Capítulo 1
Capítulo 1
Manoela acordou atrasada naquela manhã, rapidamente pulou da cama quando os olhos se impactaram com a claridade na janela e em seguida mirou o relógio em cima da cômoda que apontava 07h52min. Devia estar no trabalho às 07h30min.
- Droga! Disse enquanto procurava uma roupa qualquer que pudesse vestir.
Enquanto empurrava algumas garrafas de cerveja espalhadas pelo chão na tentativa de abrir caminho, separou um conjunto básico de roupas. Camisa social branca com colete preto, calça jeans e tênis all star preto, empilhou o monte de roupa e os colocou em cima do pé de cama baú de madeira. Entrou para o chuveiro num pulo buscando a água para acordar, o movimento fez a cabeça latejar, havia exagerado na bebida na noite anterior.
Fora aniversário de Mariana, namorada de Manoela havia dois anos. As duas organizaram uma festinha básica no apartamento, onde só estiveram presentes amigos próximos e a família de Mariana.
Saiu do banho e enquanto se secava olhou para Mariana ainda deitada, lembrou que naquele dia ela se dera folga como presente de aniversário. Mariana trabalhava com o pai em uma das construtoras que a família possuía.
Olhando-a ali deitada Manoela sentiu um vazio, por um momento pensou ver uma estranha. Agoniada com a sensação e com a cabeça cansada, decidiu ignorar o sentimento. Vestiu sua roupa e rapidamente secou seu cabelo - vantagem de um cabelo curto - pegou seu celular e chamou um Uber.
- Posso seguir o GPS? Perguntou o motorista quando parou com o carro de fronte a portaria do condomínio e Manoela entrou.
- Não! Siga esse caminho que vou te orientar! A Marginal Botafogo deve estar engarrafada nessa hora e não posso me atrasar mais nenhum minuto!
Manoela trabalhava em uma faculdade privada em Goiânia, era professora do quinto período do curso de enfermagem e dava aulas de Cardiologia. Exercia esse cargo na faculdade havia dois anos. Sentia-se realizada quanto a sua vida profissional, com seus 27 anos considerava que chegara a um patamar pouco alcançado por seus colegas de faculdade e demais profissionais da profissão. Sempre fora responsável e lutava por aquilo que queria, e o fato de chegar atrasada, mesmo que fosse pela primeira vez, a deixada desconfortável.
Entrou correndo no elevador que este estava se fechando e a claridade da luz fez a cabeça latejar com mais força. "Como vou trabalhar assim?!" A ideia de dar aula numa sala com quase 60 alunos junto aquela dor de cabeça a fez sentir vontade de sair correndo de volta para a cama. Saiu do elevador no 4° andar quando consultou o relógio no pulso. 08h45min. Já devia estar em sala há 15 minutos. Ouviu o roncar no estômago delatar a fome, mas ignorou o som e entrou na sala.
- Bom dia turma! Desculpem-me o atraso! Meu despertador decidiu não funcionar hoje. Espero que meu atraso seja o primeiro e único nesse semestre que está começando pessoal! Temos muita matéria e vocês precisam estar focados e comprometidos! Peguem seus cadernos que vou escrever no quadro os principais tópicos do semestre.
Formada em enfermagem desde seus 23 anos, Manoela vivia para a profissão e sua área de maior ambição sempre fora a sala de aula. Experimentar o trabalho pela primeira vez, numa experiência totalmente inesperada, onde sua amiga a pediu que a cobrisse lhe deu a sensação de ter achado seu lugar. Concluiu seu mestrado e desde então seu trabalho fora na sala de aula. Era ali que dava sua pausa, se desligava de todo o mundo afora e vivia para aquilo. Dedicava-se totalmente aquilo.
A turma se levantou e saiu ao tocar do sino. Manoela já estava se sentindo melhor. Checou seu celular para conferir as mensagens. Fernanda, a diretora da faculdade mandou um recado no grupo do WhatsApp informando que haveria uma reunião na quarta feira de manhã e que as aulas estariam suspensas naquele dia. Não havia informado o motivo, apenas concluiu o recado pedindo que todos os professores chegassem no horário e que não houvesse faltas.
Mariana mandou um áudio dizendo que teve o melhor aniversário de todos e que não via a hora de tê-la de volta em casa para matar a saudade. A mensagem a fez lembrar-se do sentimento da manhã. Parar para pensar naquilo trazia certo desconforto. Acostumada a ter tudo sob controle e as situações no eixo, aquele sentimento e a noção de que não tinha certeza do real motivo deixava Manoela desnorteada.
Mariana sempre fora a namorada perfeita, sempre lutou pelo amor de Manoela e esteve presente em todas as situações. Antes dela, Manoela vivia uma vida sem apegos. Nunca havia encontrado alguém que lhe desse motivo o suficiente para fazê-la querer ficar, mas mesmo com esse desapego, sempre tivera por perto alguém, seja pelo fato de ser muito bonita ou pelo fato de ser uma ótima companhia. Manoela sempre exalou beleza por onde quer que fosse. Seu corpo de atleta, seu estilo minimalista, olhos verdes e os cabelos curtos sempre atraiu olhares e lhe rendia boas noites descompromissadas, garantindo sempre uma companhia quando queria se divertir.
Quando decidiu aceitar o pedido de namoro de Mariana, após um mês que estavam saindo e se conhecendo, Manoela estava cansada da mesmice, sentia, naquele instante, que precisava de algo novo. Precisava experimentar a paixão, o apego e o compromisso. E vendo Mariana, aquela morena de sorriso branco perfeito a convidando para essa vida, só conseguiu pensar: "por que não?" e aceitou.
Durante o primeiro ano do namoro fora tudo muito perfeito, faziam viagens quase todos os finais de semana e os feriados eram sempre marcados com um lugar novo. Dinheiro nunca fora um problema, pois os pais de Mariana eram bastante ricos e ela não se importava em usar um pouco do excesso de dinheiro para produzir alguma diversão. Mas até mesmo toda essa rotina por muitos invejada estava trazendo a Manoela o mesmo sentimento que a fez aceitar o pedido de namoro de Mariana. Estava consumida com a mesmice. Porém, esse sentimento de cansaço nunca quis deixar transparecer para Mariana. Seria injusto. Mariana já dava o melhor de si, o que mais poderia exigir? O que estava faltando? Havia meses que o sentimento aparecia aqui e ali, mas nunca encarava, ignorava e seguia. Quase sempre dava certo. Mariana era engraçada e sempre se empenhava em distrair Manoela, estavam sempre fazendo algo. Mas ignorar o fato de que já estava ignorando aquilo há tempos lhe parecia não ser mais possível. Estava fazendo presença como um desconforto no estômago, e este se intensificava quando ela se dava conta de que não fazia ideia do que fazer para mudar aquela situação. O que fazer para se sentir novamente satisfeita nos braços de Mariana.
O toque do sinal para que os alunos retornassem as classes fez Manoela despertar do devaneio e se levantar. Precisava de algo para comer.
Fim do capítulo
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