Quero outra caipirinha.
Meus irmãos e eu tínhamos uma incrível coleção de copos, mantínhamos a tradição de comprarmos um em cada cidade que passávamos até que a falta de espaço no trailer ficou insustentável e Pipoca ameaçou deixar um de nós para trás se não nos livrássemos dos copos. Fernanda sugeriu que deixássemos o JP, mas meus pais não quiseram nos ouvir e foi assim que perdemos nosso acervo de copos.
Decidimos colecionar algo menor, como tampinhas de garrafas, mas com o passar dos anos também se tornaram muitas, depois tentamos juntar canudos, e meus pais, como medo de que nos tornássemos adultos acumuladores, resolveram colocar um fim no nosso hobby e nos proibiram de colecionar qualquer coisa.
— Guardem apenas os momentos que viveram nesses lugares – Jujuba dizia quando começávamos a juntar uma nova quantidade de bens sem relevância material que julgávamos ter alto valor emocional.
Depois de passar por todos os estados brasileiros, eu já não tinha memória o suficiente para guardar sequer o nome das cidades em que estivemos, como Jujuba sugeria, mas uma em especial nunca esqueci. Um dia, quando ainda éramos crianças, meus pais simplesmente dirigiram até Ilhabela, estacionaram o trailer em uma praça, mandaram que olhássemos uns aos outros e esperássemos enquanto iam resolver um assunto, obviamente não os obedecemos e perambulamos pela cidade até o pôr do sol. Foi um dos dias mais incríveis e felizes da minha vida e também da dos meus irmãos, não sabemos o porquê, mas aquela ilha nos magnetizou, e as praias, os cachorros que vagavam entre as barraquinhas, os churros que compramos com as moedas que ganhamos fazendo malabarismos e acrobacias se tornaram uma lembrança inesquecível. Nunca descobrimos o que Jujuba e Pipoca foram fazer lá, mas sempre insistíamos que nos levassem novamente até Pipoca surtar e nos convencer que Ilhabela era uma cidade mal-assombrada, além de nos fazer prometer que nunca mais pisaríamos os pés lá.
Por isso, meu coração quase saiu pela boca quando Juliana desligou o celular dizendo que tinha amigos ansiosos para nos receber em Ilhabela.
— Não tínhamos que ter avisado sua mãe? – perguntei quando entramos na balsa que nos levaria até a ilha, sentia um leve peso na consciência por causa da conversa que tive com Marina, mas, em minha defesa, estava cumprindo minha promessa e mantendo os olhos em Juliana.
— E perder toda a diversão? – Juliana perguntou alongando seu corpo encostando-se com os braços cruzados na lateral do carro.
— Você definitivamente é maluca – repeti pela milésima vez.
— Relaxa, já estamos chegando – ela piscou enquanto eu torcia para Pipoca estar errada, só o que faltava na minha lista de recentes desgraças era uma cidade mal-assombrada.
— Hunf– balancei a cabeça desanimada
Contrariando as expectativas, meu dia na praia com Juliana foi incrível, de alguma maneira muito divina, toda aquela surpresa, dor e confusão que eu estava vivendo nos últimos dias, por alguns momentos, se tornaram apenas pequenos resquícios em meus pensamentos. Não sei se era a presença dela, o incrível banho de mar ou as quatro caipirinhas que tomei, mas eu realmente estava muito feliz por estar ali.
Feliz e extremamente bêbada, de um jeito que eu nunca havia ficado antes.
— Preciso te falar uma coisa – Juliana estava sentada ao meu lado na areia e aproveitávamos os últimos raios de sol.
— É ruim? Se for, não quero saber agora – falei com o máximo de firmeza que minha voz de bêbada permitiu. – Hoje só quero saber de coisas boas e você tem o péssimo hábito de me contar coisas tristes.
— Não é – ela achou graça e me deu uma garrafinha de água. – Bebe.
— Quero outra caipirinha – resmunguei relutante em aceitar a água.
— Temos que ir, meus amigos estão nos esperando – Juliana se levantou e estendeu a mão para me puxar. – Além do mais, estou com medo de você passar mal, aqueles morangos da sua última caipirinha estavam meio estranhos.
— Ah não, acabamos de chegar – choraminguei, sem querer sair da areia.
— Passamos o dia todo aqui, estou me sentindo um frango empanado. Vou precisar de três horas embaixo do chuveiro para tirar toda essa areia.
— Posso tomar banho com você? – minha versão embriagada é definitivamente muito ousada.
— Claro, assim que tirarmos o álcool do seu corpo – ela piscou divertida.
— Juliana Garcia, cuidado com o que você promete! – respondi sabendo que quando estivesse sóbria, com certeza ficaria envergonhada, mas era muito difícil resisti aquela piscadinha.
— Só faço promessas que tenho a intenção de cumprir – Juliana sacudiu minha toalha, juntou minhas coisas, as colocou na mochila e eu ainda lutava para calçar meus chinelos.
— Por que você não está tão bêbada quanto eu? – perguntei enquanto ela me guiava, aos tropeços, para o carro.
— Não bebi, estou dirigindo e alguém precisava cuidar de você.
— Ei, não preciso que cuidem de mim – falei brava, na mesma hora derrubei meu celular no chão, ela pacientemente o pegou e guardou no bolso. – Bom, talvez um pouco.
— Acho melhor irmos para um hotel, tomamos um banho e descansamos, quando você se recuperar saímos para comer e te apresento meus amigos, o que acha? – ela perguntou quando pela terceira vez me sentei na calçada para descansar, acabei tombando no asfalto e ralando o joelho, só então Juliana percebeu o quão alcoolizada eu estava.
— Acho bom – respondi sentindo o início de um choro se formando. Em minha defesa, nunca tive muitas oportunidades para ficar bêbada, adquirir resistência e saber me comportar com civilidade, o máximo que eu aguentava sem dar vexame eram algumas taças de vinho, qualquer coisa mais forte já me transformava em tudo que não sou normalmente: ousada, desastrada e incrivelmente chorona. – Me desculpa, você já marcou com seus amigos e não quero te atrapalhar, estou indo embora.
— Gabi, espera – Juliana não sabia se ria da situação ou se me acalmava. – Pra onde você está indo?
— Não sei, não tenho casa – disparei a chorar.
— É claro que você tem casa. Vem, bebe mais um pouco de água – ela tirou a garrafa do bolso de fora da mochila e me entregou sem conter as risadas. – Está tudo bem, linda. Você só está um pouco alta, fica tranquila, não precisa chorar.
— Onde você deixou o carro? – perguntei soluçando ao sentir o cansaço me abater.
— É aquele ali, estamos chegando – Juliana segurou minha mão, me levou até o carro, abriu a porta e passou o cinto de segurança em mim quando entrei. – Só não dorme, não vou conseguir te carregar para o quarto.
— Não vou, prometo – limpei as lágrimas e me esforcei para não fechar os olhos, Juliana exibia um sorriso maroto no rosto enquanto eu tomava o restante da água da garrafa.
Céus, quem me deixou tomar todas essas caipirinhas? Minha cabeça já começava a doer dando indícios da ressaca que estava me esperando.
— Vou ver se eles têm dois quartos disponíveis no mesmo andar, se você precisar de alguma coisa durante a noite pode me chamar, ok? – quando chegamos ao hotel, Juliana falou me ajudando a descer do carro.
— Não, quero dormir com você, por favor – reclamei e a moça da recepção nos olhava curiosa.
— Tem certeza? – Juliana perguntou e não pude deixar de notar a delicadeza daquela preocupação. – Não quero que pense que estou me aproveitando de você nesse estado.
— Tenho. Moça, – me dirigi a recepcionista e falei tentando não deixar transparecer meu estado deplorável. – Queremos um quarto no andar mais baixo que você tiver, para o caso da cidade ser mesmo mal-assombrada ser mais fácil sair correndo – cochichei, mas não saiu tão baixo como eu esperava e Juliana me olhou incrédula.
Depois de uma pequena briga sobre quem ia pagar pela diária do quarto, Juliana conseguiu me convencer a deixar que ela pagasse, afinal de contas ainda nem tinha recebido meu primeiro salário do Colombo e estava sobrevivendo com o pouco que ganhei nos meus últimos dias no Esperanza.
— Descanse um pouco, vai se sentir melhor quando acordar – me joguei na cama assim que entramos no quarto e a última coisa que me lembro é de Juliana estendendo um lençol sobre mim.
— Obrigada – resmunguei semi-inconsciente e apaguei.
Fim do capítulo
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