Cheguei em casa completamente desnorteada, cansada e morta de raiva daquela sem noção da Bianca. Como eu pude ter sido ingênua a ponto de ir até a casa do Armandinho para me explicar com aquela sem vergonha? E o pior não foi a humilhação, mas o fato de quase ter caído em tentação. Por muito pouco, pouquíssimo eu resistir ao desejo que sentia por aquela… Aquela… Naquele momento eu não tinha definição para descrever Bianca.

            A gente acha que as coisas não podem piorar, mas, como em uma obra de ficção, assim que eu dobrei o corredor em direção ao meu apartamento, dei de cara com Verônica. Dá para acreditar em um negócio desse? Aqueles porteiros não tinham noção, abriam o portão para todos, nem perguntava em que apartamento iria. Olhei as horas no celular. Só podia ser um pesadelo. Não podia esperar amanhecer, oras!

            – Jesus! Quanto mais eu rezava mais assombração aparecia! – Pensei enquanto caminhava lentamente até onde ela estava parada.

            – Jú… – Desencostou-se da parede onde estava, provavelmente à minha espera – Precisamos conver…sar… – Disse enquanto notava que eu estava molhada da cabeça aos pés… – De onde… De onde… Você está vindo?

            – Do inferno! – disse brava, depois me recompus. – Ai Vê! – Suspirei enquanto girava a chave na fechadura da porta – É uma longa história... Já que está aqui, entra, né? – Dei passagem para ela. Verônica passou por mim rapidamente, logo parou no meio da sala. Ela estava completamente desconcertada.

            – Olha, eu quero muito te pedir desculpas pelo que aconteceu. – Disse sem rodeios. Não respondi, queria saber até onde ela iria – A Dri me procurou… Falou mil coisas e... – Abaixou a cabeça. Estava constrangida.

            – Fala logo! – Disse impaciente.

            – Bom... uma das coisas que ela disse e que mais doeu em mim... foi que eu tinha destruído a sua vida. 

            – A Dri te procurou? – A encarei, ignorei a última parte, a que se referia a destruição da minha vida. Só queria saber o porquê da Adriana ter procurado por ela – Pensei que vocês tinham combinado… Bom.. – Tentei me concentrar nos fatos.

            – Olha, a Dri não imaginava que eu iria te agarrar e beijar. Ela só queria ter certeza que você não me amava mais. Por isso insistiu no nosso encontro lá na praia. –  Respirou fundo antes de continuar a falar – Eu fiz tudo errado, Jú! – Tentou segurar a minha mão, eu não deixei – Eu tô arrependida por ter deixado você viajar no carnaval, tá legal? Fiquei desesperada quando o Paulo disse que você estava caidinha por essa tal de Bia… A Dri confirmou a história e eu… Bom… Persuadi a Dri para te levar até mim.

            – Ah, a Adriana é uma santa! – Pensei – Olha, Vê...

            – Espera! Deixa eu terminar… Por favor... – Disse num sussurro, depois ficou em silêncio por alguns segundos e retomou as falas em seguida:      – Percebi que te perdi, acho que pra sempre, né?

Balancei a cabeça no sentido afirmativo e ela continuou a falar:

            – Triste essa história da gente só dar valor às pessoas depois que perde... Tô me sentindo uma grande idiota. Não acredito que vou perder você, sabia?

            – Para com isso, Vê! – Enxuguei algumas lágrimas que escorriam dos olhos dela – A nossa história foi linda. Quando eu olhar pra trás vou sempre lembrar dos momentos bons que passamos juntas… Das vezes que o meu coração só faltou explodir no peito só por ouvir a sua voz…

            – Então... Quem sabe... – Eu balançava a cabeça negativamente enquanto ela falava – Não tem jeito mesmo? – Segurou as minhas mãos. Elevou minha mão direita e a colocou na altura do seu coração – Gosto de você, Jú!

            – Também gosto de você, Vê! Mas amamos outras pessoas.

            Ela respirou fundo. Tinha percebido exatamente o que eu quis dizer.

            – Entendo… Mas, no meu caso… A Sara voltou mesmo para Florianópolis e não vai mais rolar.

            – Então abra o seu coração pra outra pessoa. – Passei as mãos no rosto dela – Você é maravilhosa, merece ser feliz!

            – Jú, como eu faço pra te ajudar com a Bia? Queria desfazer aquele mal-entendido. Eu não sou tão filha da puta a ponto de não querer que a garota mais legal que eu namorei seja infeliz por causa de uma merd* que eu fiz.

            – Esquece a Bia, Vê! – Saí de perto dela – Não quero mais saber daquela menina. Por mais que eu a ame, eu tenho que esquecê-la. Ela é complicada demais pra mim. – Sorri sem graça – Acho que ficar um tempo sozinha me fará bem.

            – Nossa! A Dri me disse isso hoje! – Sorriu.

            – Disse… O quê?

       – Que quer passar um bom tempo sem contato com as mulheres, pois está confusa e só fez merd* nos últimos dias.

            – Sei… – Suspirei lembrando de algumas das merd*s que envolveram a mim – Vou trocar de roupa… Você me espera? Faço um café pra gente, o que acha?

            – Claro! Tudo que eu menos quero é voltar pra casa cedo. Sei lá! Bate um baixo astral ficar sozinha.

            – Acho que seremos melhores como amigas do que fomos como namoradas. – Sorrimos juntas.

            – Tenho certeza. 

            – Já volto.

            – Te espero.

            Bom, eu fiz um café. Conversamos pelo resto da madrugada. Relembramos os momentos críticos do nosso namoro e percebemos que às vezes é muito melhor manter a amizade, ou terminar uma relação desgastada antes que a gente perca o carinho e o respeito pela outra parte. Ofereci o sofá para ela dormir e fui para o meu quarto. Estava exausta já eram quase sete da manhã.

            Estava sonolenta quando ouvi, bem longe, tímidas batidinhas na porta do quarto, em seguida, estava mais desperta ao barulho da maçaneta girando. Minutos depois eu ouvi a Verônica falar apressada:

            – Acorda, Jú! – me sacudiu. Eu dei um salto da cama.

            – O que foi?

            – Acabei de abrir a porta pra uma menina... Acho que era a Bia.

            – Pediu pra ela entrar?

            – Ela nem me deu a chance de falar nada. Saiu correndo pelo corredor.

            – Minha nossa! Que desgraça! – Falei procurando o chinelo embaixo da cama. – Vou trocar de roupa e...

            – Não troca não! Vai de baby-doll mesmo. Anda! – Falou firme, logo sorriu, primeiro com os lábios, depois com aqueles olhos sinceros que ela exibia. 

            Verônica me empurrou até a sala. A porta estava aberta. Não pensei em mais nada, apenas desci as escadas em disparada, correndo pelos corredores para tentar alcançar Bianca. Não encontrei ninguém pelo caminho, no entanto, continue descendo e, para a minha surpresa dei de cara com a Bia passando pela portaria. Não a chamei, mas inconscientemente, como se tivesse sentido a minha presença ou o brilho do meu olhar. Ela virou-se de frente pra mim e caminhou de volta até onde eu estava. Continuei andando na direção dela, meus pés não obedeceram ao comando de parar. Naquele instante, apenas meio metro nos separava uma da outra. Nos olhamos. Os olhos dela exibiam desespero, nos meus mágoa, ao lembrar do que ela tinha me dito.

            – O que você veio fazer aqui? – Quebrei o silêncio.

            – Vim ter certeza de... – fez uma pausa como se pensasse no que ia dizer e continuou...  - ... que eu não estava errada quanto a você.

            – Tá se referindo à Verônica estar na minha casa?

            – Estou! – Disse amarga.

            – Acha mesmo que eu tenho alguma coisa com ela? – Eu podia ter contado toda a história, ter falado da conversa que pôs um fim definitivo e irrevogável em meu relacionamento com Verônica. Mas eu precisava de alguém que acreditasse na minha sinceridade. Alguém que não me fizesse provar a todo momento o óbvio: que eu era uma pessoa séria.

            – Se eu não achava… Agora eu acho. – Falou cortante.

            – Eu podia te explicar todas as coisas que estão soltas e fazendo a gente brigar, mas... – balancei a cabeça negativamente. – ...Volta pra Búzios Bianca. É melhor... – Disse fria, porém com lágrimas nos olhos – Minha palavra é tão pouco pra você, e também, depois de tudo o que você me disse, eu vou até gostar que você pense que eu ainda tenho alguma coisa com a Vê.

            – Bom… Sobre o que eu disse. Eu vim te pedir… Pedir…

            – Pedir o quê?

            – Descul…paa! – Disse num fio de voz. Cabeça baixa.

            – Nossa! Era só isso? Não precisava se dar ao trabalho. Me diverti muito sendo tratada por você como uma qualquer. – Ironizei.

            – Jú… você e… aquela lá… – Fez um gesto com a cabeça indicando a direção do meu apartamento.  – Eu sei que você já me falou... mas aquele beijo... não consigo parar de pensar nele... Foi mesmo um engano? Você gostou? – Perguntou insegura.

            – Sabe de uma coisa, Bianca? – Balancei a cabeça negativamente – Eu já te respondi essa pergunta, mas a minha palavra não foi suficiente no primeiro momento, então, não sei porque valeria agora que eu estou completamente decepcionada contigo.

            – Deixa de ser orgulhosa! – falou quase brava.

            – Orgulhosa? Não sou orgulhosa! Só não admito que a mulher que eu disse que amo duvide de mim!

            – A mulher que você ama tá te pedindo desculpas, mesmo tendo acabado de encontrar a outra dentro do seu apartamento.

            – A mulher que eu amo não está pronta para ter um relacionamento baseado na confiança e no respeito. Imagina se todas às vezes que você “achar” alguma coisa, sair por aí dormindo com a primeira que aparece? – Meus olhos já lacrimejavam. Os dela também.

            – Jú eu… tenho motivos… A minha ex…

            – Não sou a sua ex! – Me exaltei – Em que mundo você vive? Em um mundo onde as pessoas não merecem mais confiança? Você não relaxa, Bia! Tá sempre traindo por medo de ser traída! Se recusou a me ouvir por medo de admitir que eu não te traí! Até parece que gosta de ser corna!

            – Caramba Juliana, alivia!

            – Não alivio, não! – Passei as mãos pelo rosto tentando me acalmar – Tchau Bia!

            – Mas…

            – Tchau, Bia! – Repeti encarando-a com o meu coração dolorido por estar sendo tão dura com ela. Dei às costas e saí. Não olhei para trás. Entrei no meu apartamento com as lágrimas deformando toda a minha face. Vê se levantou do sofá e veio me abraçar.

            – Pelo visto vocês não se acertaram.

            – Pelo visto ela nunca vai confiar em mim.

Fim do capítulo