Mariza acordou cedo, melhor nem dormira. Passara a noite toda pensando na revelação que a filha fizera na noite anterior. Mas sabia que no fundo do coração que Leticia sempre fora diferente. Não, diferente não. Leticia era apenas ela mesma.

Desceu os degraus da casa que haviam alugado para aquele fim de semana prolongado, na praia.

Dava direto na areia , mais à frente o mar. Estava ainda gelado pois o sol agora começava a subir, tingindo o céu com seu alaranjado que sempre a emocionou. Caminhou vagarosamente pela areia deserta, apenas um senhor vinha caminhado bem longe. Parou próximo ao mar,  viu os chinelos de Leticia. Mais à frente via a cabeleira dela afundando e voltando dentro da água gelada.

Logo a preocupação de mãe foi acionada, iria ficar resfriada. Desde pequena que Leticia tinha certa facilidade para pegar vírus e deixar a garganta irritada . Mas agora sua menina era uma mulher. Observou a filha de costas ,ficar em pé e colocar a cabeça para cima como se tivesse meditando, as ondas batiam no seu corpo, mas de tão concentrada Leticia parecia não sentir.

Mariza começou a tentar adivinhar o que ela pensava, provável na noite de ontem. Quando finalmente a filha tivera a coragem. Estavam as duas tomando vinho na varanda, final de tarde. Seu marido já estava no decimo sono e Vinicius seu filho mais novo estava com a cara enfiada no computador jogando seus joguinhos on line. As duas conversavam animadamente sobre o próximo semestre, sobre a expectativa dela começar a tão sonhada faculdade. De medicina.

Quando em um dos silêncios confortáveis, Leticia contou sua verdade.

- mamãe, sou lésbica.

Mariza calou-se e olhou séria para filha. As palavras faltaram. Leticia interpretara como repudio sua falta de diálogo. Levantou-se revoltada, sem dizer mais nada, largou a mãe e a taça de vinho pela metade.

E ainda assim Mariza não disse nada.

Quando a filha saiu intempestiva, pensou com cuidado no que aquela revelação mudaria para ela.

 Leticia continuava com sua doçura que conservava desde criança, seus sorrisos que Mariza sabia decifrar cada um. Sua irritação quando algo estava fora de lugar, quase como um TOC, seu dengo quando queria algo. Mas principalmente seu coração que era enorme. E seu caráter que não podia nunca ser contestado. Chegou a conclusão óbvia que Leticia é uma pessoa decente, bem educada, estudiosa, nunca dera um problema sequer.

Leticia saiu do seu estado meditativo e volta para praia, Mariza percebe quando ela a vê. Pois seu semblante antes sereno toma tons de tensão. Ela se aproxima, pega os chinelos na mão e as duas se encaram. Mariza sorri e abre os braços para sua filha. Pois nenhuma gota de amor, cuidado, orgulho saíra do lugar no coração de Mariza por causa da revelação.

Leticia sorri quando mãe e filha se abraçam finalmente, Mariza diz:

- não me importo filha, quem você ama ou deseja. Só quero sua felicidade. Nada disso vai fazer você deixar de ser quem é. Minha filha perfeita.

Leticia molha a mãe não apenas com água salgada, mas com o sal das suas lágrimas e com a voz embargada de emoção:

- te amo mãe, me desculpe por não ter contado antes.

Mariza segura o rosto da filha, para poder encarar aqueles olhos marrons tão iguais aos seus:

- você não tem que se desculpar meu amor, contou na hora que achava que devia. Mas saiba que estarei aqui quando quiser conversar, sobre qualquer coisa.

- eu sei mãe.

Mariza beija a testa da filha.

Depois se abraçam de lado e ficam as duas assistindo mais um amanhecer.

Fim do capítulo