O que você vê? II
“Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é sol.
(...)
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos”
(Alberto Caiero)
Fechou o livro bruscamente e suspirou: ffffffffffffffffffff. O que significa, ela saiu da máquina de realidade virtual e estava com um guarda-chuva vermelho na mão da estória que havia sido programada. Que louco! Hmmmm.
A realidade virtual programada não era uma ilusão de fato? Ou será que a realidade que ela achava que vivia, não passava de uma realidade escrita por alguém? Sabia que as realidades eram muito subjetivas, pois a visão de um mesmo fato poderia ser percebida de forma diferente por pessoas distintas. O mesmo fato! Se comentasse isso com Ely, já sabia que ficaria por horas escutando as explanações teóricas sobre o assunto. Seria inevitável. Hum...
Estavam em férias na praia e realmente desejava algo mais leve para digerir, algo como uma salada leve hehehe. Olhou para o horizonte e foi invadida pelo azul brutal do céu, o mar com fios brilhantes tremulando lá longe, o sol refletia toda a sua magnitude no ar, no mar salgado, nas ondas brancas que quebravam próxima a faixa de areia branca. Havia alguns guarda-sóis espalhados acolá e algumas pessoas andavam ou entravam na água com seus trajes de banho. Um cartão postal perfeito de uma agência de turismo!
Ely tinha ido dar um mergulho deixando Noa ali estirada na cadeira de praia feito uma panqueca coberta de geleia de amora, com um livro na mão. Não, Noa não era muito afeita a praias, muito sol, muita pele grudando, muito vento e areia na cara. Mas Ely, Ely amava demais aquilo, tanto que Noa a acompanhava passivamente, como uma forma de agradar a namorada, mas não era de todo ruim. A proximidade do mar lhe dava uma sensação de nostalgia.
Ely e Noa tinham as suas diferenças, gostos particulares que não eram totalmente compartilhados com a outra. Isso possibilitava que cada uma cultivasse a sua individualidade de forma independente, cada uma com os seus projetos. Era engraçado, pois em algumas coisas chegavam a ter gostos absolutamente opostos. Ely amava a praia, Noa gostava mais de ficar na cidade. Ely cultivava atividades físicas, Noa preferia ficar lendo livros deitada no sofá. Ely adorava sorvetes, Noa tinha pavor de coisas tão geladas. Ely e todos fantasiavam com Gal Gadot. Noa não achava graça nenhuma na Mulher Maravilha. Aquele era um caso em que o velho ditado encontrou a realização em carne e osso.
Contrariando o dito popular, o bom senso questionaria que seria impossível uma relação com seres diametralmente opostos. De fato, elas compartilhavam consciências bastante parecidas sobre a sociedade, a política, a destruição do planeta, sobre o consumismo desenfreado e pelo amor pelos animais.
Foi numa situação em que pessoas protestavam contra a situação política do momento em que elas se conheceram. No meio da multidão reprimida pelas forças policiais , Noa foi empurrada ao chão, quando se machucou, se não fosse uma outra moça a ajudar a levantar e conduzir para uma parte da rua um pouco mais calma, Noa certamente pisoteada. O sangue escorria pela fronte de Noa, a moça que depois veio a saber o nome, era Ely, tirou o lenço que estava ao redor do pescoço e começou a tentar estancar o sangue. Noa estava meio tonta, não atinava sobre o que havia ocorrido. O sangue não era muito e acabou parando. Você está machucada? O quê? Você está ferida em algum lugar, Ely olhava preocupada. Um cinegrafista as filmava para a TV local, estariam na TV ao vivo, em qualquer quarto de hotel. Está doendo em algum lugar? Apenas a cabeça doia. Ely abraçou Noa para proteger dos objetos que vez ou outra eram lançados contra os policiais e seus escudos. Noa se aconchegou naquele abraço e quis ficar naquela posição para sempre. A correria virou para o lado delas e Ely segurou a mão de Noa bem forte e saíram correndo na direção oposta. Ely queria ir a um pronto socorro. Noa disse que era besteira, aquilo não era nada. Ficaram por alguns momentos olhando uma para outra, quando Ely enfim disse, quer beber alguma coisa? E aquela bebida acabou virando um desejo imenso, que procuravam tentar saciar frequentemente, até que a vida de uma acabou se ligando a da outra. O bem estar da companhia de uma à outra era imprescindível. Noa revia a história delas, quase como se fosse um filme.
Foi despertada em um rompante: Caramba, Noa! De novo! Não sei como consigo ficar com você! De novo e de novo! Você esqueceu os chinelos lá beira da água! As ondas já estavam levando os chinelos embora! Que saco! Toda hora tenho que repetir para você não ser tão distraída!!! Aiiiiiiiiiii!!!!!! Aquilo era amor? Noa sorriu. Pois tinha a plena certeza que era.
Ely estava xingando em voz alta a eterna distração de Noa e ao mesmo tempo recolhia as coisas sobre a areia colocando em uma sacola. Está certo, está certo! Vou fazer te satisfazer agora! Vamos voltar para o ar condicionado delicioso do hotel. Mas que droga! Caminharam juntas pela areia carregando cadeira e guarda-sol, chegaram perto do carro estacionado na avenida beira mar e começaram a colocar as coisas na parte de trás do carro. Noa deu a volta para entrar pelo lado do carona, quando a abriu a porta do carro ficou atônica, o guarda-chuva vermelho molhado estava no assoalho do carro.
Ely?
Fim do capítulo
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RosanePatell
Em: 02/06/2018
...Eu vejo que quando eu crescer quero escrever como você! Tu não teria a coragem de acabar aqui né?! Ou teria??!
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