Clara saiu sexta do trabalho cansada e com vontade de relaxar da semana exaustiva. Estava acostumada a sair sozinha para jantar, ir ao teatro, a bares, enfim tudo aquilo que a maioria das pessoas acha um absurdo. Decidiu ir caminhando pela Av. Paulista, observando as pessoas, os artesãos que disputavam espaços nas grandes calçadas. Isso a acalmava. Desceu a Rua Augusta e foi até o bar que costumava frequentar. Escolheu uma mesa na calçada, queria aproveitar a noite agradável e quente.

- Oi Clara, tudo bem? – o garçom a cumprimenta.

- Oi Toni, tudo bem e você? Por favor, me traz uma cerveja e uma porção de queijos.

Clara tomava sua cerveja e comia enquanto olhava as pessoas à sua volta. Gostava de observar os gestos e estilos, ficava imaginando o que faziam, seus nomes, às vezes inventava histórias sobre elas, era seu passatempo desde criança. Já era 19:30 e o bar estava lotado.

- Oi!

Clara olhou a mulher parada a seu lado, estatura mediana, cabelos lisos e castanhos, longos até um pouco abaixo dos ombros, pele morena caramelo, aparentava ter uns 40 anos.

- Oi. – respondeu com ar confuso.

- Desculpa, é que o bar tá lotado e vi que está sozinha. Tudo bem se me sentar aqui só para responder uns e-mails?

Clara viu que ela tinha um sorriso lindo, daqueles que iluminam. Seus olhos pequenos eram castanhos claros.

- Sim, tudo bem. – respondeu meio sem jeito.

A mulher se acomodou na cadeira em frente à Clara, colocou sua bolsa no colo e pegou o celular.

- Vou ao cinema aqui em frente e a sessão começa só às oito e meia, lá já tá lotado e estou morrendo de sede. Sei que é bem estranho te pedir pra sentar, mas é que tá lotado! – e deu outro sorriso encantador.

- Tudo bem. Prazer, me chamo Clara. – disse estendendo a mão para cumprimentar a estranha sentada a sua frente.

- Prazer sou a Carla. – apertou a mão de Clara.

Mexia no celular e Clara a observava. Notou seu estilo mais clássico de se vestir, uma calça preta e camisa azul clara, parecia uma executiva.

- Quer beber algo?

- Huumm será muita folga te acompanhar na cerveja?

- Não! – Clara chamou o garçom e pediu um copo.

- Prefiro uísque, mas hoje tá tão quente. – disse abrindo um botão da sua camisa, deixando seu colo parcialmente desnudo.

- Você vai assistir a qual filme?

- Chama “Você nunca esteve realmente aqui” com o Joaquin Phoenix. Fala sobre um veterano de guerra que procura pessoas desaparecidas.

- Parece interessante.

- Quer ir comigo? Ainda deve dar tempo de comprar o ingresso.

Clara ficou olhando o rosto de Carla, tentando decifrar o sorriso e o olhar da mulher sedutora. Ficaram se observando em silêncio. As duas, distraídas, pegaram na garrafa para se servirem, mas acabaram pegando na mão uma da outra. O gesto deu um arrepio em ambas, que tentaram disfarçar.

- Acho que agora eu que pago a cerveja. – Carla disse levantando a mão para chamar o garçom.

Carla notou Clara a observando, gostou do olhar curioso e intenso.

- O que está observando tão atentamente em mim moça?

- Tenho uma mania desde nova.

- Olhar de forma intensa para as pessoas? – disse tomando um gole da cerveja, mas sem tirar os olhos dos de Clara.

- Na verdade gosto de observar as pessoas, imaginar o que fazem, essas coisas...

- Ah é? Então vamos ver se é boa nisso! – olhou e ficou em silêncio – No que trabalho?

- Pelo estilo, deve ser executiva ou advogada.

- Acertou, sou advogada.

- E o que ganho?

- Hum... a cada três acertos, você tem direito a um pedido.

- Três? Que absurdo! – Clara num gesto teatral, coloca as mãos na boca.

Elas riem e Carla diz num tom mais baixo.

- Mas poderá fazer qualquer pedido! – diz dando uma piscada para Clara, que suspira.

- Bom, acertei um, vamos para o segundo desafio!

- Quantos anos tenho?

- Opa que difícil essa, tem problema em revelar sua idade?

- Não, só duvido acertar... – o tom era desafiador.

- Deve ter entre 40 e 44 anos.

- Falei que erraria. - Carla deu uma leve gargalhada.

- Ah não creio!

- Tenho 51 anos.

- Impossível! – o tom era de espanto.

- Um a um moça!

- Quero fazer meu pedido, me dê mais duas chances!

- Ok, serei boazinha só porque você foi gentil em me deixar sentar aqui. Tenho quantos filhos?

Clara a observou mais atentamente, olhos suas mãos e não viu nenhuma aliança.

- Nenhum.

- Dois a um pra você. No que estou pensando agora? – perguntou passando a língua entre os lábios.

Clara observou o gesto, mordeu o lábio inferior e olhando hora para a boca e hora para os olhos de Carla, disse:

- O mesmo que eu...

- Será?

- Tenho certeza!

Carla passou o pé na perna de Clara, apoiou os braços na mesa e se inclinou.

- E no que está pensando?

Clara pegou nas mãos de Carla, se inclinou até chegar mais perto do seu rosto e disse quase num sussurro.

- Que foi uma linda coincidência vir hoje para esse bar e encontrar alguém tão interessante.

- Três a um, moça.

- Posso fazer meu pedido?

- Deve!

- Que tal deixar o cinema para outro dia e ficar aqui comigo? Quero te conhecer melhor.

- Posso complementar esse pedido? Que tal irmos para minha casa, ficaremos mais à vontade.

Clara pagou a conta. Foram caminhando até a casa de Carla que ficava na Frei Caneca.

- Continuamos na cerveja ou prefere algo mais forte? – Carla pergunta quando chegam ao apartamento.

Clara a puxa pelas mãos, segura sua cintura e com a outra mão, puxa sua nuca e a beija. Beijo intenso.

- Prefiro você!

Carla corresponde ao beijo, quem sabe um início de algo bom?

Fim do capítulo