Capítulo Único
Ela se aproximou com as canecas nas mãos, calculando cada passo cuidadosamente para não tropeçar e derramar todo o líquido quente dos copos.
- Aqui o seu, amor. – Depositou as canecas no batente da sacada, era feito de madeira, em sua cor natural, assim como toda a casa. Na realidade, assim como tudo no cenário ao redor delas.
A floresta era formada por um monte de madeira, in natura, na sua forma mais bela para a apreciação e em seus diversos tamanhos e formas, as árvores formavam uma paisagem inigualável e exalavam um cheiro típico de natureza, junto do único som que geravam; o farfalhar de suas folhas ao serem tocadas pelo vento, aquele local inspirava tranquilidade e paz.
Por isto, decidiram passar o fim de semana ali, e finalmente, depois de ser adiada por semanas, a viagem ocorreu. Os compromissos do dia a dia, trabalho e estudo finalmente deram uma folga para casal poder aproveitar a própria companhia durante um fim de semana.
A vida nem sempre é tão simples, o ser humano certamente se especializou em dificultar as coisas ao longo de seu processo evolutivo. Tudo sempre começa bem, até as pessoas arrumarem uma oportunidade para estragar. E para um casal como elas que já lutava com os preconceitos, desaprovação da família e amigos e até os ciúmes, acrescentar os demais obstáculos que a vida adulta impõe pode tornar um relacionamento estável uma missão impossível, ainda mais quando se é tão jovem e “com a vida inteira pela frente”.
Era sobre isto a conversa das duas, nenhuma delas gostaria de admitir mas a situação atual era desgastante e talvez tivessem chegado ao ponto no qual o amor não é mais o suficiente para continuar.
Neste ponto, os mesmos seres humanos que dificultam a vida cotidiana também tentam interceder pelo relacionamento, mesmo sem nenhum envolvimento com a vida do casal, amigos próximos tentavam conversar e aconselhar; “larga ela”, “insiste, eu acredito demais em vocês”. Porém, estas pessoas não sentem o que um casal sente, nem se quisessem poderiam, no fim, sabia apenas a elas duas a dor consequente da escolha que fosse feita naquele momento.
Então, uma gesticulava enquanto tentava se explicar, é claro que a amava, sempre amaria e tinha certeza disto como a luz do sol que as aquecia, porém, precisava cuidar de mais coisas do que imaginava e não conseguiria continuar conciliando seu tempo sem ser injusta consigo mesma, enfim, resumiu seu discurso dizendo precisar de mais espaço para suas prioridades atuais.
A parceira entendia, jurava entender pelo menos, apesar de ser difícil afastar a culpa do peito e reconhecer que também não tem sido a melhor namorada do mundo, também tinha coisas demais acontecendo em sua vida para lidar. Como se dividir entre tudo isso e ainda lembrar das datas comemorativas; “primeiro encontro”, “primeiro beijo” ou mesmo no aniversário de namoro, o qual comemoravam hoje, na verdade foi há três semanas, mas só agora puderam se ver e concretizar os planos de celebração.
Não era o melhor momento ou lugar para esta conversa, entretanto esta realmente poderia ser a melhor opção, se permitir um tempo para pensar e refletir, colocar as ideias no lugar e decidir se poderiam tocar aquele relacionamento agora.
Porém, ela não se incomodou em disfarçar a tristeza, então, se era assim que sua melhor amiga queria, assim seria. A amava demais para tentar impor sua vontade acima de tudo. Era um amor de verdade, não era egoísta ou exigente. Ela esperaria o tempo que fosse necessário.
A parceira sugeriu que tentasse seguir a vida, arrumar um emprego, ajudar a família, e fizesse o que precisar para se sentir bem. É importante ser sincera com você mesma, afirmou.
Fazia sentido, queria ser uma pessoa melhor para quando elas voltassem a ficar juntas, e ela acreditava que voltariam. A esperança não seria destruída com o término das duas. Jamais.
Afinal, se fosse para ser, aconteceria, mais cedo ou mais tarde. O que elas tinham era natural e nunca mais encontrariam em outro alguém, tal qual a paisagem da sacada da casa de madeira.
Sem despedida e com as lágrimas contidas, apenas terminaram suas bebidas, apreciando a imensidão da floresta diante delas, aproveitando os últimos momentos de uma viagem que por muito tempo seria lembrada, não pelos motivos tradicionais, como diversão e belas fotos. Mas, pelas desventuras da vida que insiste, em seus momentos mais belos, nos presentear com as maiores dificuldades que passaremos e ironicamente, as maiores lições que aprenderemos.
Fim do capítulo
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