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Memórias de uma filha do tempo
É madrugada agora, lá fora, a chuva cai fria e silenciosa, não há raios nem trovões, apenas o som baixo das pequenas gotas tocando as mais diversas superfícies numa doce canção que outrora lhe faria adormecer como um anjo.
Se sentara à mesa para escrever por volta das 19h, já estava chovendo e amava tanto aquela vista proporcionada pela ampla janela, tal coisa a inspirava muito desde menina, quando passava férias naquela enorme casa de campo. Tuppence costumava usar aquele quarto para pintar, já ela, usava-o apenas quando precisava de uma inspiração maior para seus contos. Finalmente conseguira realizar alguns de seus sonhos, como apropriar-se da casa, mas o custo fora muito alto.
Na mesinha, havia um pedaço de bolo, seu favorito, quase intocado, não sentia fome já há alguns dias. Era uma Avanzo Razervink afinal, porém, por mais traços humanos que ainda tivesse, suas necessidades não eram as mesmas há muitos anos.
Fechou os olhos trazendo a caneca de café fumegante aos lábios e assoprando suavemente enquanto sentia seu aroma, e a fumaça quentinha que escapava dali lhe tocava a face como um carinho gentil, quase reconfortante.
Sentia-se solitária, agora mais do que nunca. 319 anos era tempo demais, mesmo que seu corpo fosse jovem e aparentasse cerca de 24. Uma semideusa é o que costumava ser, e agora tornara-se vampira graças a uma de suas irmãs. Ainda tinha as habilidades de seu pai divino, Hades, porém pouco as usava. Parara de lutar a guerra dos deuses após a morte de Tay. Pensar na mãe adotiva era algo doloroso, mas não a razão de sua inquietação e tristeza profunda naquela noite. Ambryel se tornara grande, rica, poderosa, mas havia perdido tudo o que verdadeiramente amava no processo.
Seus filhos com Diana, a corajosa Elizabeth e o doce Henry, já não estavam mais entre os vivos, Louise e Tyler, filhos adotivos da vampira, também não, graças à fragilidade humana. Muitos de seus irmãos haviam caído em batalha, sobrando-lhe apenas os imortais como ela, que pouco pareciam se lembrar de sua existência.
Seus filhos mais novos, eram, talvez, seus últimos laços com a humanidade, mas pouco os vira desde o divórcio com Tuppence, meses atrás. A ex fora para Paris e os levara junto, elas dividiam a guarda dos pequenos, e a vampira entendia as decisões de sua querida. O amor era algo complexo, e tudo o que desejava para ela é que fosse muito feliz ao lado de seu novo par.
Porém, era difícil. Os instintos humanos pareciam cada vez mais distantes de si, e Aby temia pelo que viria quando cedesse e finalmente perdesse qualquer resquício da humana que um dia fora. Havia tido tantos sobrenomes, romances, amigos... E agora era só uma velha criatura desalmada e perdida.
Tay lhe dissera que aquela não era a solução, que Meredith não sabia o que estava fazendo... Mas não a escutara e agora tinha tudo, menos os que amava. Seus amores nunca duravam, e já havia se acostumado, há muito não sentia nada realmente forte.
Os sentimentos vinham enfraquecendo com o tempo, era normal entre os vampiros, manter as coisas humanas era algo muito difícil, raro até. Haviam lendas sobre almas gêmeas nas quais sua nova raça acreditava: um presente de Afrodite, uma “cura”, para que pudessem manter mais da humanidade, para não se tornarem monstros vazios e sanguinários. Ambryel vivera tempo o bastante para perder a fé nisso.
Lembrou-se da briga com seu irmão Gabriel, um dos muitos filhos de Tay. Com os olhos fechados quase era capaz de reviver a cena que acontecera no mesmo dia em que deixara sua humanidade.
“Você não pode fazer isso, Aby! Meredith está louca!”
“Ela recobrou a memória, não está louca. Sabe perfeitamente quem é e nos oferece a chance de findar de vez esta guerra louca com poderes inimagináveis. Oferece imortalidade, uma vida para sempre ao lado dela”
“Isso vai custar sua alma! Vai custar quem você é! Prefiro morrer como um semideus fraco a ficar preso à vida como um monstro, dependendo do sangue dos inocentes a quem juramos proteger”
Na época achou que o sacrifício não era tão ruim, mas, de certa forma, necessário. Conseguiram vencer a guerra com as habilidades divinas combinadas aos poderes que adquiriram ao se transformar, mas Gabriel estava certo: o custo acabara sendo mais alto do que havia pensado.
A única luz no ambiente provinha de seu notebook, o Word aberto, onde apenas 8 linhas, contando com o título,maculavam a brancura da tela.
Estava sentada há horas naquele lugar, tão angustiada e aflita. Sua tristeza provinha da ciência de que em breve estaria como os outros que Meredith tornara vampiros: vazia de emoções, apenas buscando por sangue e trazendo jovens sonhadores para a mesma escuridão que agora lhe dominava,dando-lhes promessas sobre glória e riquezas inimagináveis.
Não restaria nada da humana que um dia fora, exceto as memórias vagas que guardaria pela eternidade em sua mente. Seus sentimentos pareciam estar por um fio, em breve não existiriam mais, as memórias perderiam o significado junto disso e temia o impacto disso sobre os vivos, mortais ou semideuses.
Era a criação mais grandiosa de sua irmã, uma filha de Hades - a última - vampirizada, dotada de grandes poderes.
Meredith lhe procurara duas noites atrás, lhe contando seus planos para a raça fraca, nada de bom viria deles, e já não tinha mais forças ou motivos para resistir à escuridão que lhe habitava.
Provou o café ainda quente, um misto de doce e amargo invadiu seu paladar. Sangue era bom, mas café permanecia sendo infinitamente melhor.
Suspirou pesadamente, um som cansado e cheio de dor, enquanto relia novamente as poucas palavras que escrevera:
“Memorias de uma filha do tempo
Essa história não é bonita, e não sei se algum dia irei findá-la. Peço perdão àqueles que conseguirem lê-la.
Anos atrás tornei-me uma filha do tempo para salvar o mundo – também por egoísmo, não nego - mas nunca imaginei que um dia seria eu a causador
Fim do capítulo
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Cristiane Schwinden
Em: 16/05/2019
"Sangue era bom, mas café permanecia sendo infinitamente melhor" fada sensata
eu gostei bastante, a leitura é envolvente, a escrita impecável, parabéns!
Resposta do autor:
Obrigada por comentar e fico feliz que tenha gostado! E obrigada também pelos elogios ! Que tal aproveitar e dar uma olhadinha nas minhas outras histórias?! <3
rhina
Em: 13/05/2019
Olá
Boa tarde.
É muita coisa acontecendo em poucas linhas.
Que dor é essa. ....sofrer já é uma porcaria desnecessária. ....nas sua personagem definha em dor.
Rhina
Resposta do autor:
Hey! obrigada por comentar, sim tive de resumir bem pra caber na quantidade de palavras que era pedida, e sim a personagem definha em dor!
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