atentamente um livro.
Pouco antes do amanhecer senti que conseguiria voltar ao normal, se quisesse e, antes mesmo do sol nascer, nos levantamos e tomamos um belo café. Agradeci Clara e saí rapidamente ao sentir meu próprio cheiro se aproximar, não queria me encontrar novamente. Já na rua ouvi Alma 2 perguntar sobre mim, recebendo uma resposta positiva que a fez suspirar e comentar “então é assim um dos sentimentos de se sentir traída por si mesma?”, corri pela rua com a risada de Clara ecoando em minhas orelhas.
Agora, pelo calor e posição do sol, já passa do meio dia, estou há seis horas sentada no local marcado quase desidratada e nem sinal de Alex ou Coral, fato que me faz ter pensamentos irritantes. “Será que desistiu?”, não, ele não parece ser do tipo que iria desistir. “Será que foi pego?”, pode ser...”Será que capturaram Coral hoje ou ontem a noite?”, não, o dia está normal, sem nenhuma agitação, as pessoas presas em seu mundo.
— Alma! — Laima me grita. — Alex está vindo!
Levanto-me com certa raiva e expectativa, Alex se aproxima de mim desculpando-se.
— Achei que tivesse desistido...ou que fora capturado...ou sei lá. — olho-o com reprovação.
— Não não. — Alex agita as mãos no ar. — Laima ontem veio atrás de mim perguntando de um barco e ferramentas de pesca. Meu pai tem um pequeno veleiro que usa para pescar às vezes, então o perguntei se poderia usar, isso o fez passar a manhã toda ajeitando o barco para nos receber.
— Entendi...— tudo está conveniente demais, talvez o destino desse rapaz fosse realmente ir embora com um tritão.
— Aqui. — mexe em sua mochila transversal. — Suas roupas. Consegue voltar ao normal já?
— Obrigada. Deixe aí no chão e vire-se para eu me trocar.
Alex me obedece largando o vestido e o manto na areia e vira-se de costas rapidamente, levemente incomodado.
Voltar a forma humana é quase tão dolorido quanto o contrário, mas um sentimento de excitação diminui a dor. O focinho se encolhe, os pelos caem, patas se esticam dando lugar a mãos e braços. Deito-me na areia, sentindo a mesma quente e grudando-se no meu corpo nu. Levanto-me limpando a sujeira da pele e visto o vestido com o manto por cima, ajeitando também meus cabelos.
— Muito bem. — digo. — pode olhar. Relutante, Alex se vira e suspira aliviado.
— Podemos ir então? O veleiro de meu pai está ancorado ali na frente.
Seguimos em silêncio, ouvindo o barulho das ondas. Posso sentir a ansiedade e dúvidas exalando de cada pedaço do corpo de Alex, mas também percebo uma grande determinação que nada o faria desistir, será que nada mesmo?
—Alex...— começo. O rapaz olha para mim. — Não lhe disse como é o processo de te transformar em tritão ainda, não é? — ele nega com a cabeça. — Bom...pedi um barco e ferramentas de pesca pois precisamos pegar um certo peixe...um peixe-leão...
— Mas não tem esse peixe por aqui. — me interrompe.
— É raro, mas às vezes um ou dois atravessam a fronteira para cá. Se você tiver sorte iremos conseguir um, se não...pensaremos no que fazer. — se eu estiver correta, é o destino dele encontrar esse peixe e ir embora. — Mas bem, continuando...entre os espinhos desse peixe se encontram pequenas linhas, linhas que nem todos vêem e um de seus espinhos é uma agulha especial. Basicamente vou costurar suas pernas com as linhas e o espinho e as cobrirei com a pele do peixe. Já vou te deixar claro que não faço ideia se isso vai funcionar. Ainda se mantém firme? — olho para ele.
— Bom...— encara a areia pensativo. — não vou desistir por medo de agulhas. — sorri para mim, determinado.
— Alex!
Uma voz que desconheço o chama, olho em direção ao chamado e um homem de cabelos pretos grisalhos, talvez perto da casa dos cinquenta, bem parecido com Alex, usando uma bermuda jeans branca e uma camisa polo vermelha acena alegremente de cima do veleiro. Miro Alex totalmente confusa.
— Ah...— ele passa a mão nos cabelos nervoso. — esqueci de te avisar que meu pai vai nos ajudar.
— Como assim? Você não ia dar seja lá o que for que Coral comentou para fazê-lo perder a memória? — sussurro e aceno sorrindo para o homem ao nos aproximar.
Alex não me responde, reparo no barco, um veleiro branco de duas velas da mesma cor nos espera majestosamente, na lateral do barco lê-se “Alexander”.
Subimos na embarcação por uma escada, o homem aproxima-se alegremente.
— Olá, muito prazer. — estende a mão direita para mim. — Sou Luís, pai de Alex.
— Muito prazer, Alma. — estico a mão esquerda apertando a que me foi oferecida, cumprimentando-o.
— Um belo nome para uma bela moça. — sorri piscando para mim.
— Pai...podemos ir logo? — Alex pede sem graça.
— Ora! Mas é claro. Por quê não mostra o Alexander para ela enquanto avançamos no mar? — Luís sugere desaparecendo de vista rapidamente.
— Bom...quer ver o barco? — pergunta. Concordo com a cabeça.
Laima pousa em seu lugar favorito, meu ombro esquerdo e Alex nos mostra o interior, todo de madeira envernizada e um sofá de cada lado que consiste em grandes almofadas azuis e encostos redondos brancos, no meio, uma mesa retrátil para refeições. Embaixo do sofá há um compartimento onde guardam algumas coisas, a frente encontra-se a cozinha munida de uma pequena pia com duas torneiras uma para água doce e uma de água salgada, pequenas dispensas para mantimentos e uma mini geladeira. O banheiro é apenas uma pequena portinha, com vaso e um armário atrás do espelho onde guardam os itens de higiene. Ao fundo, um quarto grande com cama de casal e uma beliche. Tudo muito bem adaptado, armários e gavetas bem vedados para não derrubar nada com o balanço do mar, escondidos em algumas partes, pequenos botes infláveis e coletes salva-vidas, para segurança.
Seguimos para o lado de fora, me seguro no mastro, para apoio. Olho em volta, não estamos tão longe da costa, mas está já longe o suficiente para me deixar ligeiramente nervosa, do outro lado nada mais se vê, além da imensidão azul. Alcanço a beira do barco, segurando-me bem em uma corda aleatória e abaixo a cabeça para ver a água, forçando um pouco os olhos encontro Coral nadando, seguindo-nos.
— Acho que aqui já é uma boa distância para pescarem, o que acha Alex? — ouço Luís se aproximar de nós. — Que belo pássaro você tem aí! — aponta para Laima. — Qual o nome dessa raça?
— Quetzal resplandecente. — respondo. — Não é encontrado por aqui, é típico da América Central.
— E é legalizado para domesticação?
— Não, mas esse foi criado em cativeiro, por isso posso mantê-lo. — Laima mostra sua pequena perninha, exibindo sua anilha obviamente falsa, mas convincente.
Luís o admira com curiosidade, Laima voa para próximo ao homem, que estica o braço para que a ave pousasse, deixando-o muito contente e sorridente.
— Bom. — Alex começa. — Se vamos procurar um peixe-leão, pescar não será de grande ajuda, o melhor é mergulhar e procurar dentro d’água. Normalmente ficam em corais uns vinte metros de profundidade.
— Um peixe-leão? — indaga o pai de Alex. — Existem por aqui?
— Ouvi que um ou dois já foram encontrados aqui, mas não sei se terá um exatamente onde estamos. — digo.
Alex desaparece dentro da cabine, voltando minutos depois vestido com roupas de mergulho e um tanque de oxigênio em suas costas.
— Você sabe mergulhar? — ouço a voz de Laima. Finjo uma crise de tosse para abafá-la.
— O pássaro fala? — Luís olha assustado Laima em seu braço.
— Claro que não! — minha voz soa mais nervosa que queria. — Eu quem perguntou, não foi?
— C-claro que sim! — Alex tenta me ajudar a disfarçar. Luís encara Laima ainda mais curioso. — Respondendo sua pergunta, Alma. Faço parte de um grupo de mergulhadores, aqueles que passeiam com turistas, sabe? — como pensei. Conveniente demais.
— Então vai mergulhar para encontrar o peixe? — seu pai pergunta. — Tome cuidado com os espinhos venenosos.
— Pode deixar, vou usar isso. — mostra um arpão com três dentes de metal. — Isso é a melhor ferramenta de pesca para peixe-leão.
— Mas tem certeza que- — Alex não me escuta, anda desajeitado por conta dos pés de pato até uma beirada do barco e da um passo para fora, caindo na água. Volta para cima, acena e mergulha. Posso ver Coral o seguir para o fundo.
Laima levanta vôo, dividindo o espaço com as gaivotas. Suspiro nervosamente, falta muito pouco tempo para amanhã.
— Esse rapaz — a voz de Luís me faz encará-lo. — desde que nasceu ama o mar. Nós que moramos na praia em certo momento acabamos enjoando, mas ele não. Acredita que a primeira palavra que aprendeu foi “mar”? — sua voz soa cada vez mais nostálgica. Senta-se no com pernas cruzadas e debruça-se na grade, mirando o horizonte. — Logo que percebi o amor dele pela água, comprei esse veleiro. Todo barco precisa de um nome, é a alma do barco, sabe? Minha esposa e eu optamos por “Alexander”. O nome de nosso filho.
— Ele me disse que se chamava Alex...— digo.
— Quando ficou mais velho começou a ter vergonha de seu nome, só porque coloquei o mesmo nome no barco. — solta uma gargalhada. — Ele é um bom rapaz, mas.. talvez eu devesse ser um pai melhor.
— Tenho certeza que o senhor é o melhor pai que ele pode ter. — falo sinceramente.
— Ano passado, estávamos pescando mais ou menos por esse lugar. Um outro veleiro passou puxando uma rede. Alex viu algo estranho e nadou atrás do barco, ignorando meus gritos contrários a essa ideia. Se enfiou naquelas pedras. — vamos até a parte traseira do barco, onde Luís aponta para umas pedras assustadoras perto da margem. — Daqui não dá para ver, mas é cheio de corais perigosos. Levei Alexander até ele, voltou todo machucado e com xingamentos do outro barco por cortar a rede deles. — Voltamos para onde estávamos, olhando a água, esperando a volta de Alex. —Alguns dias depois, Alex tinha saído de casa e estava demorando para voltar, sabia exatamente onde ele estava, nas pedras onde ele foi te buscar mais cedo e...o vi conversando com bicho esquisito. Desde então sempre soube que ele se encontrava escondido com aquele peixe estranho. Mas...nunca quis questionar e ele se aproximou ainda mais do mar. — ele sorri tristemente. — Desde que ele nasceu...sabia que o perderia para o mar.
— Se você não quer esquecer seu filho — advirto. — não beba nada que ele te oferecer hoje. — olho-o nos olhos — Ele tem o melhor pai que poderia querer.
— Ele ofereceu um chá para minha esposa, então...?
— Ele queria que vocês o esquecessem, para que não sofressem com a partida dele.
— Alex...— suspira pesadamente. — Agora terei que lembrar dele por mim e minha esposa. — passa mão no rosto todo, terminando nos cabelos grisalhos.
Com cuidado sento-me no “chão” de Alexander e ficamos em silêncio. Luís pensativo, mira o mar, parece rever todas suas escolhas de vida.
Não sei quanto tempo ficamos aqui, eu sentada e o pai de Alex em pé, vez mexendo nas velas, vez andando de um lado para o outro mexendo em algumas cordas. De cinquenta em cinquenta minutos, Alex subia no barco para reabastecer seu cilindro de oxigênio, fato que nem sabia ser possível e voltava para água.
Ao belo pôr do sol, quando Luís e eu decidimos que quando Alex subisse mais uma vez, encerraríamos a busca de hoje para que o rapaz descanse, o vejo subir, tirar da boca o aparelho de oxigênio e gritar:
— Consegui!! — ergue seu arpão com um belo peixe-leão marrom arfado. — Encontrei!!
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 17/05/2021
E agora??
Resposta do autor:
Vou tentar postar o próximo capítulo essa semana ainda! O último dessa parte da história!
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