Capítulo 12
Na noite seguinte elas reuniram as amigas no apartamento. Dione, Alice, Érica, Mel, Karina, Toni, e contaram tudo com uma pequena festinha, porque quando elas se juntavam, tudo virava festa e aquele era mais que um motivo especial para comemoração.
– E agora? Vamo ter que fazer um sorteio pra saber quem serão as madrinhas – disse Dione sorrindo e tomando um gole de caipirinha.
Uma hora Alice ficou sozinha com Rafa na cozinha.
– Eu sei, você acha que eu sou cretina, louca e tudo mais de ruim no mundo.
– Eu quero que fique claro que não apoio a sua atitude e confesso que tô chocada porque você chegou longe demais – Alice se encostou na pia – Eu não conseguiria. Eu sei que não posso me met*r. Acho que você tá desesperada pra segurar a Açucena na sua vida, mas se ela um dia descobrir o que você fez, não vai ser esse filho que vai conseguir impedir que ela abandone você.
– É incrível ver o modo como você me julga.
– A Açucena é minha amiga, é pessoa mais doce que eu conheço. E eu não consigo fechar os olhos pra isso, sabendo que ela tá sendo enganada.
– Eu amo a Açucena, ela é a minha vida.
– E você foi pra cama com a prima de vocês!
– Fala baixo! – Rafa voltou a ela um olhar aflito, sublinhado de desespero.
– Olha, Rafa, você também é minha amiga e…
– Sério? Eu tinha me esquecido.
– Não me pede pra achar o máximo isso que você tá fazendo, topar ter um filho com ela quando…
– Eu sei. Alice, por favor. Esse é o maior sonho da minha vida.
– Seria um bom castigo que você ia impor a si mesma se abrisse mão disso.
– Não diz uma coisa dessas. Eu não posso, eu… – Rafa sentiu as lágrimas prestes a emergirem, mas não podia chorar agora. E se Açucena aparecesse ali?
– Tudo bem, uma hora a casa vai cair. E vai ser pior se ela souber de outra forma.
Pegando um pouco de gelo na porta da geladeira, Alice saiu da cozinha, deixando Rafaela se remoendo em sua angústia sem fim.
No dia seguinte, na agência, Açucena foi surpreendida no fim do dia com uma festa surpresa, com direito a decoração bonitinha e muita comemoração. E Rafa tinha chegado mais cedo do escritório e havia feito um jantar especial para ela. E havia muito amor em cada detalhe daquela noite. Havia rosas espalhadas pelo corredor, pelos lençóis brancos da cama, havia um cheiro de velas perfumadas adorável pelo ar, e havia as duas fazendo amor de um jeito doce e suave, numa sintonia mais forte do que nunca.
…..
Com o passar dos meses, a vida delas foi se transformando cada vez mais em torno daquele sonho que estava se realizando. Decidiram comprar um apartamento maior, ali mesmo na orla, com varanda grande e aquela vista privilegiada para o mar que amavam. E apesar de Rafa sentir a iminente ameaça da presença de Amanda, a felicidade que a envolvia era como um bálsamo e ela se sentia capaz de fazer tudo o que estivesse a seu alcance para que aquele castelo de sonho se mantivesse de pé. Havia o tormento da culpa, sim, era como um fantasma a assombrando todas as vezes em que ela se via sozinha, quando a consciência vinha a tona. Mas fechava os olhos com força e tentava sufocá-la. Dois crimes. Trair e omitir. Ela chorava naqueles momentos, mordia aquela dor, os punhos fechados olhando com desprezo para si mesma diante do espelho do banheiro. Porém, voltava ao quarto e via Açucena deitada na cama, linda, vestida numa camisola de seda curta, com a barriga um pouco crescida. Ela olhava para Rafa com aquele sorriso apaixonado e doce. E inebriada de novo naquele sonho perfeito, Rafa fazia amor com ela do jeito intenso de sempre, a única forma de esquecer seu tormento.
E Açucena estava cada vez mais bonita e irresistível, com o corpo se modificando, parecia mais sexy, de um jeito diferente. E estava mais fogosa. Deviam ser os hormônios da gravidez. Elas haviam lido sobre isso em alguma revista ou livro sobre gestação. Ás vezes Açucena a acordava de madrugada para fazer amor quando já tinham feito isso antes de dormir e faziam em lugares inusitados como no provador de uma loja de roupas para grávidas no shopping e outros lugares loucos e… uau! Aquilo era maravilhoso. E havia os desejos. Numa noite de domingo, de madrugada, Açucena decidiu que precisava urgentemente comer açaí com crème brûlée e elas tiveram que sair rodando pela cidade para procurar. Acabaram se empanturrando de doces naquela noite e foi divertido como nunca. Foram parar na Pipper, dançaram e se beijaram na pista. Todo mundo ficou realmente sabendo que a esposa de Rafaela Hoffmann não só havia voltado de Paris como estava grávida e elas estavam mais juntas e felizes do que nunca.
Amanda havia ganhado a guarda provisória do filho. Arthur estava morando com ela na mansão dos Hoffmann. Mas o bem-estar e os cuidados com o menino era a menor de suas preocupações naquele momento. Ela passava seus dias deprimida pelo jardim, ou chorando com a cabeça enterrada no travesseiro, ou afogando as mágoas em compras. Ver a cara de felicidade de Rafa e Açucena com a perspectiva da chegada do bebê a torturava. Amanda estava a ponto de explodir e fazer uma loucura. Mas ela não queria se prejudicar, então todas as vezes em que um plano insensato de separar as duas se esgueirava por sua mente perturbada, ela acabava desistindo de executá-lo. E voltava às lamentações silenciosas.
Até que naquela manhã, ela não conseguiu se conter.
Nos últimos meses, Amanda havia forçado a todo custo uma aproximação maior com Açucena. Apesar de Rafa expulsá-la, de exigir que ela ficasse longe de sua mulher. Açucena estava mais sensível por conta da gravidez, de modo que Amanda conseguiu ludibriá-la fácil, com todo o seu jeito gentil de prima/amiga perfeita, acompanhando-a nas compras do bebê, conversando com ela sobre gestação e fazendo tudo o mais que fosse possível para conquistá-la.
E estavam sentadas conversando numa mesa à sombra de um guarda-sol no deck da piscina, enquanto viam um catálogo de decoração de chás de bebê. Júlia estava com elas, as três sorriam alegres numa conversa instigante, Açucena com os cabelos presos de lado, brincos grandes em estilo gipsy, um vestilo floral e leve de tecido claro. Rafa olhou-as de longe, através da parede de vidro do salão de jogos. Preparou um uísque com gelo no bar e deu passos impacientes. Ela sentia a tempestade se aproximar, só não sabia quando e como isso ia acontecer. Sabia muito bem as consequências da fúria de uma mulher rejeitada. Amanda ia agir. E Rafa precisava parar aquilo. Mas não sabia como.
– Tem certeza de que não quer que eu leve você, amor? – ela perguntou a Açucena, quando elas chegaram na garagem. Ultimamente não gostava de deixar Açucena sozinha, principalmente quando Amanda estava por perto. Quando isso acontecia, Rafa ficava com os nervos em frangalhos – Eu posso ir para o escritório mais tarde.
– Amor, para de bobagem. Eu não tô doente, só tô grávida. Dirijo com cuidado, prometo. Vou só visitar a Érica rapidinho.
Rafa envolveu as faces dela com as mãos, olhando em seus olhos com ternura, pensando de novo naquele jeito bajulador e falso de Amanda. Um nó gigante em sua garganta quase a impedia de respirar. Um mau pressentimento.
– Então me ligue quando chegar lá, está bem? – depositou um beijo suave nos lábios da esposa.
Açucena sorriu antes de entrar no carro e jogou um último beijo para ela no ar. Rafa ficou parada olhando o carro sair da garagem e seguir pela alameda de pedra do jardim.
– Dona Rafaela, a sua mãe pediu para falar com você antes de ir embora.
– Obrigada, Mirna. Já estou indo.
* * *
Rafa estava em sua mesa, no escritório, atendendo uma ligação importante quando seu celular tocou, em cima de uma pasta, ao lado de um porta-retratos com a foto de Açucena. No visor, o rosto sorridente dela apareceu também. Quando sua esposa ligava, ela interrompia o que estava fazendo para atendê-la.
– Oi, amor...
Mas não foi a voz de Açucena que ela ouviu.
– Oi Rafa...
– Léo?
Algo a alarmou, não saberia dizer o quê. A voz dele estava estranha, e aquele silêncio antes de continuar.
– A Açucena… Ela… sofreu um acidente – despejou ele.
E aquilo fez o dia de Rafa desmoronar. Houve um longo segundo até ela perceber que continuava respirando e pedir ao irmão:
– Só me diz que ela está bem.
E estava irrompendo pela recepção do hospital, o coração na garganta. Ela sofreu um acidente… Não via nada em sua frente, não sentia nada, só queria ver sua esposa. Todos aqueles recentes sentimentos ruins, de culpa, eles a esmagaram de novo, como se tivessem algum tipo de ligação com o acidente. Claro que não, que bobagem, mas Rafa se sentia assim. Talvez estivesse sendo punida, de alguma forma. Pelo que fizera, por seu erro. Mal conseguiu falar com a atendente. Avistou a mãe, parou os olhos aflitos nela. Júlia vinha caminhando pelo corredor, a angústia e a tensão estampadas em seu olhar.
– Mãe… Onde ela tá? Como isso foi acontecer? Como ela… O bebê...
– Calma, meu bem. Está tudo bem. Venha.
Sentiu a mão da mãe agarrar a sua, elas atravessaram uma porta e só então Rafa conseguiu se sentir viva de novo, quando viu Açucena deitada naquela cama de hospital, encarando-a e dando um leve sorriso.
– Meu amor… – precipitou-se para a cama, pegando a mão da esposa, beijando-a, pousando em seu peito, correndo os olhos por ela – Você tá bem? – queria ouvir dela, apesar do sorriso sereno de Açucena evidenciar que estava mesmo tudo bem. Rafa, mesmo assim estava angustiada. Tinha a estranha sensação de que aquilo era culpa sua. A culpa a esmagou de novo.
– Eu tô bem, amor – Açucena afagou os cabelos dela – Foi só um susto. E o médico disse que o nosso filho está ótimo.
Rafa afastou-se um pouco dela e inclinou-se para beijar sua barriga, aliviada.
– Mas como isso foi acontecer?
Era o que ela descobriria nos próximos dias, depois da perícia. Os parafusos de uma das rodas do carro de Açucena haviam se soltado, como se tivessem sido afrouxados. Naquele instante Rafa só pensou em uma coisa, ou melhor, numa possível responsável por aquilo. Mas guardou aquela dúvida. E uma perícia apurada era desnecessária, já que não havia vítimas fatais, felizmente.
Mas Rafa ficou um dia inteiro pensando sobre aquilo, sem conseguir aceitar. E então dirigiu até a mansão por volta das sete horas daquela noite de sexta-feira, deixou o carro em frente a casa, subiu os degraus de entrada depressa, atravessou a sala, subiu a escada correndo e empurrou a porta do quarto de Amanda com força. Estacou na soleira assim que a avistou, deitada na cama, rodeada de doces e se empanturrando de sorvete, vestida num moletom cinza. Os olhos dela estavam avermelhados como se tivesse chorado. Rafa não se interessou nem um pouco em saber por quê.
– Foi você, não foi?
– Boa noite pra você também – ela rebateu com desprezo na voz – Não sabe bater antes de entrar?
Rafa não precisou de mais nada para ter certeza. Aquele olhar frio de Amanda dizia tudo.
– Foi você.
– Não sei nem do que você tá falando. Como é que a Açucena tá?
– É dela mesmo que eu tô falando. Não se faz de idiota!
Amanda evitava olhar nos olhos dela. Sabia que se fizesse isso, começaria a tremer.
– O que está querendo dizer com isso?
– Não foi um acidente. Foi você!
– Eu? Você está louca?
Rafa não conseguiu mais dizer nada. Não sabia o que fazer. Não tinha nem provas, de qualquer modo. A tensão e a raiva se derramaram de seus olhos em forma de lágrimas. Ela quase não conseguia respirar, quanto mais raciocinar. Voou para cima de Amanda na cama, as mãos como garras firmes indo direto ao pescoço da prima.
Os olhos de Amanda quase saltaram das órbitas. Ela sentiu medo, medo daquele olhar flamejante que entrava no seu com uma fúria cega, e daquelas mãos apertando sua garganta, se viu quase sem fôlego.
– Se fizer isso de novo, se acontecer alguma coisa com a Açucena… eu juro que te mato. Ouviu bem? Eu te mato!
– Para! Me solta! Voc… você tá me machucando!
Rafa afrouxou as mãos, ofegante, tentando se conter, afastou-se dela, saiu da cama. Atordoada, os olhos molhados, a mão pelos cabelos.
– Eu devia te denunciar à polícia por tentativa de homicídio!
– Por que não faz isso? No dia seguinte a sua mulherzinha vai saber de tudo, tudo o que aconteceu entre nós e então, adeus casamento perfeito!
– Sua maldita! Não chega mais perto dela!
– Eu não fiz nada. A Açucena é minha prima. Você é que está perturbada demais. Foi um acidente sim.
Rafa desistiu. Amanda não ia admitir. Caminhou cambaleante para a porta. Não tinha mais o que fazer. Ali estava o seu demônio atormentando-a mais uma vez. O acidente de Açucena tinha sido culpa sua, sim, era tudo culpa sua. Mas não devia estar surpresa. E sabia que Amanda não ia parar. Não olhou mais para ela. Bateu a porta e foi embora.
Depois disso Rafa começou a cogitar seriamente a possibilidade de contar tudo para Açucena, de resolver tudo. Assim quem sabe Amanda deixaria Açucena em paz. Agora as coisas mudavam. Açucena era o alvo e Rafa não podia permitir que Amanda fizesse algo contra ela.
Porém, a harmonia entre elas, a expectativa da chegada do bebê tornava aquilo impossível. Rafa não podia manchar de cinza aquele paraíso colorido que estavam vivendo, não agora.
* * *
Haviam se passado cinco meses. Açucena tinha a barriga mais crescida agora, tinha adotado um estilo “grávida boho chic”, com seus vestidos leves, longos, batas bordadas, seus brincos estilo gipsy, rasteirinhas. Rafa e ela haviam descoberto o sex* do bebê naquela semana. Um menino, como Rafa sonhava.
– Então… pode ser Rafael? – ela pediu, fazendo aquela carinha de súplica a qual Açucena não resistia, as duas deitadas no sofá numa noite de domingo, assistindo séries na TV.
Açucena sorriu e beijou-a.
– É claro, meu amor.
Sem que Rafa pudesse impedir, Amanda continuou próxima de Açucena, com aquela falsa amizade. Ajudou às garotas a organizarem o chá de bebê, sempre fazendo a coisa certa, na hora certa para agradar Açucena. E Rafa sentia o coração gelar cada vez que via aquelas cenas, se martirizava, tentando achar uma saída. Mas não havia.
A festa aconteceu na mansão, por insistência de Júlia. Num fim de tarde ensolarado, com decoração fofa no jardim e a presença dos amigos. Açucena circulava com aqueles olhos de mel brilhando sob o sol, distribuindo sorrisos pelo gramado, um vestido leve e claro, os cabelos soltos, Rafa ao seu lado, cuidando dela, o olhar um pouco mais iluminado cada vez que olhava para sua loira grávida.
E estavam sentadas num futon no deck da piscina, junto com as amigas, depois que os outros convidados já haviam ido embora.
Dione e Alice estavam cada vez mais apaixonadas, cuidando dos detalhes do casamento, que seria dali duas semanas. Rafa agradecia que pelo menos agora Alice estava bem ocupada e havia parado um pouco de atormentá-la.
Os filhos de Mel e Érica estavam bastante crescidos e o relacionamento das duas cada vez mais sólido.
Karina e Toni haviam brigado naquele fim de semana, por causa de uma nova guitarrista que entrara na banda e começara a dar em cima da ruiva. Ambas estavam sentadas longe uma da outra. Enquanto Karina acomodara-se ali, de cara fechada perto das amigas, a namorada ficara largada numa espreguiçadeira do outro lado da piscina, bebendo sozinha.
* * *
E era o dia do casamento de Dione e Alice.
Rafa estava num canto do jardim da casa dos Queiroz, um pouco afastada do ambiente da recepção, lotada de convidados. Toni se aproximou com duas taças de champanhe e entregou uma à ela.
– E aí, como estão as coisas?
– Eu decidi, Toni. Eu vou contar. Vou abrir o jogo com a Açucena, vou ser honesta com ela, seja o que Deus quiser. Só vou esperar o bebê nascer e… – doía até falar aquilo. Mas ela precisava ter coragem para fazer.
– Tem certeza? Você sabe o que pode acontecer, né?
– Sim. Mas não posso continuar construindo uma vida com a Açucena, sendo que em algum momento eu traí ela e escondi isso. Chega. E eu tenho medo do que a Amanda possa fazer com ela. Não sei como, nem quando. Mas vou contar pra Açucena. Preciso. Ela não merece ser enganada assim. Eu fui uma cretina, traindo ela do jeito que eu fiz, com a nossa prima, na nossa cama. Foi a por coisa que alguém poderia fazer. E agora… eu tô sendo egoísta por não contar pra ela, o tempo me fez ver isso. Eu omiti o que aconteceu pelo medo de perdê-la e isso é puro egoísmo. Eu cometi um erro e tenho que pagar por ele.
Toni meneou a cabeça, olhando para ela com pesar.
– Pode contar comigo pro que precisar, tá?
– Valeu.
Atrás de ums enormes vasos de plantas emparelhados, Amanda deu um sorriso ao ouvir isso. Ela queria gargalhar, na verdade. Mas não podia, seria ouvida pelas duas. Bebericou um pouco do seu champanhe. Rafa estava tão linda naquele smoking, ela ficava uma graça naquele tipo de roupa. Era uma pena que tivesse aquela cara de mocinho dramático de novela mexicana. Amanda odiava saber que aquela angústia dela era por Açucena. Analisou a expressão aflita da prima, suspirando com certo prazer. Conforme Rafa falava, ela pensava naquela noite. Mordeu o labio, se recordando o momento em que havia tirado a roupa de Rafa, depois de pôr aquela coisinha na bebida dela e levá-la para o quarto, cambaleante e incosnciente, porque ela ficava dizendo que não ia beber pra se chapar naquela noite. Amanda havia dado um jeito. Havia sido tão fácil convencê-la no dia seguinte de que tinham feito amor.
Amanda deu outro sorriso triunfante. Havia se aproveitado um poquinho, é claro, Rafa nua diante das suas mãos e da sua boca. Mas não tinha graça com ela desacordada. Pelo menos conseguira o que queria.
Você é o máximo ruivinha, parabenizou-se, radiante.
Rafa ia contar para Açucena… Aquela era uma ótima notícia. Os olhos de Amanda cintilaram, fixando-se na prima lá conversando com a amiga.
Vou ajudar você, Rafa. Acha mesmo que eu vou deixar a sua mulherzinha idiota em paz? Ainda nem comecei, meu bem.
* * *
– Ai, amiga, para quieta e relaxa um pouco – Karina passou o pincel rapidamente pelo rosto de Alice, que falava o tempo todo e não conseguia ficar parada. Não que a maquiagem dela já não estivesse perfeita. Aqueles retoques eram só para fazê-la se acalmar um minuto.
– Eu sei, sei que pareço histérica, mas gente… eu nunca me casei antes, sabia?
Açucena, sentada numa poltrona perto da janela, sorriu para ela.
– Você tá maravilhosa, Alice.
Alice abriu um sorriso, foi até ela e apertou suas bochechas.
– Adoro quando minhas amigas mais gostosas, ou seja vocês, dizem quem eu tô linda. Porque eu me sinto realmente… linda!
– Ai, Alice, você não tá falando coisa com coisa – Érica brincou.
Estavam na casa da família de Dione, onde a cerimônia seria realizada, naquela tarde. Seria naquele belo jardim que a avó de Dione cultivava como se fosse seu paraíso particular. O lugar recebera uma decoração em estilo vintage, escolhida pelas noivas. Arranjos românticos misturados ao cenário rústico. O vestido de Alice era um modelo retrô, curto, com saia rodada exibindo um bordado de rosas, uma faixa rosa chá acentuando a cintura, o decote romântico, os cabelos loiros num penteado bem elaborado cujo acessório era uma tiara de pérolas.
– Está tudo tão lindo, minha filha – a mãe dela a olhou, emocionada, os olhos úmidos. Foi até ela e tomou seu rosto entre as mãos – Você parece um sonho, meu amor.
Os pais de Alice haviam vindo da Holanda para o casamento e estavam hospedados na casa dos Queiroz. A avó de Dione havia feito questão dessa gentileza.
– E eu estou tão feliz de ter você e o papai aqui.
A porta do quarto se abriu, Mel surgiu com um sorriso curioso.
– Gente… está quase na hora.
Um alvoroço mudo se espalhou pelo quarto, Alice respirou fundo, sorrindo, com a mão sobre o peito.
* * *
No quarto de Dione, ela terminava de botar a roupa. Um terninho retrô, cinza-claro, suspensório por baixo, gravata borboleta. Sim, ela tinha deixado de lado seu estilo old school e largado para ficar arrumadinha e linda para a sua Alice, no estilo que sua noiva exigente havia escolhido. Os cabelos pretos e curtos estavam impecáveis.
Rafa ajudou-a a arrumar a roupa.
– Mano do céu. Eu vou casar, porr*! Tem noção? E com a mulher da minha vida.
– É, fazer o quê – Rafa deu um riso – Depois de tanto disputarmos a Alice no passado, você ganhou. Sou um fracasso, tenho que admitir.
– Não tenho culpa se ela prefere a pianista charmosa aqui.
Elas caíram no riso. Rafa ficou de frente para ela e a encarou:
– Seja feliz. Vocês duas foram feitas uma pra outra.
– Eu sei… Obrigada.
– Ih, não começa a chorar senão vai borrar a maquiagem – Toni brincou e Dione deu um tapinha no ombro dela.
– Engraçadinha.
A porta se abriu e a Mel olhou para elas, sem entrar.
– Dione, vombora. Tá na hora.
O jardim resplandecia com aquela decoração vintage e romântica, os convidados sentados em fileiras de cadeiras com arranjos florais e renda branca.
Rafa e Açucena vieram para seus lugares de madrinhas, Açucena num vestido de grávida sensual, os cabelos jogados de lado, em ondas levemente bagunçadas, batom vermelho, Rafa metida num smoking preto.
Num canto, Amanda olhou de soslaio para as duas, odiando ver o jeito carinhoso como Rafa segurava a mão de Açucena ou a abraçava delicadamente pela cintura. Depois da tentativa frustrada de fazer Açucena perder o bebê, Amanda ficara mais desesperada. Ultimamente a tortura dela estava pior. Rafa e Açucena cada dia mais grudadas, mais felizes, mais perfeitas juntas. E pensar que esse belo castelo de cartas estava ao alcance do seu sopro...
Toni e Karina, que não estavam se falando direito, ficaram longe uma da outra. Mel e Érica falaram com as babás das crianças e vieram para seus lugares de madrinhas também.
Um burburinho de vozes soava entre os convidados, até que as notas suaves de Clair de Lune encheram o jardim, e uma avalanche de olhares curiosos se voltou para o caminho de pedras decorado que conduzia aos degraus de entrada da casa.
Dione surgiu no topo dos degraus, de braço dado com a avó. O nervosismo e a felicidade brilhavam em seu olhar. Em toda a sua vida, ela não se lembrava de estar tão feliz. Teve que se esforçar para não chorar, com aquela música como trilha sonora, todas aquelas pessoas, a decoração, tudo como sempre sonhara. Conseguiu se conter até chegar ao altar. Sorriu para as madrinhas, suas amigas. Mas quando Alice surgiu na escada, parecendo uma daquelas mocinhas de novela de época, linda de tirar o fôlego, olhando em seus olhos daquele jeito… então Dione não conseguiu mais ser durona.
Alice mordeu o lábio e começou a descer os degraus, o braço apoiado ao de sua mãe, o coração saltando no peito, a respiração quase faltando. Era tudo lindo e perfeito demais, principalmente depois de quase ter perdido Dione. Alice olhou para ela, bem dentro daqueles olhos lindamente úmidos, se sentindo a mulher mais feliz do mundo.
Após a cerimônia, a festa seguiu, toda aquela alegria em torno delas. Cortar o bolo, zoar, tirar fotos especiais com as amigas, dançar. Dançaram ao som de uma música que Dione havia composto para Alice há alguns anos, derramaram lágrimas emocionadas, entre beijos e sorrisos.
De longe, Açucena observava as duas, feliz por elas. Rafa havia ido ao banheiro. Açucena olhou para a porta de entrada, se dando conta de que sua esposa estava demorando. Decidiu ir encontrá-la. Caminhou pelo jardim, passando entre as pessoas que assistiam à dança das noivas. Subiu os degraus e entrou na casa.
A sala estava vazia, mas um ruído de vozes vinha da cozinha, vozes bem estressadas e… uma delas era de Rafa.
Rafa discutindo com alguém? Uma mulher…
– Eu tenho nojo de você!
– Naquela noite você não sentiu nojo. Sua filha da puta! Eu vou acabar com você, Rafa!
– Faz isso, destrói a minha vida e eu destruo a sua também, nem que seja a última coisa que eu faça.
– Eu não me importo, não tenho mais nada a perder...
A segunda voz era de Amanda…
Açucena não estava entendendo, um palpite ruim a assolava, ela apressou o passo e alcançou a soleira da porta. Estacou ali.
Rafa segurava firme os pulsos de Amanda, ofegante, nervosa, descontrolada na verdade. Amanda com os olhos cheios de lágrimas, o vestido molhado, como se tivesse derramado bebida nele. Elas se viraram para olhar Açucena. E o olhar confuso de Açucena foi de uma a outra. A discussão havia silenciado, Rafa soltou os pulsos da prima num puxão, desconcertada, sem ação. Açucena viu algo em seu olhar. Medo, um profundo pesar. Amanda se apoiou na pia, estava claramente bêbada. Olhou para Açucena como se ela fosse uma inimiga mortal. E Açucena não entendeu por quê.
– Alguém pode me explicar o que tá acontecendo aqui?
– Eu posso – a voz de Amanda foi um silvo agressivo e sarcástico.
Rafa olhou para ela, um olhar de fúria contida. E Açucena não pôde deixar de reparar naquele olhar.
– Amanda, o que aconteceu com o seu vestido?
– Ah, foi só um acidente – Amanda disse, a voz embargada pela embriaguez.
– Rafa… O que está havendo? – Açucena se voltou para a esposa, que parecia muda, imersa em choque.
– Amor, eu ia falar com você sobre isso. Vamos sair daqui, eu vou te explicar, eu...
– Quer parar de enganar a sua mulher? – Amanda interviu – Já chega, né?
– Amanda, por favor, a Açucena tá grávida!
– Do que vocês duas estão falando, pelo amor de Deus?
– O que está havendo é isso aqui, priminha – Amanda tirou o celular da bolsa e mostrou a tela.
Açucena pegou, intrigada, apesar de Rafa tentar impedir. Era um vídeo. Mas Açucena nem conseguiu assistir até o fim. Só precisou ver que eram duas mulheres numa cama. E sua esposa era uma delas.
– O-o que é isso? – o aparelho caiu de sua mão e se espatifou no chão.
Amanda estava tão anestesiada pela satisfação que nem se importou com o celular.
Rafa estava paralisada, as lágrimas irrompiam dos olhos cinzentos, enquanto ela encarava o momento que tanto temia e presenciava os segundos que, sabia, marcariam o fim de sua felicidade com Açucena.
É estranho como basta um segundo. Algumas palavras. E tudo muda para sempre.
– Amor, eu…
– É isso mesmo, Açucena. Deixa que eu explico tudo direitinho. Esse lindo filme aconteceu enquanto você tava em Paris. Eu fiquei uns dias no apartamento com a Rafa. Ela não te contou? – Amanda deu um riso antes de continuar – Nós tivemos um caso. E esse vídeo aí foi gravado por alguém numa festa no apartamento de vocês…
– Festa que você deu sem a minha autorização!
– E que você curtiu pra caralh*, Rafa, você ficou chapada, a gente se beijou na pista, não se lembra? Não, claro que não. Agora você não vai se lembrar. Quem gravou esse vídeo aqui tava me chantageando há um tempão, mas agora eu quero mais é que se foda. Você merece se foder, Rafa. E Açucena,… é isso mesmo que você tá ouvindo, querida. A gente transou! Na porcaria da sua cama. A Rafa tava chapada, mas ela transou comigo, como você pode ver com seus próprios olhos. Claro que já estava rolando um clima antes, nós sempre tivemos química, como você pode constatar, tá na cara, né?
– Cala a boca, Amanda! – Rafa gritou.
Açucena começou a ficar tonta, baixou os olhos para o chão, as lágrimas molhando o rosto, ela teve que se segurar no umbral da porta, tentando assimilar, sentindo-se desmoronar.
– Nós ficamos juntas, Açucena, enquanto você estava em Paris. E ela escondeu isso de você! Você sabe que nós tínhamos um caso antes de vocês se conhecerem. Ah, mas não se preocupe, foi só uma recaída.
– Você tá completamente louca! Açucena, não acredite nela.
Açucena levantou os olhos para Rafa, um olhar cortante. Rafa ficou muda com a repulsa que viu nos olhos cor de mel de sua esposa. Açucena se desviou, e não queria mais continuar ouvindo aquilo, se sentia como se tivesse terminado de atravessar um túnel escuro e acabado de cair dentro do seu pior pesadelo. Virou-se para a porta no momento em que Rafa esboçou alguma coisa, mas não queria mais ouvi-la, nem olhá-la. Deu as costas a ela, sentiu as mãos dela agarrando as suas, mas deu um puxão, se soltando, aquela imagem horrível do vídeo reprisando em sua mente, deixando-a atordoada.
– Açucena…
Açucena saiu cambaleante para a sala, esbarrou em Érica.
– Amiga, o que foi? Você tá passando mal?
– Não – Amanda foi quem respondeu, em seu tom cruel e seco – Ela só acabou de ser relembrada do que já sabia. Que se casou com uma filha da puta. Sabe Açucena, a diferença entre você e eu é que eu sim, aceito a Rafa do jeito que ela é, sempre aceitei, antigamente ela dormia comigo e com metade da cidade, mas eu não me importava, ela sempre voltava pra mim. Ela é uma cafageste, ela nunca seria fiel, é a natureza dela. Por que com você seria diferente, queridinha? __ ela explicou tranquilamente.
– Sua ordinária, cala essa boca! – Rafa veio avançando para a prima, mas Toni surgiu na porta e a impediu, mesmo antes de entender direito o que acontecia.
– Do que você tá falando, Amanda? – Érica indagou, irritada.
– Eu e a Rafa ficamos juntas, enquanto a Açucena estava em Paris – Amanda repetiu, incansável.
– Por que não posta num grupo do Whatsapp? – Rafa disse entre dentes para Amanda, sem sequer conseguir olhar para Érica.
– Rafa, isso é verdade? Meu Deus…
Rafa não conseguiu responder, nem precisava. Correu atrás de Açucena, desvencilhando-se de Toni.
– Rafa, calma. Não vai adiantar agora.
– Me solta! – mas Toni a agarrou de volta com força, enquanto Rafa via Açucena atravessar a porta de saída para o jardim. Desistiu, desabou nos braços da amiga, num choro compulsivo.
Açucena nem se lembraria mais tarde como desceu aqueles degraus e foi dar no gramado, o mundo parecia girar, não havia chão sob seus pés, nem ar para respirar. Parou no meio da festa, zonza, ouvindo ecos de vozes, mãos agarrando seu rosto.
– Você tá bem, amiga? É o bebê? – Alice a tocou delicadamente.
– Não… – Açucena se desfazia em lágrimas, mal conseguia falar.
Alice a abraçou sem entender. Érica se aproximou, falando tudo em poucas palavras, deixando Alice chocada.
– O quê?
Dione estava bem atrás dela, ouvindo a triste novidade. Assimilou com dificuldade, franzindo as sobrancelhas e lançando um olhar perplexo para Rafa, que surgia na porta da casa.
Rafa desceu os degraus, se aproximando de onde Açucena estava, abraçada a Alice. Ela sentia os olhares de censura das amigas, que obviamente a condenavam. Mas o que era o resto do mundo quando estava prestes a perder o amor da sua vida por uma coisa estúpida que fizera?
– Açucena…
– Não chega perto de mim! – Açucena gritou, se afastando de Alice, secando as lágrimas com as costas da mão, cega de raiva. Não, era mais que raiva o que ela sentia, era algo que ela nem saberia definir.
Um garçom passava com uma bandeja cheia de taças.
– Champanhe, senhoras?
– Obrigada – Açucena pegou uma taça, se virou para Rafa e esvaziou na cara dela.
Olhares curiosos as cercaram. Rafa, sem ter ficado surpresa, secou o excesso de bebida do rosto antes de dizer alguma coisa. Pior do que aquele champanhe na cara, era o olhar de Açucena.
– Eu… por favor, vamos conversar…
– Conversar? – Açucena se descontrolou, voou em cima dela, tentando atingi-la com golpes repletos de fúria, Rafa tentando se defender, agarrando os pulsos dela.
– Por favor...
– Como você pôde? Você me traiu! Me traiu com a nossa prima! – Açucena parou, afastando-se dela, a ira cega estampada em seu olhar – Como conseguiu esconder isso de mim? Como eu não percebi que a pessoa com quem eu estava planejando ter um filho tinha me traído enquanto eu passei alguns meses em Paris? Como eu não percebi que você nunca mudou, Rafa?
Aquilo destruiu Rafa definitivamente. Não havia escapatória. Não havia nem mais o que dizer. Ela desceu os olhos pela barriga de seis meses da esposa, lamentando mil vezes mais por pensar no filho, o filho delas. Puta merd*. Não podia ser pior. Se sentiu de novo como antigamente, quando Açucena tinha medo de se tornar sua namorada porque não confiava nela. O pesadelo estava de volta.
– Eu vou embora! – Açucena virou-se e foi andando depressa pelo gramado em direção aos portões de saída.
– Amiga, espera, não faz isso. Você está grávida, Açucena, fica calma – Érica foi atrás dela.
– Me deixa, Érica!
– Ela tem razão, Açucena. Eu vou com você – Alice se ofereceu.
– Não! É o seu casamento…
– Então deixa a Érica ir com você.
– Não! Eu quero ficar sozinha – Açucena se voltou para Alice com pesar – Amiga, desculpa ter estragado a sua festa. Eu vou embora.
– Você não estragou nada.
– Eu preciso ir. Vou ficar bem.
– Não, você não tá bem.
– Não se preocupem, eu vou ligar pra minha mãe, e… eu vou ficar bem sim – o fim da frase foi dito entre lágrimas, Açucena tentou se conter, virou-se e saiu andando rápido.
Dione se aproximou de Rafa, que observava, arrasada a esposa ir embora.
– Cara, dessa vez você se superou.
– Não era pra ter sido desse jeito.
Fim do capítulo
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sonhadora
Em: 28/04/2019
Realmente não era pra ser daquele jeito. Mas...o medo de perder e perdeu do mesmo jeito. Gostaria que a Açucena só lembrasse de vez enquanto do amor delas. E lógico que desse um pouco mais de confiança para a Rafa é difícil, eu sei. Juro que tô tentando não ficar triste. Pq sei o quanto vai ser difícil recuperar a confiança. Mas acredito que a Rafa vai mover céus e terra para fazer essa traste confessar que mentiu.
Beijos
Resposta do autor:
A Rafa deixou passar tempo demais, né? Se ela tivesse contado antes, não teria dado essa oportunidade pra Amanda desgraçar mais ainda a situação, ainda enfeitando um pouco a história como ela fez.
A Açucena com ciúmes fica cega, ela já era assim na primeira parte da história, lembra?
Mas não fique triste rsrs as coisas nessa história acontecem rápido, vamos ver... rsrs
Obrigada, Sonhadora
Beijos
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Mille
Em: 28/04/2019
Ah e agora.
Alguém precisa tirar a mascara da Amanda.
Armou tudo e no final a Rafa não está nem ai para ela. Tenho até pena do filho pois ela não tem amor nem pelo próprio filho está doente. E tentar um acidente da Açucena.
Agora é deixar a loirinha esfriar a cabeça e tentar reconquistar a confiança.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Alguém deveria mesmo ter feito isso, porque ela enganou todo mundo, né?
A Amanda só ama a si mesma, não se importa com mais nada e essa paixão obsessiva dela pela Rafa é só mais uma característica dessa personalidade narcisista dela.
Agora deu ruim mesmo
Valeu Mille!
Bjs
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