Capítulo 4
O som do vaivém das ondas, ritmado, fazia Tereza sentir-se em paz. Costumava dizer que existia uma certeza imutável naquele som, de que não importa o que houvesse, as ondas continuariam seu vaivém sereno. Poderia haver guerra, paz, finais felizes e tristes, e as ondas fariam seu trajeto que poderia ser a respiração do planeta Terra.
Não saberia dizer há quanto tempo estava ali sentada, sentindo a areia por entre os dedos dos pés e das mãos, a maciez áspera daqueles pequenos grãos tocando sua pele enquanto procurava entender tudo que passara nos últimos dias. “precisamos conversar” dizia a mensagem de Elis, sucinta e breve.
Naquelas duas palavras, Tereza anteviu o que aconteceria. Sabia que a luta de Elis não era simples nem fácil, e as paredes sólidas construídas ao redor da vida de luxo que levava eram grossas. Jamais duvidaria do quanto Elis a amava, mas desde o primeiro momento, quando pediu que tirasse uma foto sua naquela praia distante, percebera que aquela mulher estava profundamente agarrada às conveniências de uma vida de aparências, e que todo conforto e prazeres que o dinheiro poderiam comprar estavam atrelados exatamente a manter essa aparência. Sentia o amor de Elis, mas sabia que uma vida juntas não seria algo fácil.
“Duas palavras bastam para estraçalhar o coração de alguém cuja esperança não é grande” dissera a si mesma, em voz alta. Juntou forças e respondeu também de forma fria, apenas um “ok”. Recebeu de volta um “te procuro amanhã, no seu apartamento, às 20 horas”, que respondeu com outro “ok”.
Na realidade Elis não precisava explicar o que havia acontecido, preferia nem saber. Já havia tido seu coração partido e sabia que sobreviveria, a certeza que só tem quem já foi muito magoado a tranqüilizava.
Com um suspiro longo, voltando do seu momento de recordações, pegou um punhado de areia e soltou devagar no ar, vendo os grãos sendo levados pelo vento.
— Você está pronta? – perguntou uma voz atrás de si.
— Sim – respondeu Tereza, levantando-se e olhando mais uma vez para o mar.
Com um abraço apertado, Marcos, seu antigo professor de física que a acolhera e que passou a ser seu maior apoiador na vida, sussurrou em seu ouvido:
— Quero que você saiba que sempre estarei aqui para o que der e vier, entendeu? Somos família! – e afastou-se, mas ainda segurava seus ombros olhando fundo em seus olhos.
— Eu sei, e nada me deixa mais feliz que isso – respondeu, com lágrimas nos olhos.
Sorrindo maliciosamente, ele pergunta:
— Nem aquilo ali? – e virou-se, olhando em outra direção, para onde Tereza também virou seu olhar.
Ali estava ela, ainda mais linda, no seu vestido esvoaçante com flores nas mãos, no altar improvisado que fizeram para a cerimônia de casamento, um brilho de felicidade ao seu redor, a sua Elis.
— Talvez... – respondeu sorrindo, e piscando um olho – você sabe que nunca imaginei que esse dia chegaria. Acabei de lembrar do dia em que ela pediu para conversarmos, nunca imaginei que ela pediria minha mão em casamento!
Elis, no altarzinho, aguardava Tereza encontrá-la e sentia muito orgulho de si mesma, relembrando quando, ao sair do banheiro no dia daquela reunião, apenas disse:
— O senhor tem razão, doutor Paulo: algumas oportunidades não podem ser desperdiçadas.
Satisfeito, Paulo diz:
— Você é muito inteligente, Elis, sei que não vai se arrepender – e estendeu sua mão em cumprimento na direção de Elis, que estendendo a sua para cumprimentá-lo, disse:
— Muito obrigada, doutor Paulo. Por tudo. Agora mesmo deixarei minha carta de demissão junto ao setor jurídico da empresa, tenho um pedido a fazer para o grande amor da minha vida. Com sorte, brevemente serei uma mulher casada.
Atordoado, Paulo balbucia:
— Demissão? Não, você não pode estar falando sério, você está jogando sua vida fora, sua carreira, seu futuro! Case-se depois da negociação!
— Sinto muito, mas a felicidade não pode esperar. Não posso correr o risco de perder Tereza.
Após um breve momento em silêncio, Paulo explode:
— Sua puta, sapatão dos infernos, eu sempre soube que você tinha esse problema, sua...
E Elis sorriu, relembrando do seu punho bem no nariz do prepotente e homofóbico doutor Paulo. Claro, levou dias com compressas na mão para desinchar, mas valera a pena. Para evitar qualquer processo de homofobia, a empresa aceitou sua demissão, e agora Elis investiria suas economias no abrigo LGBT junto com Tereza. Nunca sentira tanta alegria na vida.
Serenamente, via seu grande amor vindo em sua direção, rumo ao início de uma nova vida, onde prometia-se nunca mais se separar de si mesma.
Fim do capítulo
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RosanePatell
Em: 30/05/2018
Que bom que o amor venceu! Este desfecho renova nossas esperanças. O mundo está muito nescessitado deste sentimento.
Resposta do autor:
Oi Rosane, tudo bem?
Sim, eu também acredito no amor como bálsamo para todas as dores, e cura para todos os males. Rompe barreiras, atravessa o medo, fortalece nossos laços conosco mesmas e, principalmente, atrai mais amor.
Obrigada pelo incentivo, fico muito feliz que você gostou!
Abraço!!
cidinhamanu
Em: 29/05/2018
O melhor sentimento é aquele que desperta quando não estamos procurando por ele.
Conhecer alguém que te faça sentir amor, paixão, excitação, confiança e liberdade tão naturalmente quanto o sol acordar de manhã.
Aquele que confessa com os olhos e é entregue com um sorriso, que faz ser a sua última lembrança da noite e a primeira do dia, que faz o seu estômago revirar e as suas mãos tremerem…
Finalmente Elis se entregou à Tereza e a esse amor lindo destinado a elas.
Parabéns, adorei o fesfecho...
Bjus.
Cidinha.
Resposta do autor:
Nossa Cidinha, que lindo!! Fiquei encantada com o que li.
Que bom que você gostou, procurei contar a história usando as imagens, e confesso que não foi tão fácil! Muito obrigada pelo teu comentário, me motiva a continuar!
Beijo grande!!
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