CapÃtulo 44 – Vai ficar tudo bem
Vai ficar tudo bem
-É só água Liz. - Vovó insiste longos minutos depois.
Pego desconfiada o copo de suas mãos e o bebo todo de uma vez. Estou finalmente em meu quarto depois de uma cena lamentável na frente da mulher de olhos amarelados. “Eu sou uma fraca mesmo!” Penso revoltada por me deixar ser seduzida por Samantha. O que queria? Eu só sou humana.
Não percebo quando foi que adormeci. Tenho certeza que vovó Rúbia deu uma forcinha nesse quesito. Os meus olhos azuis se abrem incomodados. Tento me acostumar com o ambiente a minha volta. Tudo está tão silencioso agora. Viro de barriga para cima, e fico ali por tanto tempo admirando as sombras sobre o teto branco de meu quarto. Há um foco mínimo de luz vindo do banheiro que está com a porta entre aberta.
-Sam. - Digo baixinho com lágrimas nos olhos. –Eu não estou preparada para te perdoar meu amor. - Sussurro segurando a minha mão esquerda com força. –Eu só não estou preparada...
Como pude permitir que fôssemos tão longe? Não era para isso acontecer! E agora como posso olhar em seus olhos amarelados? Como posso me olhar no espelho depois disso?
“Agora é tarde para ficar lamentando.” Penso me sentando sobre a cama. Não sou mais uma garotinha. Respiro fundo e me levanto determinada. Meus pés tocam o piso frio de madeira me fazendo estremecer. Em meu corpo há uma longa camiseta, também estou de calcinha. Não faço ideia de como elas foram parar ali, mas me deixaram mais confortável comigo mesma. Não estava pronta para ver as marcas que Samantha sempre deixava sobre a minha pele.
Em passos lentos saio de meu quarto. Não há ninguém no andar de cima. Desço calmamente as escadas até o piso de baixo. Olho em volta, também não encontro uma alma viva. Algo me atrai, sigo pelo corredor. A porta de correr de madeira está aberta. Ali é a sala em que está o piano de mamãe. O mesmo piano que quase destruir em minha fúria há alguns anos atrás. Em passos inseguros sigo até lá. Ouço vozes vindo lá de dentro. Encosto-me na parede mais próxima. Daqui posso ouvi-las.
-Liz se encantou por pianos quando tinha cinco anos de idade. – A voz de vovó soa emocionada. –Foi por acaso. Gustavo acabou esquecendo a porta da sala de piano aberta. E curiosa como ela é, foi até lá. - Deixo-me escorregar pela parede até chegar ao chão. Encolho-me, abraçando os meus joelhos. -Não sei exatamente como aconteceu. Afinal, sempre morei longe. Mas sempre fiz questão de tê-la por perto. - Sua voz vacila. -Mas então Gustavo a assustou. Foi algo terrível. Ela ficou dois anos sem se aproximar de um piano. Nessa época ela começou a passar suas férias comigo. Mas não se atrevia de maneira alguma a se aproxima dessa sala. Me lembro até hoje... ouvir um barulho vindo do andar de baixo. Era madrugada. E quando me aproximo da porta aberta, lá estava Lizandra. Havia despertado novamente o seu interesse pela música. Foi nesse piano que ela se atreveu a dedilhar suas primeiras notas livremente.
Samantha e vovó ficam conversando por tanto tempo.
-Lizandra, não sabe. Mas alguns meses atrás eu a vir fazer a mesma coisa de quando era pequena. - A Voz da mulher mais velha soa embargada. –Ela fugiu sorrateiramente até o andar de baixo, e veio até essa sala. Não pensei que ela conseguiria ir em frente. Mas ela foi. Depois de ficar olhando por longos minutos para esse piano. Ela se sentou e dedilhou algumas notas. Fiquei tão feliz. - Ouço um suspiro cansado. Meus olhos nublam imediatamente. Por que eu sei o que viria a seguir. –Ela tentou tocar... ela... ela conseguiu tocar algumas notas sem errar. Mas havia algo diferente. Não entendi até o momento. Mas agora eu sei...
Ouço o barulho das teclas do piano serem pressionadas. Elas gritam tão altas em meus ouvidos. Fecho os meus olhos. Tento me levantar e ir embora. Mas não consigo. Sei que não deveria está aqui. Mas isso é mais forte que eu. Então apenas cubro a minha cabeça desesperada.
-Liz conseguiu tocar?! - Samantha diz com emoção. Me chamando de volta. E lá estava eu, prestando atenção em uma conversa particular. Me sentir envergonhada.
-Sim. Ela conseguiu... ao menos as primeiras notas. - Vovó se cala por um momento. –Mas não da forma que deveria. Não da forma que ela está acostumada.
-Não entendo. – A mulher de olhos amarelados sussurra preocupada.
-Lizandra é uma das pessoas raras. - Vovó diz calmamente. –Uma das poucas pessoas que sabem sentir. Ela é como Lívia. Ela é uma pessoa de sentimentos apurados. Uma pessoa de profundidade. E pessoas assim, não sabem respirar sem esse algo. Esse algo tão delas.
-Ela continua tentando? - Sam pergunta interessada.
-Não. Não existem mais sentimentos pra isso. - A voz calma vacila. –E sem sentimentos, Lizandra nunca mais vai se ariscar. Talvez um dia... - Vovó volta a se calar. –Talvez quando ela estiver preparada.
-Mas e sua mão?
-Ela não seria um empecilho. Lizandra é teimosa.
-Nem me diga. - A mulher de olhos amarelados diz sentida.
-Sua mão está cada dia melhor e mais forte. Dr. Veronica fez um excelente trabalho. E Liz é determinada. Sempre fez o possível para exercitá-la. Como você bem sabe, foram anos de fisioterapia. Fora as diversas cirurgias que teve que fazer para chegar a esse ponto.
-Como desejei estar ao lado dela durante tudo isso. - Sam lamenta. –Mas como eu poderia? Eu tive uma grande parcela de culpa em tudo o que aconteceu. Se eu não tivesse...
-Se você quer fazer algo por Lizandra. - A voz de vovó soa dura. -Então vá embora Samantha.
-Eu não posso. - A voz rouca soa assustada.
-Você precisa deixa-la...
-Mas eu a amo! - Sam diz revoltada.
-Então a deixe.
-Eu... eu não posso. - Sua voz sai confusa. –Se eu fizer isso jamais terei uma chance de reconquista-la.
-Liz precisa respirar. Ela precisa de tempo para se libertar. Para curar as feridas que você causou. - Vovó Rúbia diz calma. -Se você realmente a ama. Você deve ir. Espere que ela vá até você. Por que ela irá.
-Mas quando? - Samantha pergunta desesperada.
-Quando ela estiver pronta.
-Ela me culpou pelo que aconteceu. - Sua voz vacila ao dizer. E meu coração doe por isso. –Ela...
-Samantha...
-Talvez ela tenha razão. - Ela diz cortando o que vovó iria dizer. -Se eu não tivesse... Se eu não tivesse sido tão egoísta. Eu só... eu só tive medo. Tive medo de que ela não me perdoasse e ferrei tudo. Eu a expulsei da minha vida. Eu mandei ela sair por aquela porta. Eu a obriguei a sair por aquela porta. Se eu não tivesse feito isso... se eu não tivesse... nada disso teria acontecido. - Ouço-a choramingar. –Que tipo de pessoa eu sou? Que tipo de pessoa empurrar o amor de sua vida para o caos? Que tipo de pessoa faz o que eu fiz longo depois de receber o melhor presente que poderia existir? Eu sabia... eu tive a certeza. Então por que eu tive que machuca-la? Por que eu tive que pegar o seu sentimento e joga-lo no lixo? - Sam se cala por um longo momento, como se acabasse de se lembrar de algo. –Ai meu Deus! - Sua voz sai angustiada. –Eu... eu fiz a mesma coisa que meu padrinho naquele dia. Eu... eu também... Ela não vai me perdoar, eu não me perdoaria.
-Vai ficar tudo bem. - Vovó diz carinhosa.
-Não, não vai. - A voz rouca vacila. –Eu machuquei a garota que eu amo não só com palavras. Eu também a feri com minhas mãos e logo depois a expulsei daquele quarto.
-O que você quer dizer com isso? - Vovó pergunta confusa.
-Eu sinto muito Rúbia... - Sam prende o choro. E eu faço o mesmo. –Como eu fui capaz de feri-la desse jeito?!
-Sam...
-Rúbia, eu avancei em Liz naquele dia e a machuquei. Eu estava tão ferida que precisava fazê-la sentir o que eu estava sentindo. - A mulher de olhos amarelados suspira. –Eu só estava com medo... eu... eu sinto muito.
-Liz vai ficar bem. Você vai ficar bem. É só deixar o tempo passar. – Vovó diz a consolando.
-Mas eu deixei passar... eu deixei... São quase quatro anos longe do amor da minha vida. Quanto tempo mais eu terei que esperar?
-Quanto tempo for necessário.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
patty-321
Em: 22/06/2018
Muitos sentimentos. Parabéns. Vc descreve esses sentimentos com muita intensidade. A sam precisa realmente ir. O amor dela precisa ser forte. Colocar o bem estar da liz acima dos seus sentimentos. Bjs
Resposta do autor:
As vezes é preciso abrir mão do que nos é importante. Talvez essa seja a oportunidade de Sam provar o seu amor por Lizandra. Deixando-a respirar sem ela.
Bjus...
sonhadora
Em: 21/06/2018
Oi minha querida. No último comentário, ou falta dele, eu quis esperar pq não sabia o que falar. Claro que estou adorando sua história, de verdade. Elas têm um sentimento tão lindo, mas se perderam em algum momento no meio da imaturidade própria dos jovens. Esse capítulo me deixou mais aliviada com a Sam, mas ao mesmo tempo angustiada com o tempo que elas vão ficar longe uma da outra.
Esperando pelo desfecho dessa história linda! Parabéns pelo momento aqui no Lettera!
Beijos de Luz
Resposta do autor:
Boa tarde!
Espero sinceramente que vc me acompanhe até o final.
Bjus...
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