Capitulo 2 - Carol
Saudade é uma palavra azul
Mas arde vermelha*
Encerrou a ligação ainda boquiaberta, sem entender o que foi tudo aquilo. Sabe quando você se vê numa montanha russa de emoções? Carol sentiu o corpo reverberar a inquietude diante da surpresa do convite de Borja. Será que entendeu direito? Repassou na cabeça: "Segunda feira às 14h, reunião com equipe de Amar... Foi isso, não foi? Peraí! Segunda feira reunião com a Paula e Borja... Não, ele falou que seria uma reunião com o elenco de Amar todo e que Paula estaria!" Mordeu o lábio sorrindo com a imagem de Paula nos olhos. Imaginou reencontrando-a, o abraço longo que daria, afinal, sentia sua falta; eram meses sem vê-la. Por coincidência sonhou com ela nessa mesma noite.
Não soube como apareceu no sonho, mas ela lhe ofereceu flores, as rosas. A feição de Paula era de felicidade, sorriso aos dentes e brilhava como a luz vinda do sol. Carol a olhava hipnotizada, era esplêndida a imagem dela carregando as rosas vermelhas, parecia algum tipo de retrato mais puro da natureza. Logo recebeu de Paula tais flores colocadas em seu peito e se viu invadida pelo cheiro único das rosas. Depois Paula sumiu de sua frente como um vento, deixando outras pétalas de rosas em seu lugar. Carol ficou confusa e sentiu uma tristeza crescer dentro dela. De repente, como se forçasse a acordar e se livrar daquele sentimento, abriu os olhos. Esperou alguns segundos para se encontrar na realidade e, em seguida, fechou as pálpebras pesadas novamente. Ainda sentia muito sono. Tentou recordar-se dos cheiros das rosas que remetia Paula. Logo depois relaxou e viu-se dormindo de novo, dessa vez havia sonhado com jardins.
Carol sorriu para si mesma lembrando do sonho, o achou tão bonito e real. Riu da incrível coincidência, levantou do sofá e pegou seu celular novamente afim de pôr uma música para combinar com a excitação que sentia. O ar da pequena sala de seu apartamento precisava estar na mesma energia, pôs Again de Lenny Kravitz
I been searching for you
(Tenho procurado por você)
I heard a cry within my soul
(Eu escutei um clamor de dentro da minha alma)
I never had a yearning quite like this before
(Nunca tinha sentido uma ansiedade como essa antes)
Now that you are walking right through my door
(Agora aqui você está entrando exatamente à minha porta)
E começou a balançar seu corpo na mesma melodia da canção, ainda pensando em possíveis e deliciosos futuros.
Cresceu uma vontade enorme em Carol de falar com Paula naquele momento. Adoraria saber o que ela achava de tudo aquilo, se tinha outras informações da reunião misteriosa, perguntaria como estava, o que estava fazendo, quais seus outros planos, a vida e talvez dissesse que sonhou com ela mais uma noite. Sentiu certa ansiedade subir em seu corpo então respirou fundo uma, duas, três vezes tentando trazer de volta a serenidade que a meditação e a yoga lhe trouxeram logo no início da manhã.
Paula Usero tornou-se um dos encontros mais especiais que passaram em seu caminho. Se sentiu privilegiada de trabalhar ao seu lado e mais ainda de levá-la como amiga, daquelas que rompem uma linha e atravessam a alma. Naquele rebuliço de acontecimentos os quais Luimelia trouxe em sua vida, havia alegrias e prazeres mas também medos e inseguranças. Compartilhar com Paula possibilitou de sempre ter a mão dela ali para segurar a sua; o olhar atento e terno da valenciana sempre estiveram lá para tranquiliza-la. Trocaram cuidado uma com a outra num momento inédito em suas vidas.
Uma explosão de vontade a movimentou ainda mais por dentro, após relembrar esses sentimentos do passado. Queria fazer algo e a ideia de falar com ela por ligação lhe pareceu agradável. Carol lembrou-se da aproximação que existia na fala, na voz em simultâneo numa linha quando se telefonava para alguém distante, queria aquilo com Paula depois de muito tempo sem ouvir sua voz.
Diminuiu o volume da música, abriu a agenda do celular, achou o contato de Paula, não pensou duas vezes e chamou.
Coração na boca a cada toque.
Respirou fundo tentando se equilibrar.
Até que Paula atendeu.
— Alô?
— Alô? Pau! — Carol queria vencer seu nervosismo tentando parecer animada em sua voz.
— ¡Hola! Carol, madre mia, quanto tempo...
Carol fechou os olhos mantendo o sorriso no rosto ao ouvir as palavras saindo de Paula num tom calmo e doce do jeitinho que lembrava. Um misto de alegria e saudade a invadiu.
— Quanto tempo mesmo — seus olhos miraram uma fotografia das duas juntas que estava na sua estante — ouvindo sua voz parece que foi ontem que te vi pela última vez mas na verdade fez séculos — disse em tom melancólico.
— Sim, sim...
Carol esperou ela falar mais porém fez-se um silêncio.
— Paula, estou te interrompendo em algo? Liguei em péssima hora? — disse apontando certa preocupação em ter ligado sem prestar atenção se aquele era um bom horário. Olhou o relógio do celular rapidamente, marcava 09:34 da manhã.
— Não Carol! — a resposta foi rápida, o tom da voz aumentou — perdón, só estou surpresa com sua ligação — ouviu Paula respirar fundo — o dia mal começou e estou sendo surpreendida pra caramba — deu uma pequena risada, o que fez Carol relaxar um pouco e rir junto.
— Sim Paula, precisamos falar de surpresas, você...
— ...recebeu a ligação de Borja? — ambas disseram ao mesmo tempo e caíram em risos quando perceberam. Carol procurou o sofá para sentar, pegou sua garrafinha de água e tomou um belo gole.
— Recebi agora a pouco, Carol. O que será tudo isso?
— Iria te perguntar a mesma coisa, Borja não deu muitos detalhes, não sei se ele ficou receoso de que eu pudesse contar por aí — Carol tentou fazer graça com uma piada eterna sobre ela para roubar um risinho de Paula.
— Ah, dou toda a razão a ele — sentiu ela falar entre sorrisos o que fez Carol sorrir de canto de boca — e você irá, afinal?
— Sim! Por sorte tenho a segunda a tarde livre.
— Que bom, Carol, fico feliz de saber — pausa — quero muito te ver — Paula disse com uma nítida empolgação na voz a última frase.
Carol não conseguia parar de sorrir. Não imaginou que ouvindo isso de Paula fosse a deixar tão descompensada.
— Digo o mesmo! Não vejo a hora de te reencontrar — devolveu da forma mais meiga possível, pensou em falar sobre o sonho que teve com ela, porém hesitou; preferiu falar em outro momento pessoalmente.
— E como você está? — perguntou Paula.
—Vou bem — suspirou — especialmente agora.
Carol falou o que veio a mente. Mudou os planos: evitou se prolongar para dizer como estava a vida no geral, sabia que teria outra oportunidade de conversarem. Naquele momento, queria se prender a algo que não soube decifrar, só deixou-se levar. Houve mais um silêncio ensurdecedor vindo do outro lado da linha. Quando Carol resolveu quebrar, Paula já havia o feito.
— Digo o mesmo, Carol, melhor agora — a voz baixa de Paula dizendo tais palavras, quase como um sussurro, deu outro ar na ligação e deixou Carol arrepiada. Fechou os olhos para sentir seu corpo sendo invadido por inúmeras sensações deliciosas. A intimidade entre elas ainda existia e no fundo sabiam dessa zona secreta que levavam. Afinal, mesmo o não dito ainda consegue desenhar as nuances e preencher o vazio com sentimentos e desejos.
— Bom, estranho seria se fosse diferente — brincou Carol também em tom baixo de forma sedutora buscando continuar com aquilo.
Paula riu.
— O que foi? — perguntou Carol voltando ao tom normal.
— Nada, você continua engraçada — apontou Paula.
Carol sabia que ela havia entendido o que aconteceu nesses últimos minutos e sabia também que Paula fugiria lançando o "engraçada" para cortar o que mal havia começado. Então, optou por mudar de assunto...
— Sim, Paula, sou uma verdadeira palhaça — levantou do sofá e pôs se a andar pelo cômodo — mas olha, tive uma ideia aqui agora e bem, o que achas de depois da reunião nós sairmos para tomar um chá ou café?
— Ah, claro! Uma boa ideia!
— Ótimo — Carol segurou seu entusiasmo na voz porém transpareceu no corpo: inventou uma dança onde seus movimentos buscavam desenhar algo no ar — estas em Madrid?
— Não, não. Vim passar uns dias com minha família em Valência, fazia tempo que não os via.
— Que coisa boa Pau! Também estou planejando ir para Delta de l'Ebre em algum período de folga lá na frente, quem sabe — Carol parou de movimentar-se para olhar a foto de sua família que estava na parede, havia muitas saudades também ali.
Silêncio.
Foi quebrado pelo som ao fundo do latido do cachorro de Paula.
— Manda um beijo nele — falou Carol entre sorrisos.
Latiu mais duas vezes agora mais próximo.
— Ele mandou outro — disse Paula aos risos, parecendo brincar com ele naquele momento. Carol apertou o celular para ouvir melhor o que se passava por ali, seu maxilar começou a doer de tanto que sorriu naquela manhã.
— Carol, vou ter que desligar — Carol lamentou por dentro — para ajudar a mamãe a preparar o almoço.
— Deixa adivinhar o que irão comer... — Carol deixou que Paula completasse.
— Isso mesmo que está pensando, a nossa Paella! — respondeu demonstrado animação.
— Você está me devendo, aliás! — cobrou Carol.
— Pode deixar, um dia passe lá em casa e prepararei algo especial — Paula disse num duplo sentido que fez Carol refletir alguns segundos antes de dizer:
— Não vejo a hora desse dia chegar!
Ambas riram sem graça e logo depois se despediram.
Carol Rovira se sentiu fora do eixo depois da ligação.
Procurou matar saudade de Paula, encontrou mais desejo de vê-la;
Tentou matar a curiosidade de assunto de trabalho e acabou sentindo pequenos prazeres ocultos os quais ainda são incógnitas para ela. Ou não.
Paula Usero tinha mania antiga de acabar com ela
ao mesmo tempo que começava.
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* "Das cores" por Karinne Costa em Janelas ou Nada.
Fim do capítulo
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