Flowered Up
Flowered Up
Rachel atravessou a rua com passos firmes e decididos, e entrou na loja de flores como um pé de vento que bate a porta anunciando uma tormenta.
- Nem ouse tentar me derreter com esse sorriso - avisou, com o dedo em riste.
Luce arqueou a sobrancelha, intrigada.
- Como você pôde? - inquiriu Rachel, abrindo os braços.
Mordendo os lábios e acirrando ainda mais a expressão de dúvida, Luce se limitou a um curto passo na direção da esposa.
- Ok, eu vou precisar de mais do que isso para entender...
Andando nervosamente entre os arranjos e vasos, Rachel ofegava.
- O jantar! O maldito jantar!
- Oh, isso - Luce encarou o chão.
- Não! Não faça essa cara... - ameaçou Rachel.
- Querida...
- Uma lista! Temos uma extensa lista, pregada na porta da nossa geladeira, com todas as respostas possíveis e imagináveis que podemos dar à mamãe quando ela surge com esse tipo de convite...
- Rachel...
- E nenhuma delas é "sim"!!!! - explodiu, encarando o teto, depois cobrindo o rosto com as mãos. - Por que eu me dei ao trabalho de criar todos aqueles subterfúgios? Hein? Você sabe quantas horas eu levei? Beth e Zina passaram três tardes me ajudando a ensaiar, de modo que nenhuma das desculpas resultasse em becos sem saída...
- É evidente que você se orgulha muito dessa lista... - pontuou Luce.
- Custava ter escolhido uma das infinitas opções?!
O sino da porta desviou a atenção das duas para a entrada de um jovem casal.
Indecisa sobre atendê-los imediatamente ou continuar atenta à Rachel, Luce acabou afundando as mãos nos bolsos, tentando plantar um sorriso no rosto.
- Olá... - disse um dos rapazes. - Vocês vendem flores?
Rachel suspirou audivelmente, girando nos calcanhares e rumando para a porta dos fundos, abrigando-se junto ao estoque.
Luce sorriu sem graça e finalmente se aproximou dos clientes.
- Em que posso ajudar?
- Queremos as flores mais hipsters que você tiver.
- Hipsters? Flores hipsters?
- Isso!
A florista ainda estava tentando formular uma resposta para aquilo quando Rachel voltou pela mesma porta que tinha saído, apanhando no caminho um simples vaso de violetas.
- Com licença - ela disse, sem realmente esperar por uma resposta.
Luce assistiu incrédula enquanto Rachel, nem um pouco delicada, tirava os óculos do rosto do rapaz e colocava sobre a flor.
- Prontinho - disse Rachel, empurrando o vaso nas mãos do cliente. - Basta deixar perto das outras e ela vai ditar a tendência.
Os rapazes já iam saindo, ofendidos, quando Luce não conseguiu se furtar de dizer:
- Seria bom que ela tomasse sol pela manhã...
A batida da porta e o badalar estridente do sino fizeram os ombros da florista se encolherem.
- Rachel... Qual o problema? - Luce se aproximou, tentando abraçá-la.
- Você sabe muito bem qual é o problema!
- Os netos.
- Os netos! Vão perguntar de novo há quanto tempo estamos juntas, a H. vai tentar mudar de assunto, papai vai suspirar e dizer que nunca viu uma festa tão linda quanto a do nosso casamento, e então... "Vocês viram que agora é possível fazer bebês com dois óvulos?" ou "Aquela sua amiga Patty não está grávida de novo?", ou, ainda "Vocês já pensaram em adotar? Seria maravilhoso!".
Luce riu, abanando a cabeça. A imitação que Rachel fazia da voz e dos trejeitos da mãe era perigosamente perfeita.
- Rach... Eles sempre fizeram isso. De verdade, eu acho quase divertido. E a essa altura você já deveria estar mais do que acostumada.
- Eu estou é farta! Por que você tinha que aceitar?
- Porque a sua mãe já estava a ponto de invadir o nosso apartamento e fazer ela mesma o jantar, de novo. Eu sei o quanto você odeia quando ela faz isso. Bem, já trocamos a fechadura cinco vezes em dois anos, isso dá uma boa ideia...
- Eu ainda vou descobrir como ela consegue a chave!
- Além do mais - retomou Luce. - Consegui que ela aceitasse minha sugestão de marcar para quinta-feira à noite...
- Quinta? Esta quinta?
- Exatamente.
- Mas e o recital da H.?
- Exatamente.
- Oh...
- E quando ela se der conta, e ligar para remarcar... Você me empresta a sua lista?
Boquiaberta, Rachel ficou encarando Luce por longos instantes.
- Você é, definitivamente, a mulher da minha vida.
Luce sorriu, um segundo antes de Rachel se jogar em seus braços.
Quando o beijo já ia se estendendo bem além do razoável, Luce tentou interromper.
- Querida... porta... aberta... vidraças... clientes...
Rachel enfim se afastou alguns centímetros, somente para que a esposa visse o sorriso nem um pouco inocente que ela trajava.
- Temos um assunto interrompido há anos no estoque...
Luce arqueou a sobrancelha.
- E eu realmente espero que você tenha se livrado daquelas rosas com espinhos malditos...
FIM
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Manuella Gomes
Em: 12/07/2020
Leitura agradável.
Texto leve e fluido como o filme.
Resposta do autor:
Obrigada, Manuella! Que bom que gostou.
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