Em algum lugar além
Com o olhar distante no banco de trás do Uber, Eleonora olha a paisagem passar, sem prestar muita atenção aos detalhes, sua mente, presa num turbilhão de ideias. Quando foi selecionada para a missão espacial, nem ela mesma pôde acreditar, seu coração batia tão forte, achou que teria um ataque de pânico a qualquer momento na sala da diretoria, o que a tornaria automaticamente desqualificada, guardou a forte emoção para si, agradeceu e se retirou sorrindo. Mas essa felicidade, como a maioria dos momentos felizes, durou pouco. E Gabriela? Pensou. Depois de anos de estudo e a espera de reconhecimento pelo seu trabalho e pesquisa como bióloga e astrônoma, seu pensamento pousou nela, seu sorriso, nos planos de vida que fizeram juntas, sentiu uma leve irritação no estômago.
As vozes do meu chefe continuavam a circular em minha mente:
“Pode ser uma missão suicida”.
“Vocês estarão arriscando tudo”.
“Essa é uma chance única em sua vida”.
Á vezes, nossos sonhos querem grades sacrifícios, pensou. Mas que sonho estaria sacrificando? Um momento ímpar na sua carreira, momento os quais mulheres raramente alcançam, seria uma oportunidade de ser uma das primeiras mulheres no espaço ou o sonho de construir uma família junto à Gabriela? Possivelmente era a decisão mais difícil de sua vida. Como Gabriela se sentiria, sabia que na mínima desconfiança das dúvidas de Eleonora ela a apoiaria a ir. Contar? Decidir por si só e o seu sorriso no laboratório já não havia sido um sim, um sim da maneira mais sincera possível?
Chegou em casa, o apartamento amarelo o qual dividiam há três anos, sua amada se levantou e caminhou em sua direção lhe dando um beijo de boas-vindas. Fechou os olhos e agarrou o corpo de sua mulher o mais próximo possível, cheirando o adocicado de seu perfil, sentindo a maciez dos seus cabelos. Gabriela instantaneamente reconheceu que havia acontecido algo, e ao interromper o abraço olhou profundamente nos olhos de Eleonora que demostrava preocupação.
- O que houve?
- Precisamos conversar...
Eleonora olha para a paisagem estranha que a cerca e tem dificuldade para imaginar como chegou até ali, voando em um combinado retorcido de metal, vislumbrando o azul da Terra, sorri mais uma vez lembrando Gabriela, ela está ali em algum pontinho dessa imensidão e só de pensar que ela existe seu coração se aquece.
Da Terra, através da varanda do apartamento amarelo, Gabriela olha as estrelas, sabendo que ali em órbita está o amor de sua vida enche a ela e todas as mulheres de orgulho. Deitada no travesseiro sonha, sonha com a volta de Eleonora que se encontra agora em algum lugar além.
Gabriela lembrava daquele dia, Eleonora abriu a porta e ela foi ao seu encontro, mas sua amada que sempre a mimava estava diferente, podia sentir seu coração ao encostar seu corpo no dela, leu assim que seus olhares se cruzaram as rugas de preocupação no semblante dela. Logo depois veio aquela frase, muito dita, mas muito maldita por casais: “Vamos conversar”. Gabriela ouviu atentamente, viu as nuvens de preocupação fugirem enquanto Eleonora narrava a missão da qual faria parte. Como fazer a mulher que se ama brilhar menos do que ela merece?
A incerteza de um futuro juntas chegou para as duas. Lembrava admirando as estrelas os dias de choro, dúvidas, com Eleonora fazendo horas e horas de treinamento, baterias de testes. Gabriela então voltou-se também para o trabalho, e logo, foi promovida, faria agora parte da assessoria de comunicação de uma grande empresa. Perguntava-se como duas pessoas com interesses em áreas tão distintas podiam ter se apaixonado.
Apenas uma semana antes da viajem a verdade bateu na porta. Ela amava Eleonora, amava com todo seu corpo, amava ao ponto de enjoar só com a possibilidade de que Eleonora nunca mais poderia voltar. Preparou então um jantar, com velas, a comida favorita da parceira e a esperou.
19:00
20:00
21:00
Ás 22:00 finalmente uma ligação, ela não voltaria, resolveu passar a última semana na casa de sua mãe. A frustação se abateu sobre ela e chorando, sentou-se no chão segurando a garrafa de vinho, jogando seu vestido vermelho no chão de madeira. Mas não desistiria, deu um trago na garrafa, a largou em cima da mesa tombada e partiu para a rua acenando para os Táxis que passavam por ela. 30 minutos depois, estava na porta da casa da mãe de Eleonora, tocou a companhia, ela estava sentada na sala com uma calça de pijama, um camisão e cara de choro.
- Me desculpa por ser tão boba, Lola. Eu quero mais do que tudo estar com você, mas além disso eu desejo mais ainda a sua felicidade, desejo que você visite as estrelas.
Selaram então com um beijo demorado, só percebendo depois a presença da sogra que observava com os olhos marejados toda a cena. Foram para casa, seu apartamento amarelo e cheio de amor e cercada das coisas que construíram juntas, suas lembranças, suas fotos, dormiram agarradas mais uma vez. E assim foi até a sua partida.
Fim do capítulo
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Cristiane Schwinden
Em: 12/05/2019
Tão cadenciado e delicado, gostei muito!
Resposta do autor:
Muito obrigada! Admiro muito seu trabalho, é tão legal ter um feedback seu.

rhina
Em: 11/05/2019
Oie
Boa tarde moça!
É. ....trabalhou bem.....
Vc expõe dois mundos.....duas mulheres em áreas completamente diferentes. ....mas.vivendo e acreditando que é possível se.amarem de verdade.
Jogou sobre elas.......uma.escolha.....que.parece.simples e.fácil. ....mas somente onde habita o amor de.essência pode fazer a melhor escolha. ....
Rhina
Resposta do autor:
Fico feliz que gostou, obrigada.
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