Capítulo 11

- Fica muito longe daqui? Manoela perguntou enquanto se sentava no banco do passageiro e colocava seu cinto.

- Não muito, quase 150 quilômetros. Eu consigo chegar lá rapidinho. Laura respondeu girando a chave na ignição e saindo do estacionamento.

A manhã de domingo chegara com uma chuva leve e um clima fresco. Acordaram, tomaram o café da manhã e Laura convidou Manoela para visitar a fazenda onde passou grande parte da sua infância.

- Eu nunca mais voltei lá. Lembro que a ultima vez que visitei eu tinha 17 anos. Minha melhor amiga morava lá com seus pais, eu a conheci quando o colégio que eu estudava organizou uma viagem para conhecermos o interior e parte da historia de Goiás Velho. A professora dividiu toda a escola e os grupos conheceriam cada um, um lugar diferente. Foi onde conheci Clara. Eu fiquei no grupo onde ninguém queria ficar, pois a fazenda era muito distante do centro de Goiás. Fiquei a sexta, sábado e o domingo dormindo na fazenda, o restante dos alunos desistiram e voltaram para a cidade. Eu fui a única que ficou.

As duas mulheres nem viram o tempo passar e ainda era manhã quando passaram pela porteira da fazenda e seguiram em direção a um casarão com uma aparência muito antiga e com ar de falta de cuidados.

- Não vamos entrar no casarão. Não mora mais ninguém aqui há muito tempo. Mesmo sem ter contato eu soube que ninguém nunca morou aqui depois de Clara. Quero te levar para um casebre que fica próximo ao rio. Aposto que você nunca viu lugar tão lindo.

Manoela pegou no carro a caixa de isopor que continha algumas cervejas e alguns itens de limpeza. Andou com Laura por uma estrada estreita que ficava entre uma paisagem de arvores muito grandes. O lugar era realmente lindo. De longe já se via o casebre que ficava na encosta de um rio muito azul que corria para um lugar mais adiante.

Entraram no casebre e os móveis estavam cobertos por lençóis que carregavam uma grossa camada de poeira.

- Não me diz que você tem alergia a poeira, pois quero sua ajuda para arrumar aqui. Isso mesmo vou te escravizar hoje. Laura disse sorrindo diante da expressão assustada que Manoela tinha no rosto.

Não demoraram muito para deixar o lugar habitável novamente. O lençol protegeu bem os moveis e Laura jogou fora o lençol antigo que cobria o colchão colocando um novo.

Laura parou diante do parapeito da janela e observou o rio correr. Manoela se aproximou e a abraçou pelas costas.

- Laura, onde está Clara?

Laura suspirou e uma expressão triste e caída tomou conta de seu rosto. As marcas do seu rosto de repente ficaram mais visíveis.

- Clara faleceu no seu aniversário de 18 anos. Laura começou a dizer sem olhar Manoela. –Ela descobriu um câncer pouco antes de falecer. Não teve muita coisa para se fazer. Terminou de dizer e fechou os olhos.

- Eu sinto muito Laura. Manoela disse e a apertou em seu braço. – Olha aqui pra mim, eu tenho certeza que ela estará junto de ti sempre.

- Eu também tenho certeza disso. Há coisas nessa vida que não importa quanto tempo passe, a gente nunca consegue entender. Laura terminou de dizer a abraçou forte o corpo de Manoela. – Obrigada por vir comigo. Obrigada de verdade.

- Não quero te ver triste. Vem tomar uma cerveja comigo. Manoela conduziu Laura pela mão e as duas deitaram na cama.

Laura contou grande parte da sua vida, contou como foi conhecer Alexandre em uma fase terrível da sua vida.

- Minhas notas na faculdade estavam terríveis, eu simplesmente não conseguia me concentrar em nada. A única amizade que tive foi a amizade de Clara, o restante das pessoas que conheci somaram pouco na minha vida. Depois da morte dela eu tive uma dificuldade imensa de me abrir com as pessoas e mais ainda de deixá-las entrarem na minha vida. Não queria sentir a dor de perder alguém novamente. Alexandre insistiu por muito tempo até que cedi. Eu me acostumei a ele. Aprendi a amá-lo.

- Você ainda o ama?

- Amo. Laura disse sem mirar os olhos de Manoela. Acredito que existam vários tipos de amor, cada um com uma intensidade diferente. Acredito que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. "O amor é tudo que nós dissemos que não era"

- Bukowski. Manoela disse sorrindo.

- Eu sempre me questionei sobre o que mais eu poderia exigir de Alexandre. Eu sempre tive que me esforçar para me contentar com o seu amor e por muito tempo eu achei que isso estava errado. Acreditava que o amor era genuíno. Mas com o tempo e o desgaste da vida percebi que isso era ilusão. As coisas são mais lindas nos livros e filmes.

- E ainda acredita que tudo isso seja ilusão?

Laura ficou um tempo em silencio com se calculasse o que diria. Bebeu um gole de sua cerveja.

- Não sei te dizer. Ultimamente as coisas tem sido confusas Manoela. Voltar para Goiânia, a cidade que nunca pensei que voltaria tem bagunçado tudo aquilo que eu planejei. Ao mesmo tempo em que sinto vontade de correr e voltar para minha antiga vida e eu tenho sede de ficar e tomar um gole dessa vida nova. Como se minha alma governasse por mim. Eu não acredito que te achar por aqui tenha sido coincidência. Não acredito em coincidências, sabe?

Manoela bebeu um gole da cerveja e deitou mais próxima de Laura.

- Também não acredito em coincidências.

- E você, ama Mariana?

Manoela fitou o olhar azul de Laura e descobriu que não saberia responder com certeza.

- Não sei. Eu acho que nunca amei ninguém. Eu sinto um carinho muito grande por ela, ela tem me amparado sempre. Me ajuda sempre. Acredita em mim como ninguém nunca acreditou antes. Mas sinto que nunca retribuí o mesmo amor.

- Ela é linda. Vi a foto de vocês duas na sua cabeceira. Eu quero que você saiba de uma coisa Manoela, eu não quero atrapalhar a sua vida. Você tem pra mim um valor grande, mesmo que tenha entrado há tão pouco tempo na minha vida. Se for pra eu fazer parte da sua, eu quero somar pra você. Se você me pedir pra eu me afastar eu me afastarei.

- Não vamos nos preocupar com isso agora. Vamos aproveitar esse momento.

A tarde chegou trazendo um sol quente. A chuva cessou totalmente. As duas mulheres aproveitaram para tomar um banho no rio.

- Eu não sei nadar. Vou ficar quietinha aqui mesmo. Manoela disse amparada em uma rocha a beira do rio.

- Eu já vi que vou ter que te ensinar muita coisa menina. Laura disse nadando para perto de Manoela. – Se segura em mim. Terminou de dizer e nadou com Manoela até embaixo de algumas arvores que faziam sombra mais adiante.

Manoela se apoiou em uma das rochas e fechou os olhos. Disse ainda de olhos fechados.

- Esse lugar é maravilhoso. Obrigada por me trazer aqui.

- De nada. Eu sabia que você ia amar. Laura respondeu beijando seus lábios. – Você é um mistério só às vezes. Disse sorrindo e se afastando para o centro do rio que agora tinha a água parada.

A tarde finalizava quando o carro de Laura deixou a cidade de Goiás e entrou na rodovia rumo a Goiânia. Manoela sentiu o vibrar do telefone no bolso e o pegou para ler a mensagem de Mariana.

"Amor, vou chegar aí bem tarde. Quando eu chegar ao aeroporto te ligo. Um beijo"

Já era noite quando o carro de Laura estacionou próximo ao prédio de Manoela. As duas ficaram em silêncio. Laura por fim, disse:

- Obrigada pelo fim de semana, não sei como te agradecer. Foi maravilhoso. Laura terminou de dizer e mirou o lado oposto do rosto de Manoela. – Acho melhor eu ir.

Manoela percebeu que o olhar de Laura se encheu de lágrimas. Tentou abraçá-la, mas Laura apenas balançou a cabeça negativamente e disse: - Eu realmente preciso ir. De verdade. Sem saber o que mais fazer, Manoela desceu do carro e viu Laura partir sem olhar pra trás. Um aperto doloroso invadiu seu peito e uma vontade de chorar apertou sua garganta. Correu para dentro e quando entrou no apartamento sentiu um vazio que não sentia há muito tempo. Sem conseguir controlar sentiu o liquido quente correr de seus olhos. Sentou-se no sofá e colocou as duas mãos em seu rosto. "Como vou arrumar tudo isso?"

O celular vibrou em seu bolso. Imediatamente desbloqueou o aparelho para ler a mensagem de Laura.

"Como vou seguir fingindo que esse fim de semana nunca aconteceu? Eu não consigo pensar em outra coisa que não seja você. Não era pra ser tão difícil assim"

Manoela leu a mensagem e sentiu as lágrimas correrem ainda mais. Se Laura não sabia o que fazer, ela muito menos. Mariana chegaria dali a pouco e como reagiria? Contaria ou fingiria que nada aconteceu? Como fingir que uma coisa tão maravilhosa como aquela não aconteceu?"

"Eu estou tão perdida quanto você" Manoela respondeu e deitou na cama, só se levantou para arrumar os vestígios do final de semana. Verificou todos os cantos e mesmo sabendo que não havia nada mais ainda sentia que algo estava ali. Desbloqueou o telefone, mas não teve coragem de apagar as mensagens de Laura. Recebeu uma nova mensagem de Mariana dizendo que já havia pegado um uber e que logo chegaria. Fechou os olhos e esperou. Só os abriu novamente quando ouviu o girar da maçaneta na porta.

- Eu estou morta amor! Mariana entrou jogando as malas por onde passava e entrando na cozinha para beber um copo de água. – Você precisa ir lá comigo amor, eu tenho certeza que você vai amar tirar foto lá também. Terminou de dizer e abraçou a namorada.

- Quem sabe um dia. Manoela disse e viu que Mariana a fitou curiosa.

- Você ta bem? Tá com uma expressão triste amor, tudo isso foi a saudade de mim?

- Só estou cansada, acho que já vou dormir. Minha cabeça ta explodindo. Deu um beijo no rosto de Mariana e rumou para o quarto. Fechou os olhos e demorou dormir aquela noite. A última coisa que pensou antes de dormir foi na mensagem de Laura. "Como vou seguir fingindo que esse fim de semana nunca aconteceu? Eu não consigo pensar em outra coisa que não seja você."

Fim do capítulo